Igreja e Israel
Uma contribuição das Igrejas Reformatórias da Europa para a relação de cristãos e judeus
Índice
Prefácio do editor dos Leuenberger Texte (Textos de Leuenberg) caderno 6 (Veja no texto alemão)
Introdução
Parte I — Israel e a Igreja
1 Pressupostos teológicos e históricos 2 Encontros entre Igreja e Israel em Igrejas reformatórias
da Europa 3 Israel e a Igreja no horizonte da tradição bíblica 4 Ao desenvolvimento histórico da delimitação entre Igreja
e Israel
Parte II — A Igreja e Israel
1 Tentativas teológicas dum esclarecimento da relação
entre a Igreja e Israel 1.1 A idéia dos "dois caminhos" 1.2 A idéia da "aliança não-denunciada" e a aceitação para dentro da
Aliança Única 1.3 A recepção da idéia da "peregrinação dos povos ao Sião" 1.4 A idéia do Único Povo de Deus de Israel e da Igreja 1.5 Resultado 2 Israel e a Igreja na doutrina cristã 2.1 A revelação do Deus de Israel em Jesus Cristo 2.2 O entendimento cristão das Sagradas Escrituras de Israel 2.3 O entendimento cristão de Deus 2.4 O agir escolhedor de Deus 2.5 A Igreja como "povo de Deus" – Israel como "povo de Deus" 3 A convivência da Igreja com Israel
Parte III — A Igreja e o Israel atual
1 Conseqüências para a prática das
Igrejas 1.1 Trabalho comunitário e agir na direção da Igreja 1.2 Pregação e ensino eclesiais 1.3 Serviço religioso e calendário de festas 1.4 Formação e aperfeiçoamento eclesiais 2 Referente à responsabilidade
comum de cristãos e judeus
Epílogo
Apêndice Exposições feitas durante os colóquios de ensino Membros do grupo do colóquio e ensino "Igreja e Israel"
Introdução
A 4a Assembléia Plenária da Comunidade Eclesial de Leuenberg despachou, em 9
de maio de 1994 em Viena, o estudo "Die Kirche Jesu Christi. Der reformatorische
Beitrag zum ökumenischen Dialog über die kirchliche Einheit" (‘A Igreja de Jesus
Cristo. A contribuição reformatória ao diálogo sobre a unidade da Igreja"). Esse
estudo, em que as Igrejas Reformatórias da Europa, pela primeira vez, formularam um
entendimento comum de Igreja, descreve, em lugar central, a essência da Igreja como
comunidade dos crentes em Jesus Cristo, da qual se deriva a auto-designação da Igreja como
‘povo de Deus’. Como a designação ‘povo de Deus’, correspondente à tradição
antigotestamentária reproduz o auto-entendimento do povo de Israel, está posta, pela
auto-denominação da Igreja como ‘povo de Deus’, desde o princípio, a questão da
proximidade e delimitação da Igreja referente a Israel.
No estudo de Leuenberg sobre a Igreja se diz, portanto, explicitamente: "A relação
entre judeus e cristãos, Israel e a Igreja exige de ulteriores colóquios de doutrina entre
as Igrejas participantes da Comunidade Eclesial de Leuenberg. Ela foi, portanto, destinada
para ser um dos três novos assuntos do colóquio doutrinal pela Assembléia Plenária de
1994." (P. 37, Nota 3)
O grupo de diálogo doutrinal ‘Igreja e Israel’ propôs, ao grêmio executivo da
Comunidade Eclesial de Leuenberg, guias de projeto que continham quatro dados fundamentais:
- "Existe uma conexão inseparável entre a escolha da Igreja e a escolha de
Israel, entre aliança ‘Antiga’ e ‘Nova’.
- A relação com Israel pertence, para cristãs e Igreja, inalteravelmente à questão
pela fundamentação da fé.
- No encontro com o testemunho de vida dos judeus, os cristãos descobrirão coisas
comuns e diferentes na vida da Igreja e da Sinagoga.
- O diálogo entre judeus e cristãos vive de que ambos não posponham o testemunho da
verdade experimentada da sua fé, ouvindo uns aos outros no esforço por um entendimento
mútuo.’
Segundo essas linhas guias, o colóquio doutrinal devia ter a finalidade "de
elaborar um entendimento comum das Igrejas Reformatórias ao assunto ‘Igreja e Israel’".
Deveria corresponder aos critérios designados na Leuenberger Konkordie (Ziff. 38), logo ser
determinado "pelo esforço pela atualização do entendimento comum do Evangelho",
e nomeadamente "no fundo dos desafios especiais do diálogo cristão-judaico".
Deveria ser aberto "para o diálogo entre cristãos e judeus como base para a
promoção da confiança mútua" e apto "de afirmar-se em pregação, ensino e
cura de almas das Igrejas". E deveria, enfim, ser "uma contribuição ao diálogo
ecumênico".
Importante é uma referência aos conceitos usados no texto do presente estudo. O
conceito de Israel designa o povo judaico e o Judaísmo como grandeza religiosa,
social e cultural, inclusive auto-definições possivelmente contraditórias entre si dentro
das múltiplas correntes do Judaísmo, tanto do passado como também no presente. Quando Israel
for entendido no sentido político, fala-se explicitamente do Estado de Israel.
Seguindo as guias de projeto mencionadas no início, o grupo do colóquio doutrinal
partiu do respetivo contexto, no qual se realiza atualmente o colóquio cristão-judaico
conduzido pelas Igrejas reformatórias na Europa.
Nisso mostra-se primeiro, na Parte I, até que ponto as igrejas assinantes da Konkordie
de Leuenberg procuram o colóquio com Israel, em quais questões, nisso, repara-se um
consenso e onde há diferenças em determinadas questões (Parte I, seções 1 e 2). Como o
refletir sobre uma nova determinação da relação da Igreja a Israel não pode ser feita
sem uma análise crítica das bases bíblicas e das conexões e história eclesial, segue
uma exposição do desenvolvimento histórico da relação de Igreja e Israel (Parte I,
seções 3 e 4).
A Parte II contém a necessária reflexão dogmática: Primeiro, discute-se as tentativas
teológicas dum esclarecimento da relação entre Igreja e Israel já havidas na seção 1;
na seção 2 desdobra-se a seguir, na base e critérios teológicos, uma própria
determinação dessa relação em vários passos. Na seção 3, os conhecimentos ganhos
antes são concretizados com visão à convivência de Igreja e Israel.
O estudo desemboca, na Parte III, em conseqüências práticas. Na seção 1,
designa-se campos de ação eclesiais e formuladas tarefas; essa Parte termina na seção 2
com um pronunciamento à responsabilidade comum de judeus e cristãos.
No Epílogo, pronuncia-se o saber das Igrejas da sua culpa, o pedido por perdão e
a esperança de poder andar em caminhos novos.
Para a elaboração do presente estudo, reuniram-se os delegados de mais que 20 Igrejas
européias para sete consultações (inverno de 1996: Basiléia; primavera de 1997: Preetz;
outono de 1997: Varsóvia; primavera de 1998: Amsterdã; outono e 1998: Dresden; primavera
de 1999: Praga; outono de 1999: Berlim). Depois do processo de tomada de posição da
Comunidade Eclesial de Leuenberg, o grupo do colóquio doutrinal reuniu-se, em novembro de
2000, para um oitava consulta concluidora em Roma, para deliberar os mais que 30 votos
recebidos e recolher os desejos dos mesmos.
Importância especial tem o fato de que a professora para judaica e rabínica, Dr.ª
Chana Safrai (Jerusalém) participava regularmente das consultações; no encontro na
Varsóvia participaram também o, entrementes falecido, rabino Dr. Roland Gradwohl
(Jerusalém), bem como Stanislaw Krajewski (Varsóvia).
Os títulos de todas as conferências proferidas durante as consultas encontram-se
cronologicamente compiladas no apêndice.
Parte I
Israel e a Igreja
1 Pressupostos teológicos e históricos
1.1 A determinação da relação da Igreja a Israel sucede por várias razões: A Igreja
está raizada em Israel. As Sagradas Escrituras de Israel são, como o Antigo Testamento,
parte da Bíblia cristã. A Igreja é entendida pela fé como a comunidade das pessoas que
crêem na ação salvífica de Deus em Jesus Cristo, como ‘Corpo de Cristo’; a Igreja
é, porém, também entendida como o povo de Deus escolhido em Cristo. Com isso, a fé
cristã faz uma declaração sobre a Igreja, a qual está em tensão ao auto-entendimento de
Israel como povo de Deus. Essa tensão levou, no decorrer da história da relação entre a
Igreja e Israel a conseqüências diversas. Épocas de um-com-o-outro alternaram-se por
épocas de desinteresse, freqüentemente também de inimizade e de ódio.
As Igrejas lançam um olhar retrospectivo a épocas de perseguição de judeus e
especialmente à Shoáh, a qual, na sua brutalidade programática e perfeição, supera
todas as perseguições anteriores. As Igrejas sabem que falharam nessa situação; umas
Igrejas da Comunidade Eclesial de Leuenberg, portanto, confessaram, de modo diverso, a sua
culpa referente a Israel e a sua co-culpa na Shoáh, pronunciando a sua falha. As Igrejas
falharam por negligência e medo, arrogância e fraqueza; também falharam, antes de tudo,
por causa de interpretações erradas de textos bíblicos e disso resultante erro teológico
horrível. Por vezes, houvera, na Cristandade, a idéia de que a recusa e depreciação do
Judaísmo, até à expressa inimizade aos judeus, fossem a ser consideradas francamente um
como aspeto de auto-entendimento cristão.
Se, em vista desse passado, conseguir-se chegar a um novo esclarecimento teologicamente
responsável da relação da Igreja e Israel, isso representará, para a Igreja, um ganho em
liberdade, ao mesmo tempo também um enriquecimento teológico e conhecimento aprofundado da
sua própria essência.
1.2 Nas recomendações da assembléia plenária da Comunidade Eclesial de Leuenberg, no
ano de 1987, para a confecção do estudo "Die Kirche Jesu Christi" (‘A Igreja
de Jesus Cristo’), foi dito entre outras coisas que se deveria refletir sobre "a
relação da Cristandade com o povo judaico no quadro da eclesiologia reformatória e na
perspectiva da nossa identidade como Igreja". O estudo apresentado a seguir, no ano de
1994, seguiu essa razão fazendo, em vários lugares, pronunciamentos referente à relação
da Igreja a Israel.
1.2.1 A essência da Igreja, a sua missão e tarefa, são descritas como segue (p. 22):
Ela é "o povo de Deus escolhido em Cristo", o qual está, reunido e fortalecido
pelo Espírito Santo, no caminho pelo tempo para a perfeição no Reino de Deus. "Na
realização dessa ação universal de Deus, a Igreja tem a sua origem e fundo
permanente." A Igreja, que a fé entende assim como "povo de Deus escolhido em
Cristo", tem, sob o ponto de vista histórico, a sua origem em Israel. Israel, porém,
considera-se, inalteradamente e não obstante o acontecimento de Cristo, como o povo
escolhido pela ação de Deus: Deus e o seu povo estão indissoluvelmente ligados um ao
outro. Expressão dessa ação escolhedora de Deus, é a aliança de Deus, assim como é
especialmente expressa na tradição bíblica do acontecimento no Sinai (Ex 19-24). A
conexão inseparável entre a escolha da Igreja e a escolha de Israel como povo de Deus
está, no estudo eclesial, descrita assim (p. 37): "Como o seu povo, Deus chamou Israel
à fé (Is 7,9), mostrou-lhe, através das Suas instruções, o caminho à vida (Ex 20,1-17;
Dt 30,15-20), destinando-o assim para ser a luz dos povos (Is 42,6). Essa promissão feita a
Israel, não chegou a ser caduca com o acontecimento de Cristo, pois a fidelidade de Deus
persevera nela (Rm 11,2.29)."
1.2.2 No capítulo I do estudo eclesial ("A essência da Igreja como comunidade dos
santos") fala-se, no parágrafo 1.1, primeiro da "ação justificadora do Deus
triúnico". No parágrafo 3.1 expõe-se mais pormenorizadamente, sob o título de
"A razão do destino da Igreja na escolha – Igreja com povo de Deus", o
entendimento da Igreja com referência a afirmações bíblicas: Deus nos "escolheu em
Cristo, antes de que o mundo foi fundado" (Ef 1,3-6); diz-se em seguida explicitamente,
com referência a Ex 19,5s., que está "essa escolha da Igreja ... numa conexão
inseparável com a ... escolha de Israel como povo de Deus". O estudo fala da
"Igreja como povo de Deus (1Pd 2,9s.)" como "da comunidade, chamada por
Cristo, dos fiéis dos judeus e dos povos (Rm 9,24)" (p. 37). Nesse contexto,
formula-se, numa anotação, a na introdução acima citada frase sobre a necessidade de
colóquios de doutrina referente a essa temática.
1.2.3 No capítulo II do estudo eclesial ("A comunidade dos santos na sociedade na
época atual") fala-se primeiro, no parágrafo 3 ("A Igreja no diálogo"),
antes do subparágrafo "Diálogo com as religiões" (3.2), do diálogo com o
Judaísmo (3.1). Reza-se aí entre outras coisas (p. 51): "Ser Igreja significa, para
as Igrejas da Reforma, que estas se voltem, na prioridade fundamentada na Bíblia, a pôr em
dia a sua relação com o Judaísmo. Ao colóquio com o Judaísmo não se pode
renunciar." Depois duma lembrança da história, cheia de sofrimento para os judeus,
das relações entre a Igreja e Israel, diz-se a seguir: "A discussão da história
dolorosa e carregada da relação entre judeus e cristãos, chegou a ser uma tarefa central
para todas as Igrejas. Onde o evangelho da graça de Deus em Jesus Cristo estiver sendo
abusado para motivar a ‘rejeição’ dos judeus ou justificar indiferença referente ao
seu fado, o próprio evangelho como fundamento da existência da Igreja está sendo posto em
questão. A relação com Israel pertence, portanto, para os cristãos
inevitavelmente à questão pelo fundamento da sua fé." Antes de que o estudo
falar concretamente do diálogo, afirma: "A existência do Judaísmo é, para a Igreja,
um sinal da fidelidade de Deus nas Suas promessas, das quais também a Igreja continua
dependendo face às suas múltiplas falhas, especialmente na sua relação com os
judeus."
1.2.4 Muito conscientemente, o estudo eclesial distingue o diálogo com os judeus do
diálogo com as religiões. Referente ao "diálogo com as religiões" reza que a
fé se volta "criticamente contra qualquer veneração de deuses alheios e qualquer
estabelecimento de ideologias estranhas", também dentro da própria Igreja. A fé no
Deus que age em Jesus Cristo capacitaria, certamente, "com toda a crítica das
religiões também para a percepção do anseio e sentido no culto e no mundo de
imaginação de outras religiões, sim mesmo de momentos de verdade da
veneração de Deus e da imaginação de Deus nelas", em que, porém,
"harmonizações sincréticas", no sentido "duma nova superreligião",
ficariam excluídas para a fé cristã (p. 53). Uma exata reflexão teológica da principal
diferença entre o colóquio com o Judaísmo e o colóquio com "as religiões"
resp. "as visões do mundo" (3.3) falta no estudo eclesial. O presente estudo
"Igreja e Israel" foi elaborado pela razão por que a relação da Igreja com
Israel faz parte da eclesiologia, portanto um aspeto imediato da identidade da Igreja; o
problema da relação com as religiões deve ser tratado noutro lugar.
1.3 Quando cristãos falam de permanente escolha de Israel, isso inclui o reconhecimento
do povo judaico como povo de Deus. Em comparação a isso, a auto-designação ‘povo de
Deus’ para a Igreja é de modo nenhum uma coisa evidente. Mesmo no caso de que nisso, ao
mesmo tempo, a eleição permanente de Israel for enfatizada, o auto-entendimento e a
auto-designação da Igreja como ‘povo de Deus’ podem, não obstante, ser sentidos como
usurpação por judeus. Em todo o caso a Igreja, quando se entende como ‘povo de Deus’,
não pode prescindir da sua relação especial e da sua solidariedade especial com o
Judaísmo.
A agregação de Igreja e Israel, que se baseia no próprio auto-entendimento como ‘povo
de Deus’, não é, para a teologia cristã, uma questão marginal. Aqui está sendo
tocado, antes, um ponto central do entendimento de Igreja reformatório, este que se deriva
da ação de Deus. A Igreja está, a partir do fundo da sua fé, remetida a Israel,
pertencendo, portanto, a sua relação com Israel "indispensavelmente à questão pela
fundamentação da sua fé" (Die Kirche Jesu Christi [A Igreja de Jesus Cristo], p.51).
Isso é um entendimento próprio da fé cristã: Uma teologicamente fundada declaração a
Israel como povo. Mas Deus precisa respeitar que Israel se descreva a si mesmo como ‘povo
de Deus’ no seu próprio modo. Ambas as declarações sobre Israel, porém, não precisam
necessariamente concordar uma com a outra.
