Guia para o diálogo Católico-Judaico no Brasil
Estudos da CNBB – 46 p3
ÍNDICE
Guia para o diálogo Católico-Judaico no Brasil
APRESENTAÇÃO
Povo
Terra
Fé
Correntes ideológicas
3. FESTAS E TRADIÇÕES JUDAICAS
5. HISTÓRIA DAS RELAÇÕES DA IGREIA COM O JUDAÍSMO
A. Da convivência à polêmica
B. Da polêmica ao proselitismo
C. A oficialização do cristianismo
D. Preconceitos e movimentos antijudaicos
E. Transição aos tempos modernos
F. Pronunciamentos da Igreja antes do Holocausto
G. Do Holocausto a Seelisberg
H. Do Vaticano II até os nossos dias
6. COMUNIDADE JUDAICA NO BRASIL
A. Catequese
Raízes e herança judaica
O respeito pelas Escrituras
Tradição oral – Toráh oral
Judaísmo no tempo de Jesus
B. Convivência
Item A – A luta contra o preconceito
Item B – Conhecendo o judaísmo
Item C –Fontes de estudos sobre a Mishnáh e o Talmud
Item D –Sofrimento
C. Casamentos mistos
8. OBJETIVOS E MEIOS PARA PROMOVER O DIÁLOGO
Instituições
Internacionais:
Ocasiões de contatos para conhecimento
Objetivos para a sociedade
Formação nos cursos de Teologia e Catequese
Vaticano
1. Declaração "Nostra Aetate" do Concílio Vaticano II sobre as relações
da Igreja com as Religiões não-cristãs
A Religião Judaica, n. 4
2. Orientações e sugestões para a aplicação da Declaração conciliar sobre as
relações da Igreja com as Religiões não-cristãs ("Nostra Aetate" n. 4)
a) O Diálogo
b) A Liturgia
c) Ensino e educação
d) Ação social em comum
Conclusão
3. Notas para uma correta apresentação dos judeus e do judaísmo na pregação e na
catequese da Igreja Católica
Considerações preliminares
I. Ensino religioso e judaísmo
II. Relações entre Antigo e Novo Testamento
III. Raízes judaicas do cristianismo
IV. Os judeus no Novo Testamento
V. A liturgia
VI. Judaísmo e cristianismo na história
VII. Conclusão
CELAM
Encontro Católico-judeu em Bogotá, 19 a 21 de agosto de 1985
Conclusões
1. Princípios básicos
2. Urgências
3. Realidade de nossas desconfianças
a) Da parte cristã
b) Da parte judaica
4. O diálogo
a) Níveis
b) Áreas
● Educação
● Área religiosa
● Área social
● Família
5. Atividades
6. Documentos básicos
BRASIL
1. Orientações para os católicos no relacionamento com os judeus no Brasil
2. Declaração da I Conferência Pan-americana de Relações Católico-judaicas,
I. Histórico
II. Resoluções
A – História do Povo Judeu
B – Judaísmo
C – Anti-semitismo e Holocausto
D – Judeus no Brasil
E – Diálogo cristão-judaico
Temos a satisfação de oferecer ao público brasileiro o primeiro Guia de
orientação para o diálogo católico-judaico no Brasil. Na qualidade de responsável
pelo Setor de Ecumenismo e Diálogo Religioso na Comissão Episcopal da Pastoral da CNBB,
sentimo-nos grato e esperançoso diante de tal iniciativa que vem corresponder a uma
necessidade no campo das relações inter-religiosas.
Esta publicação é o resultado do trabalho conjunto dos membros da Comissão Nacional
do Diálogo Religioso Católico-judaico que durante vários meses assumiu os diversos
tópicos apresentados neste Guia. Cada capítulo mantém as características específicas de
conteúdo e de estilo do respectivo autor ou redator, sem que houvesse a preocupação de
reunir todas as contribuições sob uma única forma de redação. Não pode por isso o
leitor estranhar certas diversidades e particularidades que se observam no tratamento dado a
cada um dos temas. Todas as contribuições conservam o mesmo espírito que inspira o
verdadeiro diálogo entre católicos e judeus, e passaram, antes de sua redação, pelo
crivo das análises e das críticas de todos os membros da Comissão.
Colaboraram, da parte católica: Frei Leonardo Martin, Padre Humberto Porto, Padre
Ilário Mazzarolo, Padre Joaquim Salvador, Padre Mário Colombo e as Irmãs Isabel Sampaio
Wilken e Judite Paulina Mayer. Da parte judaica: Rabino Henry I. Sobel, Rabino Michael
Leipziger e Sr. Hugo Schlesinger. Externamos nosso agradecimento, em nome da Igreja do
Brasil, a estes dedicados e desinteressados promotores do diálogo católico-judaico.
A preocupação desta publicação foi fornecer condensadamente os subsídios básicos
para o conhecimento do judaísmo e das questões ligadas ao diálogo da Igreja com os
judeus. Não se trata de uma obra exaustiva, nem tem a pretensão de abordar questões
teológicas que podem suscitar discussões entre os especialistas. O Guia oferece os
elementos fundamentais para o trabalho a ser desenvolvido nas comunidades, deixando margem a
ulteriores aprofundamentos, conforme as sugestões bibliográficas que são apresentadas no
final.
Esperamos que esta publicação, lançada no 20° aniversário de "Nostra
Aetate" do Concílio Ecumênico Vaticano II, contribua para o desenvolvimento das
relações fraternas entre católicos e judeus em nossa pátria.
Brasília-DF, 30 de junho de 1986.
† Sinésio Bohn
Bispo Responsável da CNBB pelo Ecumenismo e Diálogo Religioso
Estudos da CNBB – 46
No dia 27 de fevereiro de 1981, por iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil, formou-se pela primeira vez uma Comissão Nacional de Diálogo Religioso
Católico-judaico. A Comissão se reúne mensalmente em São Paulo, com cinco porta-vozes
ativos de cada lado.
Em 1982, a pedido da CNBB, elaboramos um esboço contendo "Orientações para a
Igreja Católica no Brasil em seu Relacionamento com os Judeus". Foi com base nesse
esboço que a Comissão elaborou um documento final que, aprovado, foi publicado no
Comunicado Mensal da CNBB, em outubro de 1983. Entre outros pontos, as Orientações
destacam a necessidade de um "diálogo inspirado por sadio desejo de conhecimento
recíproco e mutua compreensão.
Para facilitar esta mútua compreensão, a Linha 5 da CNBB, de Ecumenismo e Diálogo
Religioso, julgou oportuno que nossa Comissão desenvolvesse um Guia com o propósito de
implementar as orientações e sugestões acima mencionadas, e ajudar os católicos no
Brasil a conhecerem melhor os anseios históricos, religiosos e nacionais do povo judeu.
Este Guia, juntamente com dois outros – Guia ecumênico (recentemente revisado) e o
Guia ecumênico popular (Estudos da CNBB n.° 21 e n.° 28) – constituem os
primeiros de uma série planejada para reforçar o diálogo da Igreja com os não-cristãos.
A importância deste Guia é óbvia. O judaísmo, como berço do cristianismo, é
geralmente desconhecido. Há muitos preconceitos a respeito. E aos olhos de muitos
cristãos, o judeu é alvo de proselitismo. Pior ainda, mesmo depois do lamentável e
horrível Holocausto sofrido pelo povo judeu neste século, continuam movimentos e atitudes
anti-semitas no mundo inteiro.
Nosso texto, longe de pretender ser todo-abrangente, aborda a história do diálogo
inter-religioso, os fundamentos teológicos da fé judaica, as correntes ideológicas no
judaísmo contemporâneo, a catequese católica em relação aos judeus, os meios de
promover a aproximação, o assunto dos casamentos mistos, questões sociais de interesse
mútuo e o momento histórico que atualmente o país está vivendo. Foi também incluída
uma bibliografia, como incentivo para estudos mais aprofundados.
Vinte anos atrás, os bispos da Igreja Católica Romana, reunidos no Concílio Ecumênico
Vaticano II, repudiaram a acusação de deicídio contra os judeus e condenaram formalmente
o anti-semitismo. Sua declaração histórica, "Nostra Aetate", n. 4, afirmava:
"A Igreja (...) deplora os ódios, as perseguições, as manifestações anti-semitas
dirigidas contra os judeus em qualquer época e por qualquer pessoa". Um registro
valioso dos passos que levaram à promulgação deste documento está contido em Os
protocolos do Concílio Vaticano II: sobre os judeus da autoria do Padre Humberto Porto.
Desde o Concílio Ecumênico Vaticano II, as barreiras de desconfiança mútua foram
gradativamente se dissolvendo. De 1965 até hoje, estabeleceram-se mais contatos positivos
do que em todos os 1900 anos anteriores. O papa João Paulo II, em recente encontro com uma
delegação judaica, declarou: "Estou convencido – e fico feliz por afirmar isto –
de que as relações entre judeus e católicos melhoraram radicalmente nestes últimos anos.
Onde havia ignorância, e portanto preconceito, hoje há crescente estima e respeito
recíproco".