1.4 A vida do Judaísmo contemporâneo está, desde mais que cinqüenta anos, cunhada
pela Shoáh. A Shoáh representa um desafio permanente para a Igreja e a sua teologia: É
uma tarefa para todas as Igrejas da Europa, também para aquelas cujos membros não
participaram da Shoáh. A Shoáh permanece motivo para auto-exame teológico permanente e
renovação; obriga a ocupar-se com as causas para o ódio aos judeus continuamente
recrudescente e a inimizade aos judeus, que se também encontra ainda hoje. Esse auto-exame
deve fazer visível a vontade e prontidão para o arrependimento e conversão.
2 Encontros entre Igreja e Israel em Igrejas reformatórias da
Europa
2.1 A necessidade teológica que jaz na essência da Igreja, para uma determinação
apropriada da relação da Igreja com Israel e da culpa e responsabilidade, resultantes da
história, são imediatamente relacionadas entre si. Cada um dos dois aspetos precisa ser
tido em conta cada um por si. Com as seguintes reflexões, pretende-se criar um foro para a
reflexão ulterior e para conversas futuras no nível da comunidade eclesial de Leuenberg.
Para isso é preciso perceber as em cada Igreja, respetivamente, realizadas discussões de
intensidade diferente e iniciar um diálogo interno das Igrejas reformatórias.
2.2 A assembléia plenária da comunidade eclesial de Leuenberg convidou, no ano de 1994
em Viena, as Igrejas reformatórias na Europa para acolherem os até agora em cada Igreja
obtidos resultados da reflexão teológica sobre a relação da Igreja com Israel e para
cada uma procurar, cultivar e intensivar o colóquio com Israel. Nisso está contido o
desafio para encontrar, além do realizado até agora, uma definição da relação entre
Igreja e Israel, que seja co-carregada e co-responsabilizada por todas as Igrejas
reformatórias.
2.3 No passado, a reflexão o encontro próprio com Israel passou-se muito
diferentemente. No contexto do colóquio cristão-judaico, dá a perceber um espetro muito
largo em experiências, desenvolvimentos e tendências. Em muitas Igrejas européias,
chegou-se a encontros de cristãos com judeus no nível oficial só depois de 1945. Com
isso, juntou-se uma reflexão sobre as causas do alheamento cristã do Judaísmo, até da
inimizade referente aos judeus, bem como a reflexão teológica sobre o auto-entendimento da
respetiva Igreja perante Israel.
Os parágrafos seguintes refletem os relatórios daquelas Igrejas que reagiram à
perguntas correspondentes. Esses mostram, a partir da perspectiva da respetiva Igreja e do
seu contexto histórico, como descrevem o encontro de Igreja e Israel. Trata-se dum resumo
conciso, que pretende deixar entender os diferentes pontos de gravidade e desenvolvimentos
caraterísticos.
2.3.1 Na Polônia havia, nos anos de 20 e 30 do século 20, a missão
"Barbican", dirigida para a conversão de judeus ao Cristianismo. Depois da
Segunda Guerra Mundial, demorou vários anos até a Igreja reformada polonesa se desse com a
lembrança do tempo da ocupação – daquele tempo quando a casa da comunidade e a igreja
em Varsóvia eram cercadas pelo gueto judaico de todos os lados. Além dos esforços pela
reconstrução da igreja, havia a ânsia de retomar o contato com o Judaísmo num modo novo.
Na revista ‘Jednota’ (Unidade) foi discutida a questão de se o diálogo religioso entre
os cristãos e os judeus crentes seria possível. No ano de 1995, o Sínodo da Igreja
evangélica-reformada na Polônia fez uma declaração ao aniversário da libertação do
campo de concentração de Auschwitz.
2.3.2 Na constituição de estado da Noruega de 1814 a 1851, os judeus eram
excluídos do Reino (sem direito a residir), chegando depois, porém, a ser uma minoria
viva, embora nem sempre aceita. Um interesse pelos judeus e solidariedade com eles e o
Estado de Israel, porém, chegaram a ser muito fortes na Igreja da Noruega, especialmente
depois da Segunda Guerra Mundial e da ocupação alemã da Noruega. A Igreja exprimiu,
embora tarde, em 1942 a primeira crítica pública contra a deportação dos judeus
noruegueses. A solidariedade com os judeus desenvolveu-se também pelo encontro com os
judeus através da missão aos judeus. As comunidades judaicas na Noruega são hoje
pequenas, mas jogam um papel nos debates públicos de cultura e religião. A Igreja da
Noruega mantém, desde 1996, uma comissão permanente de diálogo com as comunidades
mosaicas na Noruega.
2.3.3 Na Dinamarca, a atitude das direções da Igreja referente aos judeus era
geralmente anti-judaica, desde o estabelecimento da primeira sinagoga (pelo fim do século
17) até adentro do século 19. Os governos, ao contrário, eram mais tolerantes; em 1814,
os judeus receberam direitos cívicos iguais, 35 anos antes de que a liberdade religiosa
geral foi introduzida. Quando a força alemã de ocupação, no ano de 1943, quis prender e
deportar os judeus, foi lida uma carta pastoral no serviço religioso, na qual, com
referência à Bíblia e consciência, as perseguições dos judeus foram condenadas. Cerca
de 94% dos judeus dinamarqueses foram, com o auxílio da população, salvos para a Suécia.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o relacionamento entre Igreja e Sinagoga era sempre
harmonioso, mas sem ligações mais próximas. Os rabinos chefes, porém, deram até o tempo
mais recente, através de contatos pessoais e numerosas palestras em comunidades eclesiais,
informações sobre o Judaísmo. Um foro oficial para conversas entre a Igreja popular e a
Comunidade Mosaica, porém, não há.
2.3.4 Nas Igrejas dos Países Baixos, onde se chegara a contatos mais intensivas e
diretas com rabinos já depois do sínodo de Dordrecht no século 17, desenvolveu-se uma
visão própria da relação entre cristãos e judeus. O interesse especial no Antigo
Testamento e na praxe de serviço religioso o canto dos salmos dominical, prepararam um solo
fértil, no qual desenvolveu-se o interesse substancial em Israel, e o qual ganhou um perfil
claro em alguns teólogos pelo fim do século 19. Nos anos 40 do século 20, lutava-se com o
assunto "O Judaísmo como interpelação à Igreja" e com o logo ardente assunto
de "Edda e Toráh". Fortalecia-se a convicção de que a relação da Igreja com
Israel distinguia-se da relação cristã com outras religiões, não podendo-se falar em
‘deserdação" de Israel. A importância dum relacionamento teologicamente refletido
com o presente de Israel foi acentuado no estudo ‘Israel, Povo, País e Estado’ da ‘Hervormde
Synode’ no ano de 1973. Em 1995, sob o mesmo título, foi enviado às comunidades uma
reflexão continuada como relatório intermediário.
2.3.5 Na Itália, as relações entre judeus e protestantes são cunhadas pelo que
os judeus e valdenses foram ambos minorias religiosas durante séculos, tendo sido
discriminadas e perseguidas, mas nunca exterminadas ou assimiladas; no ano de 1848, ambas
foram emancipadas ("destinos paralelos"). No século 19, houve entre os
protestantes italianos uma espalhada amizade de judeus, cunhada por uma interpretação
verbal de algumas promissões da Bíblia sobre o fim da diáspora e a volta ao lar de Israel
ao País Prometido; não por último por causa disso, os protestantes italianos ficavam
imunes para o anti-semitismo, prestando auxílio aos judeus perseguidos, mesmo quando não
chegou-se a nenhuma condenação pública das leis de raça por parte das assembléias
gerais e das direções eclesiais. Contatos diretos entre protestantes e judeus nasceram
principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, tanto no quadro do interesse comum na
defesa e na proteção dos direitos das minorias e no caráter pluralista da sociedade, bem
como no âmbito do diálogo entre judeus e cristãos.
2.3.6 Na França, o protestantismo, que se desenvolvera da experiência histórica
da perseguição e do exílio e se alimentava a partir da leitura intensiva da Bíblia,
especialmente do Antigo Testamento, sentia-se sempre perto do Judaísmo. No ano de 1942, a
Igreja Reformada, influenciada pelo pensar teológica de Karl Barth, tomou posição contra
as leis de raça do governo de Vichy; a população protestante comportava-se, muitas vezes,
solidária com os judeus. Depois da guerra, a Aliança protestante da França fundou um
comissão com a tarefa de estudar a relação com o Judaísmo e de refletir sobre esta; no
entanto, nenhuma das Igrejas francesas dirigia-se oficialmente à questão da
co-responsabilidade cristã pela Shoáh. A Igreja Reformada de Alsácia/Lorena dedicou, no
Sínodo de Saint-Louis em 1990, uma introdução geral ao assunto ‘As raízes judaicas da
fé cristã".
2.3.7 Na Suíça chegou-se em 1941, no quadro da "Obra auxiliar para a Igreja
Confessante na Alemanha" a uma áspera briga de princípios teológicos sobre o
entendimento de Jo 4,22 ("A salvação vem dos judeus"). Um grupo entendia a frase
como declaração sobre o passado: "A salvação veio ..." dos agora
repudiados judeus para a Igreja; outro grupo lia a declaração "A salvação vem
dos judeus", no sentido de que a Igreja estaria, por isso, posta numa permanente
ligação com o povo de Israel. Uma assembléia representativa da Igreja declarou finalmente
como confissão: "Porque está escrito: ‘A salvação vem dos judeus’ (Jo 4,22),
eis porque o anti-semitismo é incompatível com a pertença a uma comunidade cristã.
2.3.8 Na República Tcheca correm há muito tempo, na Igreja dos Irmãos Boêmios,
um processo de reflexão intensiva e esforço por um esclarecimento teológico e
melhoramento prático da relação aos judeus. Os Irmãos Boêmios juntam-se, desse modo,
às Igrejas reformatórias. Podem, nisso, aproveitar aquela intenção que se depara no
trabalho dos tradutores e intérpretes da Bíblia tchecos do tempo da Reformação, e
também no tempo atual.
2.3.9 Pela destruição dos judeus, organizada por alemães no tempo do domínio
nacionalsocialista, as Igrejas evangélicas na Alemanha consideram-se de modo
especial obrigadas a Israel. Um sinal apontando para o futuro, deu o Sínodo da EKD
(Evangelische Kirche Deutschlands = Igreja Evangélica da Alemanha) em Berlim-Weißensee.
Nomeou, pela primeira vez, a sua co-culpa, esta que a Igreja Evangélica carregara sobre si
durante o domínio nacionalsocialista referente aos judeus, ocasião em que disse que a
Igreja chegara a ser culpada "por calar-se e omitir"; confessando a sua fé de
"que a promissão de Deus sobre o povo de Israel escolhido por Ele tem permanecido em
vigor, também depois da crucificação de Jesus Cristo". Desde o Dia Eclesial
Berlinense de 1961, o colóquio com judias e judeus está sendo continuamente conduzido nos
Dias Eclesiais. Os três estudos "Cristãos e Judeus" dos anos 1975, 1991 e 2000
devem-se, nem por último, a tais colóquios. No estudo "Cristãos e Judeus II",
constatou-se um "consenso fundamental" entrementes alcançado, este que abrange a
"renúncia ao anti-semitismo" e a "confissão da co-responsabilidade e culpa
no Holocausto"; enfatiza-se "a ligação indissolúvel da fé cristã com o
Judaísmo", bem como "a escolha permanente de Israel", aponta-se para "a
importância do Estado de Israel".
Em cada uma das Igrejas nos países alemães, os resultados da reflexão teológica e do
colóquio com Israel foram recebidos e convertido de modo diferente, no que deve ser
especialmente mencionada a resolução sinodal da igreja Evangélica da Renânia do
ano de 1980. Desde então, muitas Igrejas dos países (alemães) despacharam declarações
ao relacionamento de cristãos e judeus. Em parte, foram decididos complementos das ordens
eclesiais, nos quais se fala da permanente escolha de Israel. Algumas Igrejas formularam uma
renúncia explícita de qualquer forma de missão aos judeus.
2.3.10 O sínodo geral da Igreja Evangélica na Áustria despachou, no ano e 1998,
uma detalhada declaração sob o título de "Tempo para a volta". Nessa
constata-se que as Igrejas chegariam a serem co-culpadas na Shoáh, sabendo-se obrigadas
"a vedar qualquer anti-semitismo social e pessoal". Diz-se nesse contexto:
"Como a aliança de Deus com o seu povo de Israel permanece até o fim do tempo por
pura graça, missão entre os judeus não é teologicamente justificada e deve ser recusada
como programa eclesial."
2.3.11 A Igreja de Escócia remete para que não fez a experiência de ocupação
condicionada pela guerra ou domínio totalitário, não sendo confrontada com os extremos do
anti-semitismo; na Escócia, há muito pequenas comunidades judaicas em poucas partes do
país. Em geral, há boas relações entre a Igreja da Escócia e os seus vizinhos judaicos.
2.4 A questão duma interpretação do Estado de Israel está sendo respondida
diferentemente pelas Igrejas. Em algumas declarações, a fundação desse estado no ano de
1948 é explicitamente qualificada um como sinal histórico da fidelidade de Deus ao seu
povo, em outras declarações falta um pronunciamento teológico sobre o Estado de Israel.
Um amplo consenso consiste em que se distingue cuidadosamente entre a promissão de país
bíblica ao povo de Israel e o estado secular de Israel. Na mencionada declaração
austríaca do ano de 1998, expressa-se a esperança de que "esse estado encontre com os
seus vizinhos – especialmente com o povo palestinense – uma paz segura no mútuo
respeito do direito ao lar (des Heimatrechtes), assim que judeus, cristãos e moslins possam
conviver pacificamente".
2.5 A questão da importância dos judeus que se confessam a Jesus Cristo, especialmente
daqueles que se consideram, também como cristãos, obrigados à sua tradição judaica, foi
raramente posta. Isso relaciona-se também com que se vê o perigo de que a confiança, que
cresceu no encontro entre judeus e cristãos, possa ser arriscada. Em muitas declarações
teológicas referentes à relação entre Igreja e Israel, a Igreja cristã está sendo
entendida explicita ou implicitamente como "Igreja de entre os povos", na qual
pessoas de origem judaica não estão mais em vista. Doutro lado, por exemplo, diz o Sínodo
da Igreja Evangélica na Alemanha em novembro de 2000: "O Novo Testamento testemunha a
única Igreja de cristãos judaicos e cristãos pagãos. Vemos nos nossos irmãos cristãos
de origem judaica testemunhas da nossa solidariedade com o permanentemente escolhido povo de
Deus Israel."
Também a questão de se e de que modo o testemunho da reconciliação de Deus com o
mundo acontecida em Cristo concerne também Israel, muitas vezes não foi tematizado.
Exatamente essa questão é aquela que inquieta os judeus e põe o colóquio em perigo;
portanto, muitos pronunciamentos eclesiais evitam qualquer apontamento a essa temática;
outros insistem em que o testemunho de Cristo vale para o mundo inteiro.
2.6 A história das Igrejas reformatórias está, na Europa, muitas vezes estreitamente
ligada com a história de cada um dos estados nacionais. A responsabilidade social das
Igrejas e dos cristãos individuais foi, nisso, atendida de modo diferente. Em alguns
países, as Igrejas estavam em uma relação ao estado tão estreita, que apoiassem uma
política estadual dirigida contra os judeus ou se abstivessem, pelo menos, de qualquer
crítica. Havia também Igrejas, as quais, como os judeus, foram oprimidas e perseguidas
como minorias religiosas, mas que nisso não desenvolveram nenhuma interpretação positiva
do Judaísmo ou até praticaram uma solidariedade ativa com os judeus.
Ambas as coisas devem ser ditas: do tempo do Nacionalsocialismo resulta uma
responsabilidade especial da Alemanha e dos cristãos na Alemanha; mas todas as Igrejas
participam na historia européia especial de culpa referente a Israel, contanto que não
contradiziam energicamente à inimizade contra os judeus, ou até, ao contrário,
favoreceram-na direta ou indiretamente.
3 Israel e a Igreja no horizonte da tradição bíblica
3.1 A necessidade de refletir sobre a relação entre Igreja e Israel, resulta
imediatamente a partir das origens da Cristandade. Os textos bíblicos, que testemunham
essas origens, apontam não só à origem histórica da Igreja e com isso à histórica com
Israel, mas são ponto de partida e ponto e referência crítico (fons et iudex
[fonte e juiz]) de toda a reflexão teológica.
3.2 As Santas Escrituras de Israel, o Tanak (Toráh, Profetas, ‘Escritos’),
testemunham a história de Deus, do criador, que escolheu o seu povo de Israel e o conduz
através da história. Essa história começa com a escolha dos pais e mães. As Sagradas
Escrituras contam o êxito libertador do povo do Egito e do dom de Deus da Toráh no Sinai,
da tomada de terra e do desenvolvimento do estado. A história testemunhada nessas
escrituras continua no exílio babilônico, na volta ao país e na construção do Segundo
Templo. pertence a esta história que grande parte do povo vive na diáspora. O anúncio dos
profetas, que se passa no contexto dessa história de Deus com Israel, reflete experiências
de salvação e juízo, experiências de esperança e salvação. Simultaneamente, os textos
bíblicos remetem à largura do mundo de vida humano, à experiência de vida e morte.
3.3 Segundo o testemunho neotestamentário, a vida e o atuar de Jesus de Nazaré faz
parte dessa história de Deus com o seu povo. Jesus anunciava a proximidade do domínio de
Deus por vir. Jesus era permanecia judeu. O que pretendia era fazer valer a vontade de Deus
imediatamente; nisso estava na tradição dos profetas bíblicos. Ao mesmo tempo
reivindicava descobrir a verdadeira intenção da Toráh; nisso estava na tradição dos
escribas e mestres de sabedoria. Em certas situações porém, reivindicava para si também
poder pôr em questão posições da tradição religiosa e determinados pronunciamentos da
interpretação contemporânea da Toráh no horizonte do domínio de Deus por vir. Jesus,
com isso, provocou conflitos com autoridades religiosas e políticas do seu tempo. A
tradição deixa isso ficar claro, por exemplo no trato de Jesus com o mandamento de sábado
(Mc 2,23-28), na sua crítica na distinção entre ‘puro e impuro’ (Mc 7,1-23), na sua
recusa da praxe de divórcio (Mc 10,2-12), antes de tudo, porém, no seu anúncio do Reinado
próximo de Deus (Lc 6,20; 10,9). A morte de Jesus na cruz, seja quanto for o mal-entendido
e erro humano nela participando, jazia na conseqüência do seu anúncio e da sua vida.
3.4 A morte de Jesus não significa o fim; a fé cristã confessa e testemunha que o
Jesus crucificado não ficou na morte, mas que Deus o ressuscitou dos mortos. Do círculo
daqueles que seguiram a Jesus na Galiléia e em Jerusalém como nas suas discípulas e
discípulos, logo soava a confissão: Jesus ressurgiu dos mortos (Lc 24,34). Pronunciavam a
sua fé: Deus ressuscitou Jesus dos mortos (Rm 10,9), pondo assim o crucificado no direito;
com isso se provara que o Jesus terrestre possuíra uma plenipotência incomparável. O
Jesus ressuscitado é crido com bíblicos, judaicos títulos de alteza como o Senhor, como o
Messias, como o Cristo. A sua morte é entendida com a ajuda de categorias bíblicas,
"antigotestamentárias", como morrer vigário pelos pecados das pessoas (Rm 3,25),
como um morrer "segundo as Escrituras", como reza a confissão citada por Paulo
1Cor 15,3b. Os que crêem na ressuscitação de Jesus, levam essa mensagem para dentro do
seu povo de Israel.
3.4.1 Os primeiros "Cristãos" eram judeus; eram convencidos de que exatamente
o mesmo Deus, que criou o céu e a terra e conduz Israel através da história, agora agira
em Jesus Cristo e através deste. Esperavam a iminente chegada do ressurrecto a partir do
céu. Esperavam, ligado a isso, o juízo final e o início da nova criação. Entenderam,
então, a ressurreição de Jesus como o acontecimento escatológico. Na fé na
ressurreição de Jesus e na confiança da por eles experimentada presença do espírito (At
2), viam-se legitimados a andarem novos caminhos. Isso se mostra especialmente no círculo
ao redor de Estêvão, numa certa distância crítica referente à tradição religiosa
referida à Toráh e ao Templo de Jerusalém (At 6-7).
3.4.2 Os judeus que creram na ressuscitação de Jesus por Deus, consideravam-se
naturalmente como parte do povo de Israel. Simultaneamente porém, conceberam-se também,
semelhantemente como por exemplo a comunidade judaica que vivia no mesmo tempo em Qumran no
Mar Morto, uma como comunidade especial dentro de Israel. O agir de Deus no Jesus
crucificado era para eles o alvo da história de Deus. Isso era um pronunciamento de fé, o
qual representava para a maioria judaica um desafio.
3.4.3 Os Judeus que criam na ressuscitação de Jesus, entendiam-se, de modo especial,
como "comunidade, igreja", como ‘ekklesia’ (At 8,3).
3.4.3.1 A palavra ‘ekklesia’ pode designar tanto a comunidade isolada como
também a igreja como inteira, e ser traduzida respetivamente. Na tradução grega da
Bíblia hebraica, ‘ekklesia’ designa a comunidade religiosa de Israel. No grego
cotidiano, a palavra designa a reunião política da comuna; para perante esse entendimento
expressar o seu auto-entendimento especial, a Igreja falava, correspondente ao uso
lingüístico antigotestamentário, acentuadamente de si como da "comunidade de Deus"
(Gl 1,13 e muitas vezes, só em Rm 16,16 Paulo fala das "Igrejas de Cristo").
Na acentuada referência a Deus, expressa-se que a comunidade não se constitui por decisão
própria, mas sim que ela se deve a uma vocação por Deus.
3.4.3.2 A imagem duma comunidade como um "corpo", muito freqüentemente usada
na antigüidade, Paulo a transfere para a comunidade cristã (1Cor 12; cf. Rm 12,4-8). A
comunidade cristã desse corpo, no qual todos os membros, embora exerçam funções
diferentes, não deixam e ser de direito igual entre si, chega a ser por ele denominado num
lugar até como "corpo de Cristo" (1Cor 12,27). No estudo "A Igreja de Jesus
Cristo" se diz a isso (p. 24): "A imagem bíblica do corpo expressa como a
Igreja vive e em que ela tem estabilidade. Igreja é a comunidade de membros, cuja
unidade entre si baseia-se na unidade em Cristo (1Cor 12,12). A comunidade dos membros vive
em que todos, tendo os mesmos direitos, servem à construção da comunidade conforme a
diversidade dos dons conferidos por Deus (1Cor 12,12; Rm 12,4-8)." No discurso do corpo
de Cristo, é declarado que a comunidade é para ser entendida como aquela comunidade, na
qual o Cristo ressurgido e elevado está presente como Senhor que determina as realizações
vitais dos fiéis. Nas cartas aos colossenses e aos efésios, essa imagem continua sendo
desenvolvida para a idéia da Igreja como o corpo e Cristo como a cabeça deste corpo.
3.5 O auto-entendimento dos fiéis em Cristo judaicos de serem ‘Igreja de Deus’, não
os separava do povo de Israel. Os fiéis em Cristo eram e ficavam judeus. Viveram na
expectativa de que também os outros judeus chegariam a ser convencidos da verdade da
profissão de Cristo. Isso conduziu a conflitos entre judeus que criam na ressuscitação do
crucificado por Deus e outros judeus que ignoravam essa mensagem ou a recusavam. Estes, que
em todo o caso formavam a grande maioria, tentavam de vários modos silenciar os fiéis em
Cristo. Paulo diz sobre si mesmo que teria querido, como fariseu, levar o movimento de Jesus
ao fim à força, "destruir a Igreja" (Gl 1,13.14; cf. 1Cor 15,9). A volta desse
caminho da perseguição significa, para Paulo, ao mesmo tempo a sua vocação para o
anúncio do Evangelho.
3.6 Os judeus que criam na ressuscitação de Jesus, chegaram a reconhecer que a mensagem
de Cristo seria a ser pregada não só dentro do povo de Israel, mas sim, além disso, a ser
anunciada também aos povos, aos "pagãos". A narrativa da conversão e batismo do
centurião Cornélio pelo apóstolo Pedro (At 10) descreve plasticamente como a situação
da missão perde a distinção tradicional de ‘puro’ e ‘impuro’, perdendo, com isso,
a distinção de judeus e pagãos a sua importância central. O apóstolo Paulo, chamado por
Deus para anunciador do evangelho de Cristo entre os pagãos (Gl 1,15.16), justifica o
direito para a missão aos pagãos, não só com o seu encargo missionário especial (Gl
1,15-17), mas sim também com a declaração de que o Deus Único é "não só Deus dos
judeus, mas também Deus dos pagãos" (Rm 3,29; cf. Rm 15,8-11). Assim chegou-se a,
primeiro não incontestável de modo nenhum, decisão de que aqueles fiéis em Cristo vindo
de entre os povos não precisassem chegar a ser judeus, e de que então não tivessem de
assumir as obrigações da Toráh que determinavam a identidade do povo de Israel, antes de
tudo a circuncisão, para poderem pertencer à ‘Igreja de Deus’. Simultaneamente,
enfatiza-se nos Atos dos Apóstolos sempre, antes de tudo, que Paulo, na sua pregação de
missão, dirigia-se primeiro às pessoas nas sinagogas. A Igreja chegou a ser uma
comunidade, na qual pessoas do povo de Israel e pessoas de entre os povos deviam e podiam
viver umas com as outras. Eram ligadas pela fé em que Deus agira em Jesus de Nazaré e que
Deus é o agente atual em Jesus Cristo. Nisso, realiza-se no batismo que "judeus como
gregos, escravos e livres, homens e mulheres" são uma unidade em Cristo (Gl 3,28).
3.7 No último terço, o mais tarde, do 1º século da contagem cristã de tempo, o
número dos fiéis em Cristo de entre os povos ("cristãos pagãos") superou o
número dos fiéis em Cristo do povo de Israel; para os "cristãos judeus" chegou
a ser cada vez mais difícil guardar e viver o seu ser judeus, inclusive a obediência
referente aos mandamentos da Toráh. Começou um desenvolvimento, em cujo decurso os
cristãos judeus comprometidos com a Toráh, chegaram a ser cada vez mais empurrados à
margem. O entendimento, enfatizado antes de tudo por Paulo, de que a Igreja sempre é Igreja
de judeus e pagãos, caiu no esquecimento. Ao mesmo tempo, a Igreja via-se, na maioria, não
mais na continuidade nem com o Israel bíblico nem com o atual; começou antes entender-se
como substituição de Israel. Já na carta aos hebreus encontra-se a idéia de que a
"Primeira Aliança" com Israel seria para ser entendida uma como grandeza
"ultrapassada" pelo acontecimento de Cristo (Hb 8,6-13). No Evangelho de Mateus,
um acontecimento histórico, como a destruição de Jerusalém e seu Templo pelos romanos no
ano 70, é interpretado como o castigo de Deus pela desobediência dos judeus (Mt
21,43;22,7).
3.8 Simultaneamente, desenvolvia-se uma clara diferença entre judeus e cristãos no uso
das Sagradas Escrituras de Israel. A Igreja cristã, que, principalmente desde o tempo da
primeira guerra judaica-romana (66-70/73), muito preponderantemente existia fora da Judéia
e Galiléia, agarrava-se à versão grega dos textos bíblicos usada no Judaísmo da
diáspora ("Septuaginta" [‘Setenta’], em teor e em volume. Por outro lado, o
Judaísmo rabínico, chegando a ser normativo, decidia reconhecer somente os escritos
bíblicos conservados nas línguas hebraica e aramaica como obrigatórios, dos quais foram
feitas novas traduções gregas em seguida.
3.8.1 Em conseqüência disto, escritos como os livros Jesus Sirac [Eclesiástico] ou
Sabedoria de Salomão e obras históricas como os livros dos Macabeus chegaram a serem
pertencentes à Bíblia na Igreja cristã, mas não no Judaísmo. No Judaísmo rabínico
foi, ainda, continuado o desenvolvimento da idéia da "Toráh oral" confiada a
Moisés no Sinai, junto com a Toráh escrita.
3.8.2 Martinho Lutero segue na sua tradução da Bíblia, correspondente ao princípio
humanista de que se deva voltar "às fontes"(ad fontes), o texto
original hebraico do Antigo Testamento; Por isso, atribuiu aos escritos traduzidos somente
em grego um grau reduzido como "apócrifos", embora os mantivesse em todas as
edições da Bíblia. Com isso, não havia mais, também no lado cristão, a unidade do
cânon bíblico, porque a Igreja Romano-Católica perseverava na Vulgata.
Semelhante como no Novo Testamento, onde Lutero, em diferença à tradição, moveu três
cartas (Hebreus, Epístolas de Tiago e de Judas] para o fim antes do Apocalipse de João,
por razões teológicas, escolheu também no Antigo Testamento, por razões teológicas, uma
ordem dos livros divergente da ordem da Bíblia hebraica. Na Bíblia de Lutero finaliza o
Antigo Testamento com o livro dos doze profetas, logo com as promissões escatológicas do
livro Malaquias (Ml 3,23s.): "Eis, enviar-vos-ei o profeta Elia, antes de que então
vem o grande e terrível dia do Senhor. Este deve converter o coração dos pais às
crianças e o coração das crianças a seus pais, para que Eu não venha batendo o reino da
terra com a proscrição." A conseqüência teológica inteiramente pretendida é que
se junte imediatamente a essas promissões proféticas o início do Novo Testamento, com a
árvore genealógica de Jesus no primeiro capítulo do Evangelho de Mateus e com a
tradição de João Batista, este entendido como Elia. A coleção das Sagradas Escrituras
de Israel, por outro lado, finaliza, também teologicamente consciente, com os livros
Crônicas pertencentes aos ‘Escritos’, que terminam com o edito do rei persa, Ciro, que
possibilita aos israelitas detidos a volta a Jerusalém e a reconstrução do templo (2Cr
36,23): ‘Quem entre vós pertencer ao Seu povo, com este esteja o Senhor, seu Deus, e suba
para lá."
4 Ao desenvolvimento histórico da delimitação entre
Igreja e Israel
4.1 Os judeus que criam na ressuscitação de Jesus, e também os crentes em Cristo de
entre os povos, viam-se primeiro completamente como parte da história do povo de Deus,
Israel. Por isso, era para eles natural usar as sagradas escrituras reconhecidas pelo povo
de Israel como testemunho obrigatório de Deus. Nisso, liam – semelhante como outros
grupos judaicos contemporâneos – essas escrituras como relacionadas ao seu próprio grupo
e à sua própria fé. As escrituras lhes ajudavam a entenderem a experiência da Páscoa.
Os fiéis entenderam agora os pronunciamentos dessas escrituras como apontando a Cristo; e
viam-se a si mesmos como estando na continuidade da história de Deus, história esta que
essas escrituras testemunhavam.
Em conseqüência disto, o conceito bíblico ‘povo de Deus’, caraterístico para o
auto-entendimento de Israel, podia também ser entendido como válido para a comunidade dos
que criam na ressuscitação de Jesus; uma correspondente formulação explícita no Novo
Testamento encontra-se em dois lugares (1Pd 2,9.10; Tt 2,14; Rm 9,25). Ao mesmo tempo
significa isso que a primitiva Igreja começou agora a se ver como o próprio povo de Deus
sozinha. Nisso porém, os demais membros do povo de Israel ficavam convidados a crer na
ressuscitação de Jesus por Deus; pois essa fé era entendida como a participação
permanente na história inquebrada e ao mesmo tempo crida como renovada pela ação de Deus.
4.2 Todavia, a história da relação entre a Igreja e o povo de Israel chega, já cedo,
a ser uma história da delimitação. Pronunciamentos no Evangelho de João deixam suspeitar
que judeus que se confessassem a Jesus, foram excluídos da sinagoga (Jo 9,22; 16,2). Logo
porém, também por parte da Igreja essa delimitação foi movida adiante, até ao desdém,
finalmente até à inimizade aberta e ao ódio, mesmo se com isso, nos primeiros três
séculos, não era ligado uma ameaça física para os judeus.
Primeiros indícios para esse desenvolvimento encontram-se já nos pronunciamentos
antijudaicos de alguns escritos do novo Testamento (cf. 1Ts 2,14-16; Mt 21,33-44; 27,25; Jo
8,44s.). Nisso é para lembrar que pessoas como o apóstolo Paulo e os evangelistas Mateus e
João são judeus eles mesmos: Com a sua delimitação polêmica do Judaísmo que não crê
em Cristo, reivindicam para si a continuidade do contexto tradicional judaico, tentando a
contestar essa continuidade aos demais judeus; trata-se primeiro, então, dum conflito
judaico interno. No fundo, podemo-lo até qualificar como historicamente surpreendente que
tal polêmica antijudaica encontra-se só num âmbito bem limitado no Novo Testamento. Um
escrito agudamente polêmica em geral, como a carta de Barnabé redigida no século 2, que
todavia foi atribuída a um acompanhante do Paulo, não foi recolhida no Novo Testamento
pela Igreja.
4.3 Nos primeiros três séculos, o Judaísmo rabínico quase não se ocupava da Igreja e
da Cristandade, ao passo que, no lado cristão, ao lado dum esforço angariador por judeus,
havia também polêmica agudíssima contra eles. De um lado, foram redigidos numerosos
escritos cristãos "Contra os Judeus", de outro porém, diminuiu, na parte da
Igreja, consideravelmente o interesse de tomar em consideração de algum modo o Judaísmo
atual como uma grandeza historicamente existente e teologicamente importante.