Somos todos herdeiros do Vaticano II. O Concílio alterou irreversivelmente a maneira
pela qual nos enxergamos uns aos outros. Publicamos este Guia em comemoração ao 20°
aniversário de "Nostra Aetate", conscientes dos resultados positivos alcançados
nestas duas décadas e determinados a prosseguir a caminhada rumo a um futuro de
fraternidade, harmonia e paz.
Comissão Nacional de Diálogo Religioso Católico-judaico
Povo
Os termos "hebreu", "israelita" e "judeu" têm sido usados
historicamente como sinônimos. A Bíblia se refere a Abraão como `Ivri (hebreu),
porque ele migrou do outro lado (da margem leste) do rio Eufrates, e "`ivri"
significa literalmente "do outro lado". Israel, também chamado Jacob, era o neto
de Abraão. Seus descendentes passaram a ser conhecidos como "filhos de Israel",
ou "israelitas". A palavra "judeu" deriva de Judá, a maior das Doze
Tribos que habitavam a região. E assim, o povo é chamado até hoje de "judeu";
sua fé – judaísmo; seu idioma – hebreu ou hebraico; e sua terra – Israel.
Esse povo, Israel, teve início como uma família, a família de Abraão, o Hebreu, que
viveu aproximadamente 3800 anos atrás. O credo monoteísta adotado por Abraão e a
"Aliança com Deus" firmada por ele e reafirmada pelos seus descendentes, marcaram
essa família como adeptos de uma nova fé.
À medida que a família foi crescendo em número e novos membros foram se juntando a
ela, aceitando a Toráh, a Lei de Deus, como sua Constituição Divina, e tomando
posse da terra que lhes havia sido prometida pelo Soberano do Universo, essa "família
global" adquiriu as características de uma nação: um povo falando a mesma língua,
habitando uma região geográfica específica, compartilhando memórias comuns e um destino
comum.
Como base em sua origem, os judeus em toda parte consideram-se, até hoje, como membros
de uma grande família. A condição de membro provém da mãe, ou seja, toda criança
nascida de mãe judia pertence automaticamente à família. Porém, a família judaica nunca
se restringiu à hereditariedade biológica. Ela sempre foi aberta a todos. Qualquer
indivíduo que deseja aderir à fé desta família pode ser "adotado" por ela.
Convertendo-se ao judaísmo, ele se torna um "filho de Israel", compartilhando
plenamente a herança e os privilégios da família, bem como seus fardos e tribulações.
Ao aceitar os deveres religiosos do presente e assumir um compromisso espiritual para o
futuro, o convertido se vincula também ao passado coletivo da família judaica.
Apesar da particularidade do povo judeu, o universalismo permeia toda a fé judaica,
refletindo-se em suas formulações teológicas ("Pois minha casa chamar-se-á Casa de
Orações para todos os povos", Isaías 56,7; "O Senhor torne esta mulher
que entra em tua casa [Rute, a moabita] semelhante a Raquel e a Léa, que fundaram a Casa de
Israel", Rute 4,11; "Para que se conheçam na terra os seus caminhos e em
todas as nações a sua salvação", Salmos 72,17). Embora, devido às
contingências históricas, este universalismo nem sempre possa ter sido sublinhado, a
família judaica continua tendo um caráter universal, que se evidencia na própria
diversidade étnica e cultural dos seus adeptos. Existem judeus de toda espécie, brancos e
negros, orientais e ocidentais, falando uma infinidade de idiomas diferentes.
Mesmo assim, os judeus se consideram verdadeiros irmãos, unidos por fortes laços de
afinidade, talvez mais místicos do que racionais. Os historiadores e sociólogos nunca
conseguiram encaixar os judeus em nenhuma das categorias convencionais. Os judeus obviamente
não constituem uma raça, pois raça é uma designação biológica; eles não são apenas
adeptos de uma religião, embora certamente o sejam; eles não são apenas uma nação,
embora também o sejam. O problema é geralmente resolvido através do termo
"povo".
Mesmo sendo um povo pequeno, os judeus nunca se afastaram da civilização. Pelo
contrário, a história judaica está interligada com a de todas as nações e impérios do
mundo. E apesar de serem tantas vezes desprezados, rejeitados, oprimidos e perseguidos ao
longo dos séculos, os judeus e o judaísmo desencadearam grandes transformações e
avanços revolucionários nas religiões ocidentais, na Ciência e na Filosofia.