4.3.1 Quando, no decorrer do século 4, as perseguições estaduais aos cristãos no
Império Romano terminaram e o Cristianismo foi primeiro reconhecido e, a seguir, chegou a
ser religião do estado, ligaram-se interesses dos imperadores romanos e juízos teológicos
da Igreja para uma aliança, que era amplamente sinistra para os judeus. Na coleção de
leis romana do Código Teodosiano do ano 438, foram, pela primeira vez, especiais
obrigações impostas aos judeus. Os seus direitos cívicos foram reduzidos, e foram
excluídos de ofícios públicos. Doutro lado, diferente aos "pagãos" e aos
heréticos cristãos, os judeus ficavam com o direito de permanecer no Império Romano.
4.3.2 Nos séculos seguintes, havia na Europa longas fases dum um-com-o-outro pacífico
de cristãos e judeus. Reinantes europeus puseram judeus sob a sua proteção, não por
último por causa de interesses econômicos e políticos, concederam-lhes liberdade de
comércio e negócio, acesso ao serviço de corte e direito civil. Nasceram muitas
comunidades judaicas. Em Mainz [Mogúncia], Troyes e Worms, escolas do Talmude chegaram a
ser centros de cultura e ciência judaicas. Uma cesura profunda representou a primeira
cruzada de 1096; no contexto desta foram, numa extensão até então desconhecida, judeus
assassinados e sinagogas destruídas. Simultaneamente, voltava-se acentuadamente a idéias
teológicas, segundo as quais a existência de judeus serviria para por diante os olhos da
comunidade cristã juízo e abjeção. Nasceu a idéia de que seria correto os judeus, de um
lado, rebaixar nos direitos, de outro porém proteger a sua vida, para que, através da sua
existência miserável, as conseqüências da abjeção divina pudessem ser evidenciadas aos
cristãos tão drasticamente como possível.
4.3.3 No tempo das cruzadas, a existência física dos judeus na Europa chegou a ser
progressivamente ameaçada. As restrições – proibições de profissão, guetoização,
proibição de propriedade de terra, prescrições de vestir discriminadoras – chegaram a
ser cada vez mais drásticas. A agressividade das repreensões religiosamente motivadas
aumentava; judeus foram acusados de assassínio ritual e de profanação de Hóstias. No
tempo da inquisição chegou a haver execuções em massa de judeus batizados a força que
mantiveram os seus costumes.
Pelo fim da Idade Média, os judeus foram expulsos da maioria dos países e cidades da
Europa oriental e central. Interesses econômicos, especialmente das corporações
robustecidas, e ódio religioso, atiçado especialmente pelos pregadores das ordens
mendicantes, formaram o pano de fundo para isso.
4.3.4 Em soma, havia no relacionamento entre cristãos e judeus na Idade Média grandes
ambivalências: fases de tolerância e de coexistência estão defronte daquelas de
inimizade, exclusão e perseguição. Seria, portanto, errado ver toda a Idade Média
cristã uma como época exclusivamente determinada por inimizade aos judeus religiosamente
cunhada ou até "teologicamente" motivada. Em parte, a luta da Igreja oficial
contra os judeus correspondia à luta também contra os "movimentos de heréticos"
cristãos internos.; havia também papas e doutores da teologia que se voltavam ao Judaísmo
interessados, tentando a obter até formas de diálogo. Isso, porém, não levou a um
entendimento positivo teologicamente refletido do Judaísmo.
4.4 A atitude dos reformadores referente ao Judaísmo reflete o espetro das
possibilidades diversas que, como praxe social e eclesial já houvera em fins da Idade
Média.
4.4.1 Martinho Lutero, cujos sermões e escritos continuamente contêm formas de
expressão de inimizade aos judeus contemporânea, redigiu em 1523 a escrita de "Daß
Jesus Christus ein geborener Jude sei" (‘Que Jesus Cristo seria um judeu nascido’),
na qual encontra os judeus com relativa franqueza. Como considerava a Igreja papal como
completamente inadequada para proporcionar aos judeus a fé cristã, era repleto da
esperança que chegassem agora a serem ganhados para o Evangelho que agora chegou à luz
através da Reformação. Na fase inicial da Reformação houve, no séquito de Lutero, até
começos para um colóquio cristão-judaico, junto com um esforço, na maior parte
literário, pela missão aos judeus. Muito isoladamente, chegou a haver conversões de
judeus ao Cristianismo reformatório. Simultaneamente, a remissão à Bíblia na teologia de
Lutero contribuía para que fosse designado como simpatizante do Judaísmo; falava-se dele
como o "pai dos judeus".
Quando, porém, evidenciou-se para Lutero que a suas esperanças duma ampla
"conversão" de judeus a Cristo foram vãs, quando brotavam correntes quiliastas e
antitrinitárias e apareceram tendências de celebrar o sábado em vez do domingo, Lutero
temia o "Irrweg" (caminho errado) dum "novo Judaísmo", e mudou da sua
atitude: Estivesse, inicialmente ainda disposto a tolerar os judeus em vista duma possível
conversão deles, via neles agora só um perigo social, político e religioso (usura,
espionagem para turcos, fazer prosélitos), e dissuadia da tolerância ulterior deles. Na
sua primeira escrita antijudaica "Wider die Sabbater" [Contra os Sabáticos]
(1538), voltou-se contra a pretensa cegueira, mentira e blasfêmia dos judeus. Na escrita
"Von den Juden und ihren Lügen" [Dos judeus e das suas mentiras], redigida no ano
de 1543, distingue-se uma inimizade radical e apocalipticamente fundada referente aos
judeus: Exige incendiar sinagogas e escolas como "lugares da blasfêmia", destruir
casas de judeus e queimar os livros e também proibir aos rabinos ensinarem; além disso,
deveria também ser suspenso o salvo-conduto nas ruas, proibida a "usura" e o ouro
e a prata tirados dos judeus. A idéia duma missão aos judeus, Lutero a rejeitou agora como
inútil.
4.4.1.1. Em alguns teólogos reformatórios, a atitude de Lutero encontrou recusa. O
reformador Andreas Osiander distanciou-se numa carta ao erudito judaico Elias Levita da
polêmica de Lutero, porque seria imprópria. Heinrich Bullinger, sucessor de Zwingli em
Zurique, viu nas escritas judaicas de Lutero reascender o zelo inquisitório da Idade
Média. Simultaneamente usaria vocabulário antijudaico e advertiria pelo acolhimento dos
judeus na Suíça.
4.4.2 Também Johannes Calvin fala de judeus como fanfarrões, mentirosos e
falsificadores da Escritura e os chamou e avarentos. Como preponderantemente atuava em
regiões em que, desde alguns decênios, só poucos judeus viviam ainda, não considerou o
relacionamento ao Judaísmo uma como questão da primeira necessidade. Todavia disputou,
segundo o próprio testemunho, várias vezes com judeus, tomando também conhecimento, para
a interpretação do Antigo Testamento, de numerosos comentários judaicos. Como recusou a
suposição de que todos os pronunciamentos antigotestamentários estariam para serem
interpretados somente para Cristo, foi denominado de "Calvinus Judaizans" [Calvino
Judaizante]. Numa escrita redigida pelo ano de 1555, arranjou-se intensivamente com os
argumentos de disputação judaicos. Calvin descreve a ‘Antiga Aliança’ concedida ao
povo de Israel freqüentemente como quase idêntica com a ‘Nova Aliança’ concedida a
todos os homens em Cristo; diferenças entre as duas seriam antes graduais, não
fundamentais. A nova aliança não anula a antiga aliança, mas sim ambas são a mesma
aliança de graça em duas diferentes distribuições (Institutio II, 10.2). Como também
"a infidelidade dos homens" a aliança de Deus "não" pudesse fazer
"vacilar", "os judeus, como primogênitos da família de Deus" ocupariam
"o primeiro lugar", mas poderiam, da perspectiva da profissão de Cristo, somente
ser considerados com "apóstatas". Assim, também Calvin fala de que a Igreja
"tomou o lugar dos judeus", sendo o Judaísmo propriamente uma grandeza do
passado. Antes de tudo nas suas pregações posteriores, a atitude de Calvin referente ao
Judaísmo está caraterizada por recusa e polêmica. Porque os judeus recusaram a salvação
em Cristo, estariam cegados de cegueira e perdição. Mas simultaneamente falou também que
haveria no povo judaico um resto de escolhidos, por causa dos quais não se deveria
desprezar ou até maltratar os judeus.
4.4.3 Só poucos adeptos da Reformação tomavam uma atitude consequentemente amigável
aos judeus. A esses pertencem o Reformador de Estrasburgo Wolfgang Capito e o professor de
teologia de Basiléia, Martin Borrhaus. Criam numa conversão de todo o Israel no fim dos
tempos, exigindo dos cristãos uma relação amigável com os judeus. O humanista cristão
Sebastian Castillio, igualmente vivendo em Basiléia, até exigia já tolerância
expressamente religiosa.
4.4.4 Em geral, é preciso dizer que a Reforma confirmava, por toda a parte, as
expulsões dos judeus do fim da Idade Média ou até levou a novas expulsões. Só raras
vezes, p. ex. em Francoforte sobre o Meno e em Fürth, viviam ainda judeus em territórios
protestantes da Alemanha. Autoridades católicas eram no século 16, ainda que por
interesses preponderantemente econômicos, mais tolerantes. Um centro importante da vida
judaica chegaram a ser os Países Baixos reformados, e para novos centros desenvolveram-se a
Praga católica e a Polônia católica.
4.5 Na época confessional no fim do século 16 e no século 17 havia, entre os teólogos
protestantes, esporadicamente um interesse científico no Judaísmo. Na ortodoxia luterana
discutia-se controversamente sobre a questão de se autoridades cristãs poderiam tolerar
judeus e se uma grande conversão escatológica dos judeus estaria para esperar.
Preponderava uma posição básica distanciada, remetendo-se às escritas de Lutero hostis
aos judeus. Esporadicamente, exigia-se que judeus devessem ser forçados a atender serviços
religiosos de pregação evangélicos. Batismos de judeus eram acontecimentos raros, não
havendo esforços missionários organizados.
4.5.1 Diferente como na Alemanha, nos Países Baixos e na Inglaterra nasceram fortes
correntes filosemíticas. Uma conseqüência era que, sob Oliver Cromwell, a recolonizão na
Inglaterra foi permitida aos judeus. Nos Países Baixos realizavam-se, numa atmosfera livre,
colóquios religiosos cristãos-judaicos; a teologia federal reformada animava uma nova
visão teológica positiva de Israel.
4.5.2 No pietismo exigiu-se muitas vezes, também em referência ao jovem Lutero, um
trato amigável dos judeus. Os cristãos deveriam dar um exemplo positivo aos judeus,
estimulando-os assim para a conversão. Essa atitude radicava-se na escatologia pietista,
esta que contava, em geral, com uma grande conversão escatológica dos judeus. Partindo de
Halle e Herrnhut, começava-se com uma ativa missão aos judeus. Esse esforço missionário
levou a que cristãos se interessassem mais que antes para os judeus, aprendessem a sua
língua e se ocupassem dos seus costumes religiosos e das suas circunstâncias de vida; isso
contribuía para a redução de preconceitos.
Apesar desse zelo missionário cristão recém-nascido, judeus que quisessem tornar-se
cristãos, não podiam incondicionalmente contar com ser aceitos, ensinados e batizados
pelas Igrejas dos Países. Muitos candidatos ao batismo judaicos foram recusados; judeus
batizados não foram, em regra, integrados na sociedade cristã, mas tinham muitas vezes de
ir como mendigos de um lugar a outro, sendo marcados com a sua origem do Judaísmo por toda
a vida. Na universidade de Halle, pietistas e iluministas intervieram com pareceres pela
tolerância das minorias judaicas, combatendo os preconceitos antijudaicos. O pietismo
radical mostrava até uma expressa amabilidade pelos judeus, a disposição à tolerância e
um interesse especial na doutrina e vida judaicas. Na Landgrafenschaft (condado) de
Hesse-Darmstadt, judeus foram aceitos para o estudo universitário em Gießen e a
construção de sinagogas aprovada; em Hesse-Kassel, rabinos foram nomeados no ensino
universitário no início do século 18.
4.5.3 O impulso para a emancipação dos judeus, porém, não partiu de círculos
eclesiais, mas sim do Iluminismo anti-eclesial; fundamental era nisso a Revolução Francesa
de 1789. Na Alemanha, os teólogos e Igrejas reformatórios opuseram-se preponderantemente
à emancipação dos judeus no século 19. Mesmo teólogos racionalistas e liberais
raramente os defendiam, desprezando o Judaísmo do seu tempo por causa da sua religiosidade
pretensamente presa ao externo-cerimonial. Um interesse mais amigável nos judeus tinham, na
tradição do pietismo, muitos membros dos Erweckungsbewegungen (movimentos de despertar);
esse, no entanto, juntava-se com um forte ímpeto missionário, este em que logo
compartilhavam também os círculos confessionalistas. Conforme um modelo londrino,
numerosas sociedades de missão aos judeus foram fundadas. Esporadicamente, membros das
Erweckungbewegungen tornaram-se aliados do Sionismo e pioneiros da colonização sionista da
Palestina.
A teologia protestante foi desafiada, no século 19 na Alemanha, pela primeira vez por
uma teologia judaica moderna recém-nascendo. Esporadicamente, chegou-se a encontros
judaicos-cristãos, e até a formas de corporação: Párocos protestantes assistiram a
serviços religiosos judaicos; em 1837 saiu, por pouco tempo, uma "Kirchenzeitung"
(jornal eclesial), editada em conjunto por protestantes, católicos e judeus.
Pelo fim do século 19 porém, desenvolveu-se a seguir, em círculos confessionalistas e
sociais-cristaos, uma nova forma de inimizade aos judeus, ligada ao anti-semitismo racista
que entrementes tinha nascido.
4.6 Com o início do século 20, nasceu, tanto em partes do Judaísmo alemão, como em
Franz Rosenzweig e Leo Baeck, como também no lado cristão, novamente um interesse
teológico de se perceber mutuamente. Joseph Klausner escreveu a primeira grande exposição
judaica da vida de Jesus. O filósofo religioso Martin Buber conduziu, nos anos de 1928-1933
no Lehrhaus (Casa de Ensino) em Stuttgart, colóquios com filósofos não-judaicos e com
teólogos cristãos. Na Grã-Bretanha, o erudito judaico Claude Montefiore ocupou-se
intensivamente com o Novo Testamento, escrevendo comentários a escritas neotestamentárias.
4.7 A entrada na posse de poder dos nacionalsocialistas e o começo imediato da
discriminação e perseguição dos judeus – porém não religiosas mas
"racialmente" motivadas, mas em substância passivamente suportadas pelas Igrejas
cristãs e até apoiadas em parte pelos "Cristãos Alemães" – aniquilavam tais
iniciativas todas na Alemanha. Alguns teólogos até mostravam uma proximidade pronunciada
à ideologia nacionalsocialista; esforçaram-se a alicerçar a inimizade aos judeus e o
anti-semitismo "cientificamente’. A questão e se o "parágrafo dos
arianos", que excluiu os judeus de todos os ofícios, devia também receber validade na
Igreja, foi discutida controversamente no verão de 1933 e diferentemente respondida em
pareceres teológicos; nasceu uma Bekennende Kirche (Igreja Professante), a qual se opôs à
"Gleichschaltung" (coordenação) aspirada pelos nacionalsocialistas. Uma
ocupação intensiva com a tradição e o presente judaicos, porém, raramente havia.
4.8 Depois da Segunda Guerra Mundial chegou a haver abusos antijudaicos em alguns países
europeus, e até hoje há em muitos países um anti-semitismo aberto ou velado que
continuamente recrudesce. Na fundação do Conselho Mundial das Igrejas no ano de 1948 em
Amsterdã, foi votada uma declaração contra o racismo, dando nisso também uma recusa a
todas as formas do anti-semitismo. Desde os anos de 60, cresce em teologia e Igreja pouco a
pouco a disposição de buscar o colóquio com os judeus. Nisso respeita-se que, dentro do
Judaísmo, haja uma reserva considerável ou também recusa de tais colóquios. A teologia
cristã esforça-se progressivamente a opor-se claramente a todas as formas do
anti-semitismo, compreendendo ao mesmo tempo a reflexão sobre a relação da Igreja com o
povo de Israel uma como tarefa teológica.