Para que um povo numericamente insignificante tenha persistido tanto tempo no cenário da
história universal, sobrevivendo a tantas tentativas de aniquilamento, deve haver algo de
diferente ou especial. O judeu acredita que este "algo especial" é a Aliança
entre Israel e Deus. De acordo com a Bíblia, "Deus escolheu o povo judeu dentre todos
os povos da terra". O judeu aceita este status com humildade e gratidão,
consciente de que tal distinção traz consigo uma enorme responsabilidade. Se os judeus
foram escolhidos, é também porque escolheram servir a Deus. E o serviço a Deus assume
diversas formas: estudar a Torá, observar fielmente os mandamentos, lutar pelos
direitos humanos e por uma sociedade mais justa.
Os judeus acham que a missão divina da qual foram incumbidos constitui a própria razão
da nossa existência. E tal missão não é fazer com que os outros povos se tornem judeus,
mas sim fazer com que todos os povos do mundo, independentemente de suas respectivas
crenças, reconheçam a soberania de Deus e aceitem os valores humanos que nos foram
revelados por ele. "O dever do judeu", disse Eliel Wiesel, "não é fazer
deste mundo um mundo mais judaico. O dever do judeu é fazer deste mundo um mundo mais
humano".
Somente nestes termos os judeus podem encontrar uma explicação plausível para a
sobrevivência do povo judeu diante de tantos obstáculos e ameaças à sua própria
existência. E é nestes termos que conseguem descobrir o sentido mais profundo da história
do povo de Israel : seu sofrimento, sua dispersão, suas realizações, sua força moral e
seu retorno a Sion.
Terra
O vínculo entre o povo judeu e a terra de Israel nasceu na época de Abraão, quando
Deus prometeu o território de Canaã ao Patriarca e seus descendentes, conforme relata o
Livro do Gênese.
O êxodo dos israelitas do Egito, após um longo período de escravidão e opressão, e
sua jornada até a Terra Prometida constituem o cumprimento histórico da Promessa Divina.
Somente no solo de Israel, no local escolhido por Deus (o monte Moriá em Jerusalém),
poderia ser construído o Santuário permanente do povo judeu; somente no solo de Israel os
judeus poderiam realizar plenamente seu potencial como povo; somente no solo de Israel
poderia se concretizar a promessa de Deus – desde que os filhos de Israel se mostrassem
dignos das bênçãos divinas, obedecendo fielmente aos mandamentos e mantendo-se leais ao
Pacto com Deus. Atendendo ao chamado divino, tornando-se um "Povo Santo", sua
terra seria então uma "Terra Santa".
Após estabelecerem-se pela primeira vez na terra de Canaã há 3200 anos, os israelitas
foram repetidamente subjugados por invasores. No século VI antes da Era Comum, os
babilônios destruíram o Primeiro Templo e exilaram a maior parte dos judeus. No ano 70 da
Era Comum, quando os israelitas já haviam voltado e reconstruído seu Santuário, o Segundo
Templo foi destruído pelos romanos, e novamente os judeus foram dispersos pelo mundo afora.
Foi então que começou a Diáspora.
Entretanto, onde quer que estivessem, os judeus nunca abandonaram a esperança de
regressar à sua terra e restabelecer sua independência como nação. Não passava um dia
sem que a Terra Santa estivesse presente em seus pensamentos, em seus sonhos, em suas
orações. Através dos séculos, a terra foi conquistada sucessivamente pelos bizantinos,
pelos árabes, pelos cruzados, pelos turcos e, finalmente, pelo exército britânico durante
a Primeira Guerra Mundial.
Ao longo de todo esse tempo, alguns judeus às vezes voltavam individualmente à Terra
Santa. Porém, uma campanha organizada visando um retorno em massa e o restabelecimento do
Estado Judeu só começou a tomar forma no fim do século XIX. A essa campanha deu-se o nome
de Sionismo: um movimento pela libertação nacional e pela cristalização da identidade
nacional de um povo obrigado durante tantos séculos, a migrar de país em país.
Embora nem todos os judeus tenham participado ativamente desse movimento, todo judeu
sempre esteve voltado para o ideal de Sion. Neste sentido, todo judeu sempre foi, e continua
sendo, um sionista. Porque o anseio de retomar a Sion e reconstruir Jerusalém está
inextricavelmente incorporado à fé judaica. Não se trata apenas de um desejo
nacionalista, mas sim de um sentimento profundamente religioso, que traz consigo a
perspectiva de uma futura era messiânica, uma era de paz para Israel e para toda a
humanidade.
Bem, se o retorno à Terra Santa é parte essencial de todas as nossas rezas e rituais,
se no dia mais sagrado do calendário judaico, Yom Kipur, o Dia do Perdão,
terminamos nossas preces clamando "No ano vindouro em Jerusalém!" – não é de
se estranhar o impacto emocional causado pela reconstrução do Estado de Israel e o
restabelecimento de sua capital única e indivisível em Jerusalém. Mesmo para os judeus da
Diáspora, que estão plenamente integrados na vida de suas respectivas pátrias e são
totalmente leais a elas, a identificação espiritual com a causa de Israel é uma realidade
constante e inabalável.
Israel é hoje uma nação dentro das mais nobres tradições democráticas. Uma nação
que apresenta a marca inconfundível dos valores judaicos e da cultura judaica, garantindo
ao mesmo tempo plena liberdade e igualdade de direitos a todos os seus cidadãos
muçulmanos, cristãos, ou de qualquer outro credo. Uma nação na qual se refugiaram quase
um milhão de judeus europeus, sobreviventes do Holocausto nazista, e mais de meio milhão
de judeus vindos de países árabes, onde a vida se tornou intolerável para eles: Egito,
Síria, Iraque, Argélia, Marrocos e Tunísia. Ainda hoje existem países onde as minorias
judaicas sofrem discriminações e são proibidas de emigrar. Só nos resta esperar que
todas as comunidades oprimidas conquistem em breve sua liberdade, comunidades judaicas e
não-judaicas.
Que outra nação no mundo contemporâneo fala o mesmo idioma, professa a mesma fé e
habita a mesma região de 3000 anos atrás? Não é difícil entender o apego emocional dos
judeus à terra de Israel. É uma terra que lhes pertence não só por direito, mas, acima
de tudo, porque constitui a concretização de uma profecia bíblica que é o esteio da
história, da lei e da fé judaica.
Fé
Nenhum ensaio sobre o povo judeu seria completo sem algumas considerações sobre Deus,
sobre o conceito judaico de Deus.
"Escuta, ó Israel, o Eterno é nosso Deus, o Eterno é Único" (Deuteronômio
6,4). Com estas palavras, nós, judeus, declaramos nossa fé na existência de um Deus
Único e Indivisível, Criador do universo e de tudo. que nele existe. Numa ruptura radical
com o politeísmo e a idolatria de sua época, Abraão, o Hebreu, foi o primeiro a expressar
efetivamente esse credo monoteísta, tornando-se assim o Patriarca da fé judaica.
Não que Abraão tenha sido o primeiro ser humano a conscientizar-se dessa verdade
espiritual. Segundo os pesquisadores, outros indivíduos antes dele já haviam manifestado
uma crença semelhante. Porém, Abraão é considerado o fundador do monoteísmo porque, ao
contrário dos anteriores – cujo monoteísmo foi um grande oásis num deserto espiritual,
que se ressecou e desapareceu com sua morte –, Abraão dedicou o resto dos seus dias à
propagação dessa fé. Ele a transmitiu ao seu filho Isaac; e Isaac por sua vez a
transmitiu ao seu filho Jacó (Israel); e este aos seus doze filhos, chefes das Doze Tribos;
e daí em diante o monoteísmo ingressou na corrente da história de Israel e de toda a
humanidade.
A aceitação da existência de Deus é uma questão de fé. Deus é infinito e o homem
é finito. Declaramos com fervor nossa fé num Ser Supremo, qualitativa e quantitativamente
Único, porque sentimos sua presença na ordem do universo, no milagre da própria vida. Os
avanços tecnológicos do homem e sua crescente capacidade de dominar o mundo físico, longe
de gerarem em nós alguma dúvida quanto ao papel divino, aumentam ainda mais a nossa fé.
Porque, no fundo, todas estas conquistas humanas são provas das múltiplas bênçãos
dispensadas pelo Criador às suas criaturas. E não importa o quanto possa ser explicado
cientificamente, chega um ponto em que nos deparamos com o mistério. Nas palavras de
Abraham Joshua Heschel: "Este Mistério é Deus: impenetrável e indefinível".
Nas premissas fundamentais da teologia judaica – isto é, que Deus existe, que ele
criou o mundo, que ele se revelou aos filhos de Israel e a toda a humanidade no monte Sinai
– embora pertençam a uma esfera espiritual e seus mecanismos sejam desconhecidos, não
há nada que possa ser qualificado de irracional. Na formulação do judaísmo, razão e fé
não são antagônicas, mas sim, complementam-se mutuamente. Uma preenche as limitações da
outra.