4.9 A remessa à história da Igreja e especialmente também à história da teologia
cristã mostra que há déficits fundamentais na reflexão teológica sobre o Judaísmo e
sobre a relação especial entre a Igreja e Israel. Também faltas na doutrina eclesial –
no âmbito do entendimento da Escritura, da teodicéia, mas também da cristologia –
contribuíram essencialmente para que em muitas Igrejas reformatórias não havia
resistência eficiente em frente dos crimes do Nacionalsocialismo. Em vista dessas
experiências haverá, salvo a responsabilidade alemã especial, para todas as Igrejas a
necessidade duma nova determinação dogmaticamente refletida da sua relação com Israel.
Parte II
A Igreja e Israel
1 Tentativas teológicas dum esclarecimento da relação
entre a Igreja e Israel
No contexto do colóquio cristão-judaico depois de 1945 havia, na teologia cristã,
diversas tentativas de determinar a relação entre a Igreja e Israel apropriadamente.
Alguns modelos teológicos de pensar que chegaram a ser especialmente eficazes, sejam
apresentados a seguir e então, num segundo passo, interrogados cada um criticamente.
Nisso partimos do conhecimento de que Israel é um assunto inevitável e permanente da
autoreflexão teológica e do auto-entendimento da Cristandade. Além disso, é orientadora
a compreensão de que idéia de que Israel como povo de Deus seria substituído pela Igreja,
é radicalmente imprópria. Isso não só pela razão por que Israel, na base da sua certeza
de fé e verdade, considera-se inalteradamente como povo de Deus, mas antes de tudo pela
razão por que a própria fé cristã entende o acontecimento de Cristo e a escolha da
Igreja, não como o caducar das promissões de Deus a Israel, mas sim como a prova da Sua
fidelidade a essas. Todos os começos apresentados a seguir, portanto, supõem com toda a
razão que a teoria da "deserdação" de Israel, respetivamente da
"substituição" de Israel pela Igreja, é falsa.
1.1 - A idéia dos "dois caminhos"
1.1.1Numa muito primitiva – que se faz sentir ainda hoje – fase do colóquio
cristão-judaico depois de 1945, foi formulada a idéia de dois caminhos de salvação que
decorrem um ao lado do outro. Ambos os caminhos têm o seu ponto comum de referência no
Deus Único de Abraão, Isaac e Jacó; para Israel é o caminho a esse Deus a Toráh, para
os povos é Cristo.
1.1.2 A fala dos "dois caminhos" quer enfatizar que o caminho de Israel com
Deus não deve ser desvalorizado referente ao caminho cristão.
A fé cristã, no entanto, não pode, em vista à revelação de Deus e em vista da
vontade salvífica de Deus, simplesmente falar dum um-ao-lao-do-outro disjunto de dois
caminhos. Ela deve, antes, lançar o olhar à importância de Jesus Cristo para ambos, os
judeus e as pessoas de entre os ‘povos’; nisso precisa, porém, tomar em consideração
que essa importância expõe-se diferentemente já no Novo Testamento e, doutro modo,
também no presente, contanto que judeus já conhecem o Deus vivo, ao passo que às pessoas
do mundo os povos Ele precisa ser feito conhecido (1Ts 1,9s.). A teoria dos "dois
caminhos" também não repara que a Cristandade tinha o seu ponto de partida dentro do
Judaísmo, provindo deste. Havia, a partir de todo o começo, judeus que professavam Jesus
de Nazaré como Messias/Cristo, e há tais também hoje.
1.2 - A idéia da "aliança não-denunciada" e a aceitação para dentro da
Aliança Única
1.2.1 A fala da "aliança não-denunciada", travando a Martin Buber, era, no
Dia Eclesial Evangélico em Berlim no ano de 1961, o assunto do grêmio de trabalho
"judeus e cristãos" aí fundado. Da aliança não-denunciada falam, de modos
diferentes, numerosas declarações sinodais de Igrejas dos países alemães e agora também
várias constituições eclesiais. Nas guias da Aliança Reformada despachadas no ano de
1990, "Nós e os judeus – Israel e a Igreja" reza-se na guia II: "Deus não
denunciou a Sua aliança com Israel. Começamos a conhecer: Em Cristo Jesus somos, pessoas
do mundo dos povos – segundo a nossa origem longe de Deus - apreciados e chamados para a
participação na escolha - primeiro adjudicada a Israel - e para a comunidade na aliança
de Deus." Com isso, pretende-se expressar o conhecimento de que a ‘Nova Aliança’
(1Cor 11,25; Hb 9,15; 12,24) não é uma segunda aliança, mas sim a nova aliança prometida
em Jr 31 e, com isso, uma confirmação de um – dando para além a aliança com Israel –
desdobramento da aliança feita por Deus com Israel.
1.2.2 A idéia da única, não-denunciada aliança enfatiza que a comunidade dos que
crêem em Cristo se deve à ação de Deus de escolher, esta que começou com a escolha de
Israel. Deus dá às pessoas do mundo dos povos que nEle confiam, participação na sua
salvação; isso a Igreja não pode expressar senão agradecida e louvando a Deus.
A tese da aliança não-denunciada, porém, deixa em aberto o como a relação de Israel
como povo de Deus com a Igreja como povo de Deus será no pensar teológico. De um lado é
insuficiente, se a Igreja for vista como exclusivamente "Igreja "de entre o mundo
dos povos". De outro, o caráter da renovação da aliança, prometida em Jr 31 e crida
como acontecida em Cristo, fica indeterminado. O ponto de partida de pensar entendendo a
palavra "nova" na fala da ‘Nova Aliança’ somente no sentido de
"renovada", não faz justiça à recepção e interpretação de Jr 31 no Novo
Testamento (cf. as palavras da ceia em Paulo e no Evangelho de Lucas, mais Hb 8). Uma
resposta suficiente à pergunta pela relação da ‘nova aliança’ com a ‘velha
aliança’ não é dada aqui.
1.3 - A recepção da idéia da "peregrinação dos povos ao Sião"
1.3.1 Referindo-se à expectativa da peregrinação escatológica dos povos ao Sião,
remete-se para que judeus e cristãos partilham duma tradição comum de promissão e
esperança. A partir daí, tenta-se determinar melhor a relação entre Israel e os povos e,
com isso, também a relação do povo de Deus Israel com a Igreja como povo de Deus. A
Igreja está recebida para dentro da história de promissão de Israel, sendo isso entendido
como começo do cumprimento daquela esperança profética.
1.3.2 Com esse princípio de pensar, faz-se a ligação a um pronunciamento fundamental
de esperança de Israel. As prioridades de Israel, designadas também pelo Novo Testamento
(Rm 9,4s.) permanecem reconhecidas, os povos são entendidos como "co-herdeiros da
promissão".
Também aqui entra na visão da idéia de que a Igreja se deve à ação escolhedora de
Deus, e de que se vê, ao lado de Israel, no caminho a um fim comum. O perigo, também deste
princípio de pensar, consiste em que a Igreja possa ser definida uma como exclusivamente
"pagã". Inexplicado permanece além disso, como a relação da em Cristo
escolhida "Igreja dos povos" deva ser determinada referente às instruções da
Toráh. A expectativa profética da peregrinação de todos os povos ao Sião, inclui
explicitamente a idéia de que, no fim dos tempos, a Toráh será reconhecida por todos os
povos como a instrução válida de Deus (Mq 4,2; Is 2,3s.); isso levanta, não por último,
questões a respeito do entendimento de pronunciamentos paulinos referente à validade da
Toráh para os que crêem em Cristo (cf. Rm 10,4).
1.4 - A idéia do Único Povo de Deus de Israel e da Igreja
1.4.1 Empreendeu-se a tentativa de, partindo do singular específico ‘povo de Deus’,
falar duma diferenciação interna do entendimento de povo-de-Deus. Com isso pretende-se
manter juntas duas coisas: A soberania do Deus escolhedor e compadecedor que tudo conduzirá
ao seu termo e será no fim "tudo em tudo" (1Cor 15,28), e a experiência da
separação entre o povo original de Deus Israel e a Igreja nascida no meio deste, a qual se
vê – por radicar na mesma escolha – igualmente como povo de Deus.
1.4.2 Esse modelo de pensar reporta-se essencialmente a Rm 9-11. Recolhe a dor que Paulo
sente e expressa sobre a recusa da mensagem de Cristo pelos ‘israelitas’ (9,1-5;
10,1-4), recolhendo a certeza de Paulo de que a presente "obstinação" dos não
crentes em Cristo, não significa a rejeição definitiva deles (Rm 11,23).
Nisso, porém, ameaça o perigo de que a importância do acontecimento de Cristo chegue a
ser reduzida; a relação de Cristo a Israel fica aberta, ou seja que se insinua a idéia de
que o acontecimento de Cristo tenha importância de salvação somente para as pessoas de
entre os povos, mas não para Israel. Um pedido semelhante de informação vale referente à
fala do "povo de Deus partido" abrangendo Israel e a Igreja. Ambos os princípios
de pensar não correspondem a toda a extensão dos pronunciamentos que Paulo faz em Rm
9-11).
1.5 - Resultado
Os esforços diversos pelo esclarecimento da relação de Igreja e Israel, especialmente
em consideração da questão pela ‘aliança’ e em consideração da fala do ‘povo de
Deus’, são estágios dum caminho de pensar teológico ainda não concluído. Enriqueceram
a igreja, sua teologia e a sua espiritualidade. Deram impulsos par um diálogo interno das
Igrejas, encorajando pessoas a refletirem sobre uma visão de Israel positiva.
A Igreja, portanto, continuará neste caminho, continuando a procurar possibilidades de
como possa definir e entender a sua identidade referente a Israel. Nisso, cada resposta
precisa-se deixar medir no se ela faz justiça, de um lado aos pronunciamentos,
testemunhados nas Sagradas Escrituras do Antigo e Novo Testamentos, sobre a escolha de
Israel por Deus e a escolha da Igreja em Jesus Cristo, e, de outro lado, se leva a sério o
caminho especial de Deus com o seu povo de Israel.
2 Israel e a Igreja na doutrina cristã
A auto-revelação do Deus de Israel em Jesus Cristo e a certeza da fé criada pelo
Espírito Santo é base e objeto da profissão cristã. Disso resulta, para a Igreja, a
necessidade de definir teologicamente a sua relação com Israel.
Na doutrina cristã, desdobra-se o conteúdo da revelação de Cristo. Esta mesma livra a
vista para a origem de fé e Igreja no agir escolhedor de Deus, agir esse que começa com a
escolha de Israel. Como esse agir de Deus estabelece a ligação indissolúvel da Igreja com
a escolha de Israel, essa ligação precisa ser um assunto geral da doutrina cristã.
Isso pretende-se mostrar na parte seguinte do estudo: Correspondente à fé cristã,
considera-se primeiro o entendimento da revelação do Deus de Israel em Jesus Cristo (2.1).
A profissão para a verdade dessa revelação leva à questão pela interpretação cristã
das Sagradas Escrituras de Israel (2.2) e à questão da compreensão de Deus cristã (2.3).
Juntam-se reflexões referente à compreensão cristã do agir eletivo de Deus (2.4) e
referente à compreensão cristã da Igreja como "povo de Deus" (2.5).
2.1 - A revelação do Deus de Israel em Jesus Cristo
2.1.1 A fé cristã entende a revelação de Cristo como o ato decisivo no agir eletivo
de Deus (Gl 4,4; Hb 1,1-4). Os cristãos crêem e testemunham que o acontecimento de Cristo
representa o agir revelador de Deus como de valor último; por isso, percebem-no como o
"acontecimento escatológico" (cf. 2Cor 6,2): Professam que Deus, o criador, está
eficaz e poderosamente presente no mundo no Espírito Santo. Este cria, pelo anúncio do
Evangelho. pela pregação e pela celebração dos sacramentos a salvação da comunhão com
Cristo, e assim com o criador e todas as criaturas. Os cristãos esperam a parusia como
vinda de Cristo como juiz do mundo, a qual conclui toda a história.
2.1.2 A fé na revelação de Deus em Cristo orienta-se por um acontecimento histórico:
Na experiência de Páscoa o crucificado chega a ser visível como o ressurrecto (1Cor
15,5-8; Lc 24,34), como o elevado a Deus (Fl 2,9). Os crentes são tomados pela verdade de
que, nesse Cristo Jesus, o reinado de Deus já determina o presente (1 Cor 15,25-28; cf.
2Cor 4,6).
À luz dos acontecimentos pascais, a fé conhece que o testemunho de vida de Cristo,
completado na cruz, é o cumprimento da expectativa central de Israel: Deus vem ao seu
domínio. A revelação de Deus em Cristo, portanto, pressupõe o precedente acontecimento
de revelação, confirma-o, aprofunda-o e o amplia.
2.1.3 A "Nova Aliança", estabelecida por Deus no acontecimento de Cristo (1Cor
11,25), está em conexo com as conclusões de alianças testemunhadas nas Sagradas
Escrituras de Israel; é crida pelos cristãos como o definitivo, não sobrepujável agir de
Deus pelo seu povo de Israel e pelas pessoas do mundo dos povos. Assim, a fé na
auto-revelação de Deus no acontecimento de Cristo significa a confirmação e
corroboração das precedentes revelações de Deus: Inalterado na validade está o agir
escolhedor de Deus, através do qual o povo de Israel é constituído e conservado, e pelo
qual lhe é destinado o seu papel no mundo dos povos e para este, a aliança com Abraão (Gn
15,7-18; 17,1-16) e a aliança com Israel concluída no Sinai (Ex 24,1-11; 34,1-28).
A confirmação da aliança significa, segundo o entendimento cristão, ao mesmo tempo a
sua renovação, que a aprofunda e amplia. Acolhendo, o conhecimento antigotestamentário de
que Deus mesmo cria a justiça (cf. Gn 15,6), a aliança é aprofundada no sentido de
que Deus cria a justiça que vale perante Ele, reconciliando Ele mesmo os pecadores consigo
em Cristo (2Cor 5,19.21). A aliança é, com a sua renovação, ampliada no sentido
de que a renovada aliança está aberta "a todos que nela crêem, aos judeus primeiro,
e igualmente aos gregos" (Rm 1,16).
2.1.4 A profissão "Deus estava em Cristo, conciliando o mundo consigo" inclui
a profissão à pessoa de Jesus como do "Cristo", como do "filho de
Deus" e como a incarnação da palavra criadora de Deus (Jo 1,14).
Esse conteúdo da fé em Jesus é tratado na profissão: Jesus é "verdadeiramente
Deus e verdadeiramente homem" (vere Deus – vere homo). Essa profissão segura
o conteúdo da fé da incarnação somente se o "chegado a ser verdadeiramente
homem" incluir imediata e imperdivelmente o "verdadeiramente judeu". Não
qualquer, mas exatamente este homem – judeu de nascimento, membro do povo de Israel,
descendente da estirpe de Davi – foi revelado na Páscoa como o Cristo, como o Filho de
Deus. Fazendo visível Jesus como a testemunha da vinda do Reinado de Deus aos judeus,
testemunha a Sua definitiva auto-ligação a Israel.
2.1.5 A incarnação do Filho de Deus preexistente numa pessoa do povo de Israel, é
expressão da auto-ligação de Deus a Israel. Ela não pode, portanto, não ser avaliada,
pela fé cristã, como só historicamente acidental; pois a história que leva à
auto-revelação de Deus em Cristo, é a história de Deus com Israel, não com outro povo
nenhum.
2.1.6 Por isso vale: A relação especial da Igreja com Israel, criada pelo acontecimento
de Cristo, é indissolúvel, porque a escolha de Israel é da própria história do Único
Deus que se revelou em Cristo.
Mas então vale também que a escolha de Israel como povo de Deus, também sob a
perspectiva da fé em Cristo, não pertence ao passado, não podendo, portanto, ser
entendido como inválida ou ultrapassada. Precisamos dizer com Paulo que as promissões para
Israel foram, pelo acontecimento de Cristo, confirmadas (2Cor 1,20) e ao mesmo tempo
aprofundadas e ampliadas (Gl 3,6-18).
2.1.6.1 Significa isso que o agir escolhedor de Deus no seu povo de Israel continua
valendo, embora Israel não aceite o testemunho da revelação em Cristo? Como, então, essa
continuação de validade deve ser entendido? A resposta a essa pergunta é de importância
decisiva para a fala cristã de Deus, porque se trata aqui da questão de se Deus permanece
fiel a si mesmo.
2.1.6.2 A promissão profética espera que Deus vai "criar um novo céu e uma nova
terra" (Is 65,17). Essa promissão profética está acolhida e confirmada em 2Pd 3,13:
"Aguardamos por um novo céu e uma nova terra segundo a Sua promissão, nos
quais habita justiça." O vidente da Revelação de João liga essa visão do mundo
novo, igualmente como o profeta em Is 65,17-25, com a visão da Nova Jerusalém; acrescenta,
porém, que nessa cidade não haverá templo, "pois o Senhor, o Deus todo-poderoso é o
seu templo, e o "cordeiro" (Ap 21,22). Os cristãos aguardam então, como os
judeus, pelo cumprimento da promissão profética do futuro de Deus e por seu mundo futuro.