Segundo a concepção judaica, Deus não tem atributos físicos. As expressões bíblicas
"a face de Deus", "a mão de Deus", "o olhar de Deus" são
termos usados simbolicamente para traduzir numa linguagem assimilável pelo homem, aquilo
que está além da nossa compreensão ("antropomorfismo"). São os atributos
espirituais de Deus – sua justiça, sua bondade, sua misericórdia, sua compaixão, seu
amor – que o caracterizam como Soberano do Universo, e nos estimulam a seguir uma conduta
ética e moral digna daquele a cuja imagem fomos criados.
A fé judaica não termina com a Criação. É aí que ela começa. Ela reconhece que
Deus continua a desempenhar um papel no universo que ele criou, orientando o comportamento
de suas criaturas.
No cerne da doutrina judaica está a Revelação de Deus e a promulgação dos seus
mandamentos no monte Sinai, após o êxodo dos israelitas do cativeiro no Egito. As leis de
Deus estão expressas na Torá, escrita por Moisés sob inspiração divina. Além do
Pentateuco (os cinco Livros de Moisés), a vontade de Deus se manifestou também através da
Lei oral revelada a Moisés e comunicada verbalmente por ele aos líderes religiosos do povo
de Israel. Esta "Torá oral" que esclarece e interpreta os mandamentos
contidos na "Torá escrita", foi transmitida de geração em geração até
o século II da Era Comum, quando foi compilada e codificada, sendo mais tarde incorporada
no Talmud. Num sentido mais amplo, o termo "Torá" inclui também os
livros dos Profetas, os Provérbios, os Salmos, o conjunto das Escrituras Sagradas e a vasta
literatura rabínica.
Embora a Torá se dirija principalmente aos filhos de Israel, ela contém
diretrizes para todos os homens, de todos os credos. As leis rituais, relacionadas com a
prática religiosa, constituem apenas uma parcela dos seus preceitos. Os mandamentos da Torá,
suas regras e estatutos, abrangem todos os aspectos da vida e do comportamento humano,
especialmente a ética e a moralidade. São leis "vivas" constantemente
reinterpretadas e atualizadas em função do mundo contemporâneo.
A Toráh é a constituição do povo judeu. É o alicerce da fé judaica. É o que
torna o judeu verdadeiramente judeu.
Israel: Povo, Terra e Fé. Uma filosofia existencial de vida, que exige a perfeição
ética de cada um de nós.
Correntes ideológicas
O judaísmo ortodoxo baseia-se na imutabilidade da Halakáh, a lei
judaica. Uma lei que é divina em origem e conteúdo. O judaísmo reformista
fundamenta-se na mudança. Seu próprio nome implica um judaísmo em desenvolvimento,
progressivo e dinâmico. Mais um processo do que um programa, mais uma abordagem do que um
credo ou dogma. É a transformação da forma visando o objetivo maior de preservar o
conteúdo. O judaísmo conservador procura ser um meio-termo entre os dois. Vivendo
com o passado, mas não no passado. Halakáh como ponto de partida, com a
abertura necessária que possibilita sua aplicação no mundo contemporâneo.
No fundo, trata-se apenas de enfoques diferentes. Nada mais. Não devemos nunca esquecer
que existe um único judaísmo, com diversas interpretações.
No Brasil, os movimentos reformista e conservador caem dentro de uma mesma categoria mais
abrangente, denominada "liberal" ou "progressista". Quando falamos em
judaísmo progressista, não estamos nos referindo a um novo tipo de judaísmo, mas sim a
uma interpretação que reconhece e ressalta o caráter dinâmico da religião judaica. A
corrente progressista dá uma ênfase maior àquela característica que é inerente ao
judaísmo em geral: o princípio da progressão gradativa nos conceitos e nas formas da
religião judaica. Mesmo assim, o judaísmo liberal tem suas raízes no passado e reconhece
plenamente a validade e a dignidade da milenar tradição judaica.
Na verdade, a tradição judaica sempre foi interpretativa e progressista. Houve apenas
um período entre os séculos XV e XVIII, quando se tentou "congelar" o judaísmo.
A lei judaica foi então codificada no Shulehan Aruk, tornando-se
rígida. Ser judeu era seguir aquilo que estava escrito nos livros.
Quando teve início a emancipação judaica, no século XIX, e os judeus começaram a
sair do gueto, essa tradição inflexível deixou de satisfazê-los. Foi então que um grupo
de judeus, inicialmente liderados por leigos, resolveu que estava na hora de
"descongelar" a tradição. Este foi o princípio do movimento reformista.
Essa idéia de adaptar o judaísmo às necessidades contemporâneas não era nada de novo
para o povo judeu. Controvérsias entre escolas "conservadoras" e
"inovadores" já existiam desde os primórdios da nossa história. E, em todos os
casos, o princípio predominante era sempre a liberdade de interpretação. Na verdade,
nenhuma forma de judaísmo, em nossos dias, segue exatamente as leis conforme constam na Torá.
Os ortodoxos interpretam o judaísmo de um modo; os liberais interpretam de outro.
O movimento progressista reafirma o direito e o dever de acelerar o processo de
transformação sempre que ela se fizer necessária. Se determinados costumes e práticas
deixaram de ser significativos, eles não têm mais razão de ser, e agarrar-se a eles
mecanicamente é pôr em perigo a própria sobrevivência do judaísmo.
Os liberais insistem em que as alterações na Lei sejam feitas por aquela geração que
sente necessidade delas, ao invés de esperar décadas ou séculos até que ocorra alguma
modificação perceptível. As gerações de hoje podem e devem manter o judaísmo vivo,
atualizando-o e adaptando-o às necessidades espirituais dos nossos dias. É perfeitamente
possível ser judeu autenticamente religioso no Brasil, por exemplo, sem ser forçado a se
enquadrar em moldes religiosos antiquados.
Os movimentos liberais – no Brasil em particular e na Diáspora em geral –
proporcionam a milhares de judeus a possibilidade de preservar sua condição religiosa
judaica sem ter que observar rigorosamente as minúcias da prática ortodoxa. Neste sentido,
as correntes liberais tentam fazer uma contribuição vital à sobrevivência do judaísmo.
Muitas das inovações introduzidas na sinagoga pelo movimento reformista europeu e
norte-americano foram aos poucos sendo adotadas pelas congregações liberais no Brasil: o
uso de instrumentos musicais e coros para acompanhar o serviço religioso; e recitação de
várias orações em vez do hebraico original; e a prédica semanal.
É importante observar que todas estas inovações são no campo do ritual e da liturgia.
Nos pontos fundamentais do judaísmo, entretanto, existe muito pouca divergência real entre
ortodoxos e liberais. Todos os judeus religiosos, sejam eles ortodoxos ou liberais, aceitam
os conceitos tradicionais sobre Deus, o papel do homem no esquema divino, o papel do Povo de
Israel na História, a importância e centralidade da sinagoga na vida judaica. Todos os
judeus religiosos compartilham os mesmos valores éticos, todos têm o mesmo Shabat e
os mesmos feriados.
O judaísmo liberal não é uma desculpa para sair do judaísmo, é um esforço para
entrar. O judeu que não se prende à Halakáh, à lei judaica, tem que lutar
para definir sua própria condição judaica. A ortodoxia pode ser fácil quando o
indivíduo obedece cegamente às regras do judaísmo sem questionar. O judeu liberal, por
outro lado, tem que optar entre várias alternativas, e muitas vezes tais opções não são
nada fáceis! Um judeu progressista esclarecido e consciente não santifica o passado
simplesmente por ser o passado; ele tenta tomar a tradição significativa no mundo de hoje.
Dentro de cada área da observância judaica, ele tem a responsabilidade de analisar as
exigências da tradição judaica e exercer sua autonomia, aceitando ou rejeitando com base
nos seus próprios conhecimentos e no seu compromisso individual.
Por exemplo, os fundadores do movimento reformista consideravam desnecessário seguir Kashrut,
as leis alimentares bíblicas, porque – segundo eles – essas normas haviam sido
estabelecidas em outra época, sob influência totalmente estranha ao contexto social e
espiritual do período da Reforma. Hoje, entretanto, um número crescente de judeus liberais
no Brasil está observando a Kashrut por razões de identificação judaica.
Trata-se, porém, de uma escolha pessoal e não de uma imposição legal.
Quanto à Shabat, a maioria dos judeus progressistas não obedece as prescrições
legais referentes ao dia do descanso. Para eles, observar o Shabat significa
torná-lo um dia especial, diferente dos outros dias da semana: acendendo velas, recitando a
bênção sobre o vinho (Qidush), servindo o pão especial (Haláh),
reunindo a família para uma refeição festiva, assistindo aos serviços religiosos
sexta-feira à noite e/ou sábado de manhã.
Em resumo: o judaísmo liberal não é uma espécie diferente de judaísmo. É judaísmo:
histórico, clássico, tradicional – porém determinado a se manter sempre contemporâneo,
determinado a inspirar o povo judeu a cumprir sua missão como "uma luz para as
nações", um modelo de comportamento ético, um parceiro de Deus na construção de um
mundo melhor. Aquilo que em hebraico chama-se tiqqún `olám, o aperfeiçoamento da
obra da criação.