Entendem, porém, o cumprimento assim que nele a salvação, iniciada em Cristo, será
completada.
2.1.7 Fica claro portanto: A revelação de Deus em Cristo leva a fé cristã a
perseverar no testemunho de revelação e verdade fixado nas sagradas escrituras do
Judaísmo, lendo, entendendo e interpretando essas escrituras à luz de revelação em
Cristo. Logo é a própria revelação de Cristo que motiva o entendimento especificamente
cristão das Sagradas Escrituras de Israel (2.2) e o entendimento cristão de Deus
resultando delas (2.3).
2.2 - O entendimento cristão das Sagradas Escrituras de Israel
2.2.1 A Igreja lê e entende as Sagradas Escrituras de Israel, o Antigo Testamento
cristão, à luz da revelação de Cristo. Ao mesmo tempo, a Igreja lê e entende o
testemunho de Cristo à luz do seu Antigo Testamento.
2.2.2 Pelo fato de que as Sagradas Escrituras de Israel, como "Antigo
Testamento", fazem parte do cânon de duas partes da Bíblia cristã, a Igreja está
sendo sempre lembrada da sua referência a Israel. As escritas antigotestamentárias possuem
no serviço religioso, mas também na piedade pessoal dos cristãos individuais, uma grande
importância. Cada trato cristão dos textos antigotestamentários, especialmente também
cada homilia, porém, deve observar que as mesmas escritas possuem autoridade também no
Judaísmo.
2.2.3 Da continuidade, cheia de tensões, do único agir de Deus em Israel e na Igreja,
resulta para a Igreja um determinado trato da tradição bíblica antigo- e
neotestamentária. Segundo o entendimento cristão das Sagradas Escrituras de Israel, aponta
na nelas expressa promissão ao acontecimento de Cristo, logo à cruz e à ressurreição de
Jesus de Nazaré como do Cristo e à sua vinda como juiz e salvador no fim dos tempos. Ao
lado desse entendimento cristão das Sagradas Escrituras e anterior a este há, porém, o
modo de ler judaico, o qual, no Tanak (Toráh, profetas e ‘Escritos’) exatamente
não vê o "Antigo" (ou "Primeiro") Testamento, mas sim uma Sagrada
Escritura em si concluída. Não é para perguntar qual esses dois modos de ler as Sagradas
Escrituras de Israel deve-se ver como o "certo". Antes, vale que tanto Israel como
também a Igreja têm de responsabilizar-se pela interpretação dos textos que lhes estão
confiados respetivamente.
2.2.3.1 O cânon da Bíblia cristã, no qual as Sagradas Escrituras de Israel são apenas
uma parte, é um outro cânon do que o judaico, que abrange somente o Tanak. Seria,
no entanto, impróprio quisesse-se dizer que o cânon cristão abrangeria inclusive o cânon
judaico, sendo o cânon judaico simplesmente uma parte do cristão. Trata-se, antes, de dois
cânones diferentes de duas comunidades diferentes. Embora os dois cânones contenham, em
parte, os mesmos textos, estes encontram-se em cada vez diferentes contextos de leitura e
interpretação.
2.2.3.2 Se, no cânon cristão, as Sagradas Escrituras de Israel estão sendo designadas
como o "Antigo Testamento", isso não quer dizer "Antigo" no sentido de
"antiquado", "antigo" significa, antes, o inicial e fundamental. Isso
também o, por vezes usado, conceito "Primeiro Testamento" pretende expressar;
pode, no entanto, ser mal entendido como se estar-se-ia designando o primeiro elemento duma
série arbitrariamente continuável. Pelo um-ao-lado-do-outro, ainda, a idéia cristã da
unidade das duas partes seria posta em perigo antes de ser guardada. Também as
denominações de "Bíblia Judaica" ou "Bíblia Hebraica" são
problemáticas, quando se pretender com isso designar a primeira parte do cânon cristão;
pois por estas poderia surgir o erro de que o cânon judaico fizesse parte do cristão.
Justificam-se todas essas denominações em que querem lembrar que a primeira parte do
cânon da Bíblia cristã contém os mesmos textos como o inteiro cânon judaico.
2.2.4 A primitiva comunidade cristã – o que é, historicamente considerado, no fundo
surpreendente – mantinha a tradição que lhe era transmitida das Sagradas Escrituras de
Israel no seu teor. Os textos não foram nem alterados por alterações posteriores,
inserções, eliminações ou "emendas", nem foram essas escritas cristãmente
"redigidas". As comunidades cristãs receberam, então, o testemunho pré-pascoal
cônscias da abertura, própria desse testemunho, para possibilidades de entendimento
diferentes; a Igreja, no seu cânon bíblico duplo, declarava então esse testemunho
exatamente assim como obrigatório para a sua pregação. Pela disposição alterada do
cânon do Antigo Testamento, especialmente na base das decisões da Reformação, no
entanto, o relacionamento das escritas antigotestamentárias ao acontecimento da revelação
de Cristo chegou a ser mais enfatizado.
O trato cristão do Antigo Testamento deve se dar na consciência de que os textos deste
concordam com os textos das Sagradas Escrituras de Israel em teor e inventário, ainda que
não são o cânon judaico. A revelação de Deus em Cristo confirma a historia de escolha
iniciada com Israel; leva, portanto, a atenção ao testemunho de revelação e fé de
Israel anteriores ao nascimento da Igreja. Conduz ao reconhecimento da verdade contida nesse
testemunho. A igreja, no entanto, não esquecerá nisso a sua própria tarefa de que tem de
ler os textos das Sagradas Escrituras de Israel a partir da sua fé em Cristo e de que tem
de deixar encher a própria fé também pelos pronunciamentos do Antigo Testamento. Cada
encontro da Igreja com a leitura e interpretação judaicas do Tanak ficará cunhado
pelo que o seu próprio acesso ao Antigo Testamento está determinado pela fé cristã.
2.2.6 Na pergunta pela relação dos modos de ler judaico e cristão não se trata
primeiro se - por exemplo graças à possibilidade da pesquisa histórica-crítica dos
textos – reconhecermos a necessidade de distinguir entre o sentido historicamente
"original" dos pronunciamentos dos textos de um lado, e de outro lado da
perspectiva de interpretação desses ganhada a partir da fé pascal. A perspectiva da qual
se trata aqui, é antes a pregação, quer dizer que se trata da pregação eclesial da
mensagem das Sagradas Escrituras de Israel como do Antigo Testamento cristão.
Isso não exclui, de modo algum, uma interpretação histórica-crítica, mas, ao
contrário, a sugere. Mas, mesmo então, devemos tomar em consideração que também uma
interpretação aparentemente exclusivamente histórica-crítica está determinada por um
"entendimento anterior": Está sob uma decisão de fundo hermenêutica que precede
todas as interpretações. Essa decisão de fundo hermenêutica parece, no Judaísmo, em
princípio diferente daquela no Cristianismo. O fato de que interpretação de texto não
haja nunca sem um "entendimento anterior" foi reconhecido como legítimo, tanto no
Judaísmo antigo, como também no nascente Cristianismo.
2.2.7 A judaica, logo a não pela fé no acontecimento de Cristo determinada,
interpretação das Sagradas Escrituras de Israel contém uma perspectiva que, também para
a interpretação cristã, é, não só legítima, mas sim até necessária. Só assim será
possível reconhecer o sentido próprio dos textos; de contrário, haveria o perigo de que a
interpretação cristã, redescobrisse, nos textos do Antigo Testamento, sempre a si mesma
somente. Pelo ler da interpretação judaica e pelo seu diálogo com judeus, a Igreja chega
a ser enriquecida na sua teologia.
2.2.8 Pelas razões mencionadas, o auto-entendimento da escritura cristão, no sentido
completamente apropriado, tem de considerar a possibilidade, de não só saber da
interpretação judaica das Sagradas Escrituras de Israel e a respeitar, mas sim a
considerá-la na própria interpretação. No nível da pesquisa histórica, acontece isso
com toda a naturalidade. Mas também para a pregação e o ensino da Igreja será um
proveito fazer valer o testemunho da fé das Sagradas Escrituras de Israel, não só no seu
entendimento cristão lançar um olhar retrospectivo a partir do Novo Testamento, mas sim
também na abertura para o entendimento próprio dessas escrituras judaico, logo
entendimento não-cristão, e com isso simultaneamente na abertura para tradições de
interpretação disso resultantes.
A mensagem da Páscoa diz que o acontecimento de Cristo não só confirma as promissões
bíblicas, mas sim que as interpreta de novo ao mesmo tempo. O modo judaico de ler os mesmos
textos bíblicos, porém, esclarece ao mesmo tempo duas coisas: Conhecemos, de um lado, que
contêm promissões cujo cumprimento, evidentemente, ainda ficam por vir. De outro lado,
chega a ser mais claro que e como, na tradição bíblica, a existência mundial/terrestre
está relacionada, em toda a sua variedade, com Deus.
2.2.10 Para a pregação cristã, o testemunho das Sagradas Escrituras de Israel fazem
parte constitutiva da própria história de revelação. Na doutrina de dois deuses,
desenvolvida por Marcion no século segundo, mostram-se as conseqüências duma teologia que
tenta rasgar o contexto que há entre o testemunho das Sagradas Escrituras de Israel e o
acontecimento de Cristo. O próprio acontecimento de Cristo obriga a Igreja a ficar cônscia
de que a revelação ("antigotestamentária") testemunhada nas Sagradas Escrituras
de Israel dirige-se, não só originalmente, mas sim permanentemente a Israel, em que não
é possível construir uma discrepância entre o "Deus para Israel" e o "Deus
para o mundo".
2.3 - O entendimento cristão de Deus
2.3.1 A Igreja confessa-se ao Deus Único de Israel. Fá-lo na base da morte e
ressurreição de Jesus Cristo, bem como na base da efusão do Espírito Santo. Por isso,
entende esse Deus de outra forma que Israel, falando também doutra forma desse Deus do que
Israel o faz. Confessa-se ao Deus Triuno. Exatamente assim, quer ficar fiel à confissão ao
Único Deus de Israel. A doutrina sobre Deus na elaboração cristã como doutrina da
Triunidade de Deus (Trindade), não pode ser entendida correspondentemente sem a sua origem
na revelação de Cristo e, portanto, também não sem referência à história e presente
de Israel.
2.3.2 Na doutrina de Trindade se diz que Deus com Cristo Jesus na unidade com o Espírito
Santo, desde sempre, "antes "da fundação do mundo", é o Deus Triuno. O
fundamento para este entendimento de Deus está posto já nas escritas do Novo Testamento.
Embora as escritas neotestamentárias ainda não contenham uma abstratamente formada
doutrina de Trindade, mas sim pronunciamentos à preexistência de Cristo, logo ao que
Cristo está com Deus antes de todos os tempos (Jo 1,1-14; Fl 2,6; cf. Jo 8,58). Com isso,
remete-se a determinados pronunciamentos judaicos já documentados no Antigo Testamento,
especialmente sobre a preexistência da sabedoria (cf. Pr 8,22-36). Conforme a fé cristã,
Deus age na Igreja e no mundo atualmente no Espírito Santo, este que simultaneamente
testemunha e realiza a presença do Cristo ressurrecto na Igreja e no mundo. A doutrina da
Trindade é, portanto, a tentativa teologicamente apropriada para cristãos falarem da
revelação de Deus. A doutrina da Trindade será mal entendida, se for interpretada como o
esforço humano de querer definir Deus desse modo. Deve, antes, servir para ligar a fala do
Deus Único (cf. Dt 6,4) com o testemunho neotestamentário da ressuscitação e elevação
de Jesus Cristo (Fl 2,9-11).
2.3.3 O Deus Triuno, de quem fala a profissão cristã, não é outro do que aquele a
quem Israel ora. É o criador que se juntou livremente a Israel, representando-se a este
graciosamente na Toráh. Segundo o entendimento cristão, Deus reconciliou o mundo consigo
em Cristo; pelo Espírito Santo, esse agir e reconciliar de Deus chegam a ser certeza de
fé, sendo adjudicados e realizados a todos os homens pela pregação.
2.3.4 A fé cristã testemunha que Deus age na história e que Se representa nisso para
dentro da história – desde o início da criação até a perfeição no fim dos tempos.
Na base da tradição bíblica, a teologia cristã não vê Deus um como "ser
supremo" pousando em si, mas sim fala do Deus vivo, ator, o qual se revela à pessoas
humanas por decisão livre, soberana; esse acontecimento de revelação está em relação
à história. A teologia cristã, até aqui, não fala da "imutabilidade" de Deus
– já não o faz porque, na teologia trinitária, pensa Deus como quem está em relação
consigo mesmo.
2.3.5 A fé cristã confessa-se ao Deus gracioso e misericordioso (Sl 103,8), que iniciou
a revelação da Sua aliança com as criaturas em e com Israel. Em Israel, também renovou
essa aliança. Representou-se a si mesmo no judeu Jesus, abrindo-lhe, através do Espírito
Santo, a sua graça e verdade em toda a sua profundeza e amplidão (Jo 1,14).
2.3.6 O entendimento cristão de Deus inclui a compreensão de que também, fora da
revelação de Cristo, o entendimento vivo do criador em Israel, da Sua graça e verdade,
tem Ele mesmo como fundo e assunto. Os cristãos, assim, estão sendo lembrados que Deus tem
a liberdade de deixar soprar o seu espírito onde quiser. Por isso, a fé cristã sabe
também que a versão de Deus a Seu povo de Israel, que Deus não pensa trinitáriamente,
não está sendo suspensa.
2.3.7 Onde o entendimento cristão de Deus for tratado, entende-se o mesmo Deus como
aquele de quem Israel fala. A fé cristã vê as falas cristã e judaica de Deus, não só
como dois modos diferentes de falar do mesmo Deus, mas sim como expressão de dois
entendimentos diferentes do mesmo Deus. O Deus Único está sendo entendido, à luz da
revelação em Cristo, diferentemente do que sem essa revelação, pois como Aquele que, em
Jesus Cristo, pôs-se numa nova relação ao mundo.
O fato de que Israel e a Igreja entendem o mesmo Deus quando falam de Deus, falando, não
obstante, de modo em princípio diferente do mesmo Deus, deve ser refletido na doutrina de
Deus concsienciosamente.
Perguntamos: O quê significa que Deus se dirige tanto ao povo de Israel como também à
Igreja? Em todo o caso, não podemos dizer que a Igreja formaria com Israel , perante o
Único Deus, como que uma unidade. A fé cristã espera, porém, que no Único Deus haja uma
unidade que abrange Israel e a Igreja, e que chegará a ser visível no fim dos tempos.
2.4 - O agir escolhedor de Deus
2.4.1 A fé cristã fala, de acordo com o auto-testemunho das Sagradas Escrituras de
Israel, da escolha do povo de Israel em Abraão e da escolha pelo dom da Toráh no Sinai.
Simultaneamente, a fé cristã fala – em analogia à idéia judaica de que Deus criou o
mundo para que Israel fosse escolhido – da escolha da Igreja em Jesus Cristo como uma
escolha "de antes da fundação do mundo"(Ef 1,4). Ambos os pronunciamentos estão
lado a lado um do outro – mas assim que nenhum dos dois se possa elevar sobro o outro.
Pois na fé de escolha trata-se dum acontecer que vem do próprio Deus, não duma reação
de Deus ao agir humano. O motivo da escolha leva a atenção ao agir de Deus, sendo ao mesmo
tempo recusadas todas as reivindicações, com as quais pessoas humanas tentarem sobressair
perante o mundo por si mesmas. Nem Israel nem a Igreja não podem, portanto, reivindicar um direito
à escolha; ambos falam, antes, da ação escolhedora de Deus, perante a qual os
escolhidos são sempre só objetos, nunca sujeitos. Segundo o entendimento cristão, a
escolha da Igreja "antes da fundação do mundo" inclui a decisão livre do povo
de Israel por Deus, pelo que cada idéia duma rejeição de Israel está feita impossível.
A identidade da Igreja na sua história – não só na sua história com Deus, mas também
na historia "mundial" – depende em que não esqueça ou negue a origem do seu
próprio surgimento histórico no povo de Israel, mas que se agarre a ela, com o que então,
simultaneamente, está sendo reconhecida a posição permanente na história da revelação
e, com isso, compreendida e reconhecia a relação permanente da Igreja com Israel.
2.4.2 A revelação do Jesus crucificado e ressurgido como do Cristo, afirma o agir
revelador e escolhedor de Deus, que este começou com Israel. O livre agir escolhedor de
Deus carrega o total da criação e da história da salvação; está na origem do seu
decreto já antes da criação do mundo. Deus é quem ama em liberdade. A meta por Ele
escolhida da criação é realização histórica, chegada a ser visível no acontecimento
de Cristo, da sua vontade de salvação, vontade essa que será realizada na perfeição por
vir da criação (cf. Cl 1,15-20; Ef 1,3-12). Na vontade livre do criador, baseia-se a
escolha de Israel como povo de Deus, a escolha da Igreja como povo de Deus de entre judeus e
pagãos e a ligação indissolúvel destes ao povo de Israel irrevogavelmente escolhido.
2.4.3 Deus, em liberdade soberana e amor, escolheu Israel como o seu povo, concluindo a
sua aliança com ele. A escolha está baseada só no amor de Deus que se compadece e na
promissão aos pais. Como exemplo para isso está Dt 7,6-8:
"Pois és um povo consagrado ao SENHOR, teu Deus; o SENHOR, teu Deus, escolheu-te de
entre todos os povos que estão na terra, para Si, para que sejas próprio Seu. Não por
serdes mais numerosos do que todos os povos, o SENHOR voltou-vos o seu coração e vos
escolheu – pois sois o menor entre todos os povos -, mas porque o SENHOR vos amava e
porque cumpria o seu juramento que jurou aos vossos pais, por isso o SENHOR vos eduziu e te
liberou da casa dos escravos, da mão do Faraó, do rei do Egito."
Esse entendimento de aliança vale, nas suas determinações básicas, para ambos os
testamentos da Bíblia cristã.
2.4.4 Deus cria, segundo o testemunho das narrativas de criação bíblicas, as pessoas
humanas, não os povos. Mas cria as pessoas humanas , não só indivíduos, mas sim ao mesmo
tempo como seres que formam uma vida comum, sendo ligados uns com os outros pelas
gerações. Assim, também o nascimento do povo de Israel pode ser descrito como cumprimento
da promessa de multiplicação por Deus a Abraão (Gn 12,2) e, até aqui, descrita uma como
"história de família".
2.4.5 Que Israel é escolhido, então, significa: Israel é só por Deus feito o Seu
povo, justamente o Seu povo. Deus dirige-se, por pura misericórdia, a um pequeno
grupo de pessoas no Egito, para liberá-las da supressão. Nesse contexto, refere-se, pela
primeira vez no texto bíblico, o nome de Israel ao povo em Ex 1,9; na fala de Deus em Ex
3,7-10 a seguir, Israel é expressamente chamado "Meu povo". Para a escolha não
há outra razão que o amor de Deus.
2.4.5.1 Nas escritas do Antigo Testamento usa-se, como denominação do povo por Deus
escolhido, a palavra hebraica `am, ao passo que os ‘povos’ que circundam Israel,
são distinguidos desse, sendo, na maior parte, denominados de goyim. Mas, segundo
pronunciamento bíblico, também ‘Meu povo’ (`ami) Israel está no perigo de
tornar-se um ‘não-Meu-povo’ (lô `ami, Os 1,9). O conceito do "povo de
Deus", portanto, não designa uma grandeza sociológica ou biológica, mas sim está,
primeiro e antes de tudo, fundado na relação a Deus.
2.4.5.2 A edução de Israel da servidão no Egito, é a confirmação da promessa a
Abraão para Israel como povo. Nesse agir de salvação por Deus radicam os dons da
conclusão de aliança e da Toráh, bem como do país dado ao povo, pelos quais de aqui em
diante a vida de Israel será essencialmente determinada e cunhada.
2.4.6 Assim que a fé de escolha e uma reivindicação de poder ligarem-se uma a outra, a
verdade da profissão, que fala dum agir de salvação por Deus da impotência humana, se
perderão.
2.4.6.1 Se Israel, então, entende-se como "o povo escolhido de Deus", esse
pronunciamento não justifica uma reivindicação de poder.
O mesmo vale para a Igreja: Deve, na sua teologia, tratar e lamentar, com toda a clareza
e sobriedade, também os seus delitos; isso já acontece nas cartas do Novo Testamento e
acontece na autocrítica da doutrina eclesial. Não obstante, a Igreja pode também esperar
e confiar na graça de Deus, na fidelidade e consistência da intercessão de Deus pelo seu
povo. Como, de outra forma, a Igreja, face à história, queria subsistir?
2.4.9 Todas as tentativas teológicas de fazer plausível e penetrar completamente a
escolha divina, confinam com limites. Fidelidade à promissão dada com a Sua escolha,
inclui a possibilidade do juízo. A proclamação profética em Israel sempre acentuava esse
conexo entre escolha e juízo; de modo igual, pronuncia isso também o Novo Testamento para
a Igreja e para os cristãos (2Cor 5,10).
2.5 - A Igreja como "povo de Deus" – Israel como "povo de Deus"
2.5.1 A Igreja tem a sua origem na experiência pascal das discípulas e discípulos de
Jesus. Enquanto a Igreja ficar ligada a essa origem, ficará ligada a Israel. Isso deve ser
segurado na doutrina sobre a Igreja, a eclesiologia, expressamente.
2.5.2 A seguir a Paulo, a Igreja se deixa entender como a comunidade chamada em Cristo; a
justificação pela fé, revelada no acontecimento de Cristo e adjudicada à pessoa humana,
mostra-se como confirmação do agir de Deus já no Abraão (Rm 4). De modo igual, o
apóstolo vê a aceitação dos povos por Deus preanunciada na promissão a Abraão (Gl
3,6-8).
2.5.3 Na base da sua certeza de fé e verdade fundada biblicamente, Israel se vê
inalterado como povo de Deus. Porque não compartilha a fé cristã de que os textos
("antigotestamentários") remetem adiante à Igreja, deve ser feita a pergunta
pelo lado-a-lado de escolha pelo mesmo Deus.
Valem as duas coisas: Deus escolheu o seu povo de Israel e: Escolheu a Igreja de entre
judeus e de entre os povos, fazendo-os, assim, a sua propriedade. Deus outorgou a Israel,
pelo dom da Toráh, a Sua aliança, e: Adjudicou, na renovação, aprofundamento e
ampliação dessa aliança com Israel, a sua justiça a todos que cressem no Seu agir em
Cristo.
2.5.3.1 Segundo a imagem da oliveira, esboçada por Paulo, o agir escolhedor de Deus
mostra, no seu primeiro início, uma unidade ("a raiz"), referindo-se esse agir
primeiro somente à "oliveira" Israel. Mas Deus arrancou agora dessa oliveira
alguns galhos "por causa de sua infidelidade", implantando outros (Rm 11,17ss.).
Para Paulo, a oliveira é o total do portador, escolhido por Deus, da promissão a Abraão,
logo a oliveira não é idêntica com o povo empírico de Israel. Mas Paulo está certo de
que, não obstante, a escolha de Israel como um todo valha invariavelmente, estando então a
escolha de Israel inalterada em vigor, embora o povo de Deus, na sua maioria, não
reconheça o agir de Deus em Cristo. Paulo vê nisso a "descrença" (11,23); mas
também fala de que Deus, no fim de todos os tempos, poderia os "galos arrancados"
outra vez "enxertar" e o faria (11,24); deduz da Bíblia a promissão de Deus de
que "o salvador virá de Sião", e de que "assim todo o Israel será
salvo" (11,26s.), além das grandezas históricas "Israel" e
"Igreja".
2.5.3.2 Paulo entende aceitação dos pagãos na escolha do primeiro início, o
"enxertar" dos "galhos selvagens" no tronco da oliveira nobre,
francamente como o sinal para que Deus, também nos "galhos arrancados" não vai
agir doutro modo no fim. De modo nenhum, "os pagãos" substituíram "os
judeus", mas sim Deus é o agente soberano para ambos (Rm 11,21-24).
2.5.4 O Novo Testamento fala, em dois lugares, expressamente da Igreja como do ‘povo de
Deus’. Em ambos os casos, tanto na Primeira Carta de Pedro (2,9s.) como também na Carta a
Tito (2,14), são usados pronunciamentos da tradição bíblica
"antigotestamentária", referindo-os à comunidade cristã. Nesses
pronunciamentos, não fala-se nem de deserdação ou substituição de Israel como povo de
Deus, nem deixam perceber doutro modo um rebaixamento de Israel; precisa-se, no entanto,
dizer que o Israel atual, que não crê em Cristo, não está na vista de modo algum. Dum
"novo povo de Deus" em comparação com um "antigo povo de Deus" não se
fala no Novo Testamento em lugar nenhum.
2.5.5 Disso resultam conseqüências para o uso apropriado da designação da Igreja como
povo de Deus.
2.5.5.1 É um abuso do título ‘povo de Deus’, atribuí-lo à Igreja assim que, por
isso, seja negado a Israel.
2.5.5.2 Justamente usar-se-á a designação ‘povo de Deus’ para a Igreja, onde ela
estiver posta, como a comunidade criada por Deus, sob a promissão da perfeição
escatológica. Essa promissão de salvação vale para toda a criação. Por isso, o
entendimento reto da Igreja como ‘povo de Deus’ expressa sempre também a
relativização da Igreja na sua relação à perfeição que fica ainda por vir; trata do
seu ser enviada para testemunho e serviço, não afirmando, porventura, um privilégio para
ela.
2.5.6 Nas Igrejas reformatórias, a autodenominação ‘povo de Deus’ não tinha
import6ancia quase nenhuma por muito tempo. Durante muito tempo, a idéia de povo como
comunidade natural estava em primeiro plano, também no pensar teológico e no
auto-entendimento das Igrejas.
Só quando esse entendimento, por experiências catastróficas, perdeu a sua posição
dominante, podia, no movimento ecumênico, ser aproveitada a designação da Igreja como ‘povo
de Deus’. Desde a assembléia de fundação do ÖRK (Ökumenischer Rat der Kirchen =
Conselho Ecumênico das Igrejas) em 1948, esse conceito designa a Igreja como uma comunidade
que engrena todos os povos naturais, a qual, criada pela escolha de Deus, é referida à
perfeição no fim dos tempos e comprometida, em direção a essa perfeição, para
testemunho e serviço. Esse testemunho inclui o testemunhar da ligação indissolúvel da
Igreja como povo de Deus por eleição de Deus com Israel como povo de Deus por escolha de
Deus. Essa idéia continuou a ser desenvolvida no estudo da comunidade eclesial de Leuenberg
"A Igreja de Jesus Cristo" de 1994.
Na Igreja Romana-Católica, o conceito de ‘povo’ chegou a ser importante, pelo
Concílio Vaticano Segundo, para o entendimento da essência da Igreja no contexto do agir
escolhedor de Deus.
2.5.7 A Igreja não é somente uma grandeza "histórica", mas sim ao mesmo
tempo uma crida. isso mostra a acentuação eclesiológica do Artigo Terceiro dos credos da
antiga Igreja que fala do Espírito Santo. A igreja é as duas coisas: visível como
comunidade de pessoas humanas e escondida como obra de Deus.
2.5.8 Só com as designações válidas somente para a Igreja, a plena ecumenicidade da
Igreja não pode ser expressa – já não o pode pela razão por que é impossível para a
Igreja, conforme o seu auto-entendimento, ver-se, sozinha e em princípio, como "Igreja
de entre os povos", quer dizer como igreja somente "cristã-pagã".
2.5.9 O título ‘povo de Deus’ põe a Igreja num quadro geral mais amplo que a
relativa a ela mesma, o qual indica a perspectiva humana da vontade salvífica de Deus. Ao
lado do contexto de fundamentação escolhoteológico e alinançoteológico, a perspectiva
escatológica é a caraterística principal dum entendimento teologicamente qualificado de
‘povo de Deus’. Também a Igreja não é ainda, como ‘povo de Deus’, o lugar do
cumprimento; está antes a caminho ao reino da glória de Deus. Portanto, a designação da
Igreja como ‘povo de Deus’ não é de modo algum uma "auto-designação", mas
é sim um título de honra que lhe foi adjudicada sola gratia (só por graça),
designação essa que a deveria antes envergonhar do que confirmar. Ela somente poderá cada
vez de novo descobrir e louvar a concessão e a adjudicação dessa designação de honra na
praxe do Cristo vivo.
2.5.10 Só quando o último fim da toda a história de Deus com o mundo for alcançado, o
‘povo de Deus’ vai se pôr em evidência na sua determinação que lhe convém de Deus.
Até lá, a teologia não pode resolver o mistério que se dá com a relação entre Igreja
e Israel. A igreja professa que está criada pelo agir escolhedor de Deus, e que é, por
isso, ‘povo de Deus’ – com Israel. A fala do ‘povo de Deus’ é profissão e louvor
de Deus.
3 A convivência da Igreja com Israel
3.1 Do que foi dito, resultam conseqüências para a determinação da relação entre a
Igreja e Israel. A Igreja entende-se como escolhida por Deus em liberdade. Vê-se como a
comunidade fundada pela fé na revelação do Deus de Israel em Jesus Cristo. Israel, ela o
vê como o povo que conhece e venera Deus no horizonte da revelação testemunhada nas suas
Santas Escrituras, sem a confissão a Cristo. Justamente a partir da revelação de Cristo,
porém, não se pode dizer que Israel seria para ser considerado meramente como o contexto
historicamente passado do acontecimento de Cristo, sendo agora "ultrapassado".
Israel é, antes, o ponto de referência inalteradamente constitutivo, de modo nenhum
ultrapassado, da revelação de Deus em Jesus de Nazaré como o Cristo. A fé sabe que na
história de Deus com a sua criação, desde o começo até ao fim dos tempos, o povo de
Israel mantém o seu lugar permanente.
3.1.1 Da perspectiva da fé cristã vale que o lugar permanente que pertence a Israel,
resulta do agir escolhedor de Deus. O próprio Israel se define também como conexão duma
vida de povo. Os cristãos sabem que a comunidade do povo de Israel fundamenta-se dum agir
escolhedor de Deus, agir esse que se refere a uma conexão de vida, a qual está determinada
tanto social como religiosamente.
3.1.2 Há no Judaísmo auto-definições diferentes daquilo que é ‘Israel’. Ao lado
da determinação ortodoxa, conforme a qual é judeu quem foi dado à luz por uma mãe
judia, há também a idéia duma descendência do pai.
Não se deve, por entanto, deixar de ver que também há judeus não-religiosos, para os
quais a sua pertença ao povo de Israel não é idêntica de modo algum com a pertença ao
‘povo de Deus’. A multiplicidade do auto-entendimento judaico deve ser respeitada.
3.1.3 Todas as auto-afirmações do Judaísmo têm em comum que o povo de Israel se
entende como povo também no sentido social, uma como comunidade que se reproduz e mantém
através de relações de parentesco na continuidade da história deste o tempo bíblico. O
acento, porém, que jaz no agir escolhedor de Deus esclarece que o conceito ‘povo de Deus’
designa, primariamente, não uma grandeza biológica, mas sim fundamenta-se primeiro na
teologia fundamental. Essa fundamentação teológica, porém, implica então a sua própria
sociologia, pois antepõe a comunidade antes do indivíduo, sem com isso desprezar o
indivíduo, abrindo assim uma perspectiva de formação rica em conseqüências para a vida
desse povo. Uma das conseqüências é a ligação de Israel aos mandamentos da Toráh.
3.2 O anuncio cristão acontece publicamente, dirigindo-se a todas as pessoas. Acontece
no contexto de diálogo com as religiões do mundo e no colóquio com visões do mundo
não-religiosas. Perante todas elas, os cristãos testemunham, pelo seu falar e agir, a sua
fé naturalmente.
Isso vale também no encontro com judeus. O ter em comum o testemunho do Deus de Israel e
a profissão para o agir escolhedor desse Único Deus, é um argumento importante para que
as Igrejas abstenham-se de qualquer atividade que se dirige apontada à conversão de judeus
ao Cristianismo.
3.2.1 A igreja está cônscia de que as suas origens jazem em Israel, e isso significa
que, no Cristianismo primitivo, havia uma pregação do evangelho também e primeiro dentro
de Israel. Não era o direito do anuncio do acontecimento pascal entre Judeus o que era
discutido teologicamente, mas era, ao contrário, a missão aos pagãos que precisava duma
justificação teológica especial. O apóstolo Paulo esperava que ganhasse, no seu trabalho
como "apóstolo dos povos" também pessoas do povo de Israel para a fé na
revelação de Deus em Cristo (Rm 11,13s.). Em Rm 11,26-32, expressa a certeza de que Deus,
pelo fim de todo o tempo, iria compadecer-se de Israel, também caso os israelitas, na sua
maioria, não chegarem à fé em Cristo.
3.2.2 A autenticidade do testemunho cristão está necessariamente influenciada pelas
experiências concretas que judeus fazem com cristãos. É impossível não dar pelo fato de
que experiências que judeus fizeram com cristãos, muito freqüentemente abalaram
radicalmente a autenticidade do testemunho cristão. Disso os cristãos devem permitir que
sejam lembrados, quando e onde quer que testemunharem a sua fé.
Parte III
A Igreja e o Israel atual
Das experiências descritas na Parte I e dos conhecimentos obtidos na Parte II para uma
determinação teológica da relação da Igreja a Israel, resultam conseqüências para a
prática da Igreja. O conhecimento de que a fé cristã nasceu em Israel e de que a Igreja,
desde as suas origens históricas até hoje, está relacionada a Israel, leva ao
conhecimento de a ocupação com Israel deve ser aprofundada na vida da Igreja. As Igrejas
no mundo existem ao lado das formas da existência judaica empiricamente perceptíveis. Isso
tem conseqüências especialmente para a reflexão da prática cristã de serviço religioso
e do testemunho de fé cristão ao lado de Israel e perante este. A Igreja tem, sempre de
novo, a tarefa de refletir a sua posição no mundo também ao lado de Israel e perante
este. O entendimento da sua posição na história, manda a Igreja, em todos os seus campos
de ação, perguntar também pelos desafios éticos do nosso tempo à luz da tradição
bíblica. Nisso, precisamos lembrar o conhecimento, enfatizado na Parte I, de que as Igrejas
da comunidade de Leuenberg, na sua determinação da sua relação com Israel, precisam
recolher a sua implicação com seus respetivos contextos nacionais e as formas diferentes
desses resultantes dos acessos eclesiais.
1 Conseqüências para a prática das Igrejas
As conseqüências para a prática das Igrejas referem-se especialmente (1.1) ao trabalho
comunitário e ao agir no dirigir a Igreja, (1.2) à pregação e ao ensino eclesiais,
(1.3) ao serviço religioso e calendário de festas, bem como (1.4) à instrução
e aperfeiçoamento eclesiais. Nisso, formula-se, no fim, respectivamente recomendações
práticas, que deveriam ser deliberadas nas Igrejas e, respetivamente conforme as dadas
possibilidades, convertidas.
1.1 - Trabalho comunitário e agir na direção da Igreja
1.1.1 As Igrejas cuidam que o Evangelho de Jesus Cristo mantenha a sua intensidade de luz
e clareza; portanto, cuidam que a identidade cristã não chegue a ser perfilada pela
depreciação ou distorção da fé judaica. Necessário é um um-com-o-outro da própria
identidade de fé e certeza de fé com o ouvir compreensivo da profissão e dos
pronunciamentos de Israel. A reflexão duma relação conforme a Escritura e teologicamente
adequada da Igreja e Israel, é tarefa permanente das Igrejas.
1.1.2 Na luta contra todas as formas de sintomas de discriminação, racismo e
anti-semitismo, a Igreja sabe que está no lado de Israel. As comunidades cristã ganham em
credibilidade, se estiverem dispostas a assumir responsabilidade social também para além
do próprio âmbito. Promovem a compreensão de humanidade e direitos humanos da imagem
cristã da pessoa humana. Esforçam-se para exposição apropriada da história e para a
reflexão crítica da situação atual, no que se refere à inimizade aos estrangeiros,
racismo e trato de outras culturas, religiões e minorias étnicas. O horizonte de reflexão
‘Igreja e Israel’, dado à Igreja desde o princípio, é uma base importante para isso.
No seu dia-a-dia, as comunidades encontrarão situações diferentes de procurar,
respetivamente, formas diferentes de engajamento e mediação. O esforço de
conscientizar-se da história de comunidades judaicas que existiam anteriormente no próprio
ambiente, despertou de novo, em muitas comunidades cristãs, a sensibilidade para a
história e para a atualidade.
1.1.3 A igreja está, por razões históricas e teológicas, ligada a Israel em
solidariedade. isso também vale quando as Igrejas tomam criticamente posição referente ao
conflito árabe-israelense e a decisões políticas atuais do governo do Estado de Israel.
As Igrejas se opõem a todas as tendências de difamar como racista o movimento sionista que
conduziu à fundação do Estado de Israel. As igrejas apoiem todos os esforços do Estado
de Israel e de seus vizinhos, especialmente o povo palestino, pare encontrarem e conservarem
uma paz duradoura e justa.
A questão de se a fundação e existência do Estado de Israel têm um significado
teológico também para cristãos, está sendo respondida diferentemente pelas Igrejas,
permanecendo um desafio para as Igrejas. Nesse contexto, qualquer uso político direto das
promissões de terra bíblicas tem de ser recusado. Igualmente, todas as interpretações
que essas promissões considerarem como ultrapassados à luz da fé cristã, devem ser
recusadas. A percepção cristã da escolha de Israel como povo de Deus não pode, em caso
nenhum, levar a legitimar religiosamente a repressão de minorias étnicas e religiosas.
1.1.4 No colóquio com outras religiões, em muitos países da Europa antes de tudo com o
Islame, as comunidades e os seus membros estão hoje, mais que jamais antes, desafiados a
testemunhar e refletir a sua fé em diálogo e discussão. Também nesse contexto, vale
comunicar a relação especial que liga cristãos com judeus, tomando em consideração o
respetivo contexto: no ensino religioso, no ensino de confirmandos e catequese, na
formação de adultos, bem como em círculos de trabalho e grupos de projeto.
1.1.5 - Recomendações
As Igrejas promovem grupos que trabalhando continuamente, que têm a tarefa de refletir
sobre as conseqüências teológicas e sociais do encontro de Igreja e Israel e o fazer
frutificar para todos os campos do agir eclesial. Quando possível, deverá isso se realizar
com participação de parceiros judaicos.
As igrejas cultivam um intercâmbio vivo sobre o seu respetivo trabalho para o
esclarecimento da relação entre a Igreja e Israel. Dão, uma à outra, participação nos
conhecimentos ganhos por esse trabalho. As Igrejas se desempenham no construir contatos em
todos os níveis com as comunidades judaicas da sua vizinhança e os manter vivos. Não por
último face aos desenvolvimentos mais recentes dentro das comunidades judaicas na Europa,
provocados pelos movimentos migratórios, tentam a realizar solidariedade prática, sempre
que esta for bem-vinda.
As Igrejas aproveitam ativamente os seus contatos e qualidades de sócia em
organizações tais que reunam representantes de Igreja e Israel ou que se dediquem ao
esforço por entendimento, paz e desenvolvimento no Próximo Oriente.
1.2 - Pregação e ensino eclesiais
1.2.1 A fé cristã nasce pelo dizer a outros que testemunha esta fé e vive disso. Os
cristãos dizem a outros a mensagem do Único Deus, a quem professam como criador e
salvador. os cristãos conhecem que os judeus igualmente dão testemunho deste Único Deus.
Por isso, a pregação e o ensino eclesiais podem dar lugar àquilo que é comum aos judeus
e aos cristãos. Nisso, deve ser lembrado especialmente que os cristãos lêem o Tanak
como o seu Antigo Testamento, e que estão ligados com os judeus por esperanças, cujo
cumprimento esperam cada um a seu modo.
1.2.2 A pregação cristã é o anúncio do Jesus Cristo crucificado e ressurrecto. O
anúncio cristão realiza-se sob o critério do Primeiro Mandamento: Testemunha o ser Um e
Único do Deus de Israel. Professa o Único Deus na unidade do Pai, do Filho e do Espírito
Santo. Assim está na tensão aquilo que une e daquilo que separa. Testemunhando a unicidade
de Deus, esclarece que também a pregação de Cristo acontece "na presença de
Israel".
1.2.3 Cristãos e judeus dão testemunho uns aos outros da sua fé. Nisso, a
articulação da convicção cristã de fé toma em consideração a funesta história de
tentativas cristãs de ganhar judeus para a fé em Jesus Cristo. O testemunho cristão
apropriado referente a Israel, portanto, evita especialmente todas as formas que o possam
deixar cair na suspeita de querer explorar dilemas existentes.
1.2.4 Na sua pregação, a Igreja opõe-se a qualquer forma de "esquecimento de
Israel". leva a sério o significado da unicidade e incomparabilidade de Deus,
enfatizadas pelo Judaísmo de modo especial. A chamada para a volta ao Único Deus, junta a
Igreja e Israel um com o outro. Isso manifesta-se especialmente também ali onde a
pregação eclesial diz a outros a misericórdia de Deus, testemunhada na Toráh e nas
outras partes das Sagradas Escrituras de Israel, do Antigo Testamento cristão. Igreja e
Israel testemunham de modo igual, que essa misericórdia inclui a reivindicação de todas
as pessoas humanas à justiça e o direito fa criação à integridade.
1.2.5 - Recomendações
Pregação cristã expressa a ligação da fé cristã com o Judaísmo. Opõe-se
especialmente a todas as tentativas de confrontar o pretensamente despiedoso, vingativo Deus
do Antigo Testamento com o Deus misericordioso, gracioso do Novo Testamento. Contribui para
a superação da acusação de que os judeus seriam "assassinos de Deus",
acusação essa que se faz sentir até hoje.
A pregação cristã empenha-se por pronunciamentos apropriados sobre o Judaísmo e a sua
fé. Evita, por exemplo, a transmissão de clichês sobre a piedade legal judaica, reparando
no auto-entendimento judaico.
A reserva, que se distingue em algumas Igrejas até hoje, referente aos textos de
pregação antigotestamentários, chega a ser criticamente refletida e superada. Para isso,
precisa-se tanto do esforço reforçado da ciência antigotestamentária e da homilética
por uma hermenêutica útil para a pregação cristã, quanto duma revisão das séries das
perícopes de pregação, bem como o estímulo de usar textos antigotestamentários como
leituras e os escolher como textos para o sermão.
1.3 - Serviço religioso e calendário de festas
1.3.1 No serviço religioso e celebração, a Igreja testemunha a sua ligação a Israel
na fé no Único Deus que criou uma só humanidade.
1.3.2 Muitos elementos litúrgicos do serviço religioso, a leitura dos salmos, orações
fixas formuladas, também o decurso litúrgico do serviço religioso, têm a sua
proveniência do Judaísmo. Nos calendários anuais da Sinagoga e da Igreja há numerosas
paralelas. A origem de muitas festas cristãs da tradição judaica, na forma em que estão
sendo celebradas hoje, não mais chega muitas vezes a ficar clara ainda. Quem preparar,
dirigir e celebrar serviços religiosos, porém, deve estar ciente dessas conexões,
despertando naqueles que colaboram na formação de serviços religiosos e festivais a
consciência para o fato de que fé e Igreja originam-se de Israel.
1.3.3 Na celebração da Ultima Ceia, a Igreja anuncia a morte de Cristo, pela qual Deus
reconciliou o mundo consigo. Professa a presença do Senhor ressurrecto, esperando por Seu
futuro e glória. A Última Ceia tem, para a identidade da comunidade cristã, importância
fundamental; mas também para a celebração e liturgia da Última Ceia podemos mostrar o
profundo arraigamento na prática do serviço religioso judaico. Concedendo perdão de
pecados, dando libertação e testemunhando esperança para uma ampla reconciliação e
renovação, a celebração da Última Ceia mostra também correspondências de conteúdo a
idéias judaicas, como estas expressam-se, por exemplo, na celebração do Peçah.
1.3.4 No que se refere à tomada irrefletida de orações judaicas ou de outras partes da
tradição judaica (de serviço religioso), no entanto, convém discrição. Uma tal tomada
está no perigo de fingir a possibilidade de troca de pronunciamentos de fé. Além disso,
uma tomada tal pode ser entendida como falta de respeito referente ao auto-entendimento
judaico e como tentativa duma apropriação substituidora das tradições de Israel.
1.3.5 - Recomendações
Nas celebrações de serviço religioso, a proximidade à celebração do serviço
religioso judaico, bem como a procedência de muitos elementos do serviço religioso da
tradição de Israel pode ser feita cônscia continuamente.
Igreja e Israel testemunham as benções do Domingo, respetivamente do Sábado, para as
pessoas e toda a criação; portanto, trata-se de esclarecer as múltiplas dimensões e
implicações da interrupção da vida dos dias de trabalho e a força salutífera das
mesmas. A celebração dominical realiza-se no ouvir a palavra da graça e do mandamento de
Deus; louva a ressuscitação de Jesus, louvando simultaneamente a boa criação de Deus, a
qual conhece os limites postos à pessoa humana. Representa a libertação da servidão, a
qual contradiz aos relacionamentos injustos, representando igualmente o início do Reino de
Deus, em cujo espírito agimos já agora.
1.4 - Formação e aperfeiçoamento eclesiais
1.4.1 A reflexão sobre a ligação de fé e Igreja com Israel tem conseqüências para
os curricula (currículos) da formação e aperfeiçoamento eclesiais. Nisso, a discussão
da história de Israel joga tanto um papel quanto a percepção do Judaísmo atual.
1.4.2 Dentro da formação e aperfeiçoamento eclesiais, aquilo que separa cristãos e
judeus chega a ser tratado assim que Israel ou os judeus não sejam usados para darem o
fundo escuro, a partir o qual, então, se possa destacar o especial da fé cristã
positivamente.
1.4.3 A solidariedade especial de Igreja e Israel encontra, na formação eclesial, o seu
lugar, quanto possível, no intercâmbio direto com representantes a comunidade judaica e da
tradição desta. A abertura teológica, obtida através dum intercâmbio assim formado com
as tradições de Israel, possibilita não por último uma reflexão autocrítica da
própria tradição e terminologia exegéticas, dogmaticas e práticas-teológicas.
1.4.4 Na formação eclesial, especialmente no vigariado e nas escolas, mas além disso
também no trabalho de formação em geral, as Igrejas aguçam a consciência para a
necessidade duma reflexão sobre a relação da Igreja com Israel. Isso capacita a
testemunhar a própria identidade e também a falar de modo apropriado sobre Israel.
1.4.5 - Recomendações
O conhecimento de interpretação judaica da Escritura e da prática judaica de fé,
igualmente como a reflexão explícita do relacionamento da Igreja a Israel, faz parte da
doutrina teológica nos currículos de formação eclesiais. Portanto, recomenda-se, sempre
quando for possível, incluir docentes judaicas e judaicos – dado o caso, em colaboração
com teólogas e teólogos cristãos – na formação.
Programas de estudos e intercâmbio, em e com lugares de formação judaicos em níveis
universitários e outros níveis, são apoiados ativamente pelas Igrejas. Isso implica a
estimulação à especialização teológica no âmbito do colóquio cristão-judaico,
especialmente o conhecimento da tradição e história judaicas.
Párocas e párocos, professoras e professores, são estimulados e apoiados quando, por
exemplo no quadro dum estudo de contato, quiserem perceber a realidade da vida em Israel; as
Igrejas criam condições para isso e ampliam possibilidades existentes.
2 Referente à responsabilidade comum de cristãos e
judeus
Na discussão de discriminação, racismo, anti-semitismo e inimizade aos estranhos,
cristãos e judeus procederam, nos últimos anos, juntos em muitos lugares, sabendo que
estão ligados nisso. "Justiça, paz e conservação da criação" – assuntos
que, no processo conciliar, ganharam importância especial em muitas Igrejas cristãs, são
desejos e esperanças, os quais movimentam cristãos e judeus respetivamente na base da
própria tradição. Na luta pela crescente realização de direitos humanos individuais e
sociais podem estar lado a lado. Nos últimos anos há, na Europa, muitas experiências com
tais engajamentos comuns. São sinais encorajadores de que culpa e lesões não precisam
manter a última palavra, mas que podem ser feitos – sem esquecer ou reprimir o passado
– cuidadosamente passos comuns.
Epílogo
As Igrejas da comunidade eclesial de Leuenberg reconhecem e lamentam, em vista da
história secular da inimizade cristã aos judeus, a sua co-responsabilidade e culpa
referente ao povo de Israel. As Igrejas reconhecem as suas falsas interpretações dos
pronunciamentos e tradições bíblicos; confessam, perante de Deus e pessoas humanas, a sua
culpa, pedindo perdão a Deus. Mantêm a esperança de que o Espírito de Deus as guie e
acompanhe nos seus caminhos novos.
As Igrejas da comunidade eclesial de Leuenberg ficam chamadas a buscar, cada uma no seu
lugar e na situação especial de cada uma, o colóquio com os judeus, onde quer que seja
possível. No ouvir juntos a Sagrada Escritura de Israel, o Antigo Testamento cristão,
pode-se buscar caminhos para o entendimento mútuo.
O lado a lado de Igreja e Israel não será, na história, substituído por um
um-com-o-outro (Rm 11,25-32). O testemunho do novo Testamento ensina que há limites do
saber e falar teológicos que não podem ser ultrapassados pelas pessoas humanas. Com as
palavras do apóstolo Paulo, a Igreja professa:
"Oh que profundeza da riqueza, de ambos, da sabedoria e do conhecimento de Deus! Com são incompreensíveis os Seus juízos e inescrutáveis os Seus caminhos! Pois ‘quem tem conhecido o espírito do Senhor, ou quem foi o seu conselheiro?’ Ou ‘quem Lhe deu algo antes, assim que Deus lhe devesse retribuir?’ Pois dEle e por Ele e para Ele são todas as coisas. A Ele seja honra eternamente! Amém."
Apêndice
Exposições feitas durante os colóquios de ensino (veja no texto alemão)
Membros do grupo do colóquio e ensino "Igreja e Israel" (veja no texto alemão)
Tradução: Pedro von Werden SJ - Texto alemão |