Os antigos profetas de Israel jamais esconderam o fato de que se preocupavam menos com
cerimônias e rituais, e muito mais com a proteção aos fracos, aos pobres, aos
desamparados, aos oprimidos. Para eles, a maior prova de fé era a ação. E este é o
enfoque do judaísmo, seja ele liberal ou ortodoxo: contribuir judaicamente para a criação
de uma sociedade mais digna, mais justa, mais humana.
3. FESTAS E TRADIÇÕES JUDAICAS
Existe um quadro litúrgico de festas que determina a vida religiosa oficial do
judaísmo.
O nome genérico das grandes festas religiosas judaicas é hag, que
etimologicamente é sinônimo do árabe hagg que designa a peregrinação a Meca.
Percorrendo o Pentateuco constatamos a existência de umas cinco listas de festas anuais de
cronologia variada, passíveis de serem reconstituídas em sua evolução, graças às
características preservadas.
Em geral, todas as festas são agrícolas, provavelmente herdadas do cananeu, e refletem
a situação de Israel na terra de Canaã. O mais antigo calendário se encontra no Código
da Aliança (Ex 23,14-17). O javista da aliança sinaítica (Ex 34,18-23) coincide grosso
modo com o anterior e fornece a mesma série de três festas de peregrinação, mas denomina
a segunda de festa das Semanas (Hag Shabuôt). O calendário
deuteronômico é mais detalhado (Dt 16,1-17), dando prioridade à do Êxodo, em que se
imola o cordeiro. No calendário do Código de Santidade (Lv 23), há indícios claros da
maneira babilônica de contar os meses e uma enumeração mais ampla das festas.
No judaísmo, os dias sagrados iniciam-se com o Rosh Ha-Shaná, que é também o
começo do ano judaico.
Rosh Ha-Shanáh – Como "cabeça do ano", é a festa celebrada nos dias
1° e 2° de Tishri: dias em que, segundo a tradição, o mundo foi criado. Os outros
nomes de Rosh Ha-Shanáh são: Yom Hazikaron (dia da lembrança), Yom
Teruáh (dia do toque do shofar), Yom ha-din (dia do julgamento). Festa
essencialmente religiosa. Celebra-se exclusivamente na sinagoga. Como para as outras magnas
datas, as orações estão compiladas no mahazor (livro de orações).
Representa um dos dois dias santos mais sagrados da fé judaica e dá início aos Dez Dias
de Penitência quando "a humanidade se submete a julgamento perante o trono
celestial". Durante esse período, afirma a tradição, Deus perscruta os corações
dos homens e examina os motivos de seus atos. É também o período em que os judeus se
julgam a si mesmos, comparando seu procedimento durante o ano findo com as resoluções
tomadas e as esperanças que haviam acalentado. No moderno Israel, celebra-se o Rosh
Ha-Shaná durante um único dia: os ortodoxos continuam a observar dois dias igualmente
santificados, conforme o costume mantido desde o primeiro século. A exemplo de quase todos
os demais dias santos do judaísmo, as observâncias do Rosh Ha-Shaná incluem certa
mistura de solenidade e festividade. O Ano Novo é uma época para reunião do clã, quando
tanto os jovens como os anciãos voltam ao lar. O esplendor do seu ritual cria laços
emocionais com o judaísmo até nas crianças pequenas demais para compreenderem e
apreciarem plenamente a ética da fé; nos anos seguintes a mente reforça esses laços do
espírito e do coração. O símbolo mais importante das práticas do Rosh Ha-Shanáh
é o shofar, ou chifre de carneiro, que se faz soar durante o culto no Ano Novo e em
cada um dos dez dias de penitência. Em tempos idos, o shofar era instrumento de
comunicação. Das colinas da Judéia era possível alcançar todo o país em poucos
momentos por meio de apelos de shofar correndo do cume de um monte para outro. Nos
ofícios do Rosh Ha-Shanáh o shofar é o chamado para a adoração. Conclama
os fiéis a se arrependerem de suas faltas do ano decorrido; a voltarem a Deus com o
espírito contrito e humilde, e a distinguirem entre o trivial e o importante na vida, de
modo que os doze meses seguintes possam ser mais ricos de serviços a Deus e aos outros.
Yom Kipur – Dia do Perdão. Festa máxima dos judeus. Data de jejum absoluto. É
o dia do perdão e da purificação: esquecimento dos erros e extirpação das impurezas da
alma. Não se trata unicamente do perdão divino, invocado mediante a confissão das faltas
e as práticas de abstinência, mas também do perdão humano, que exige o desprendimento da
vaidade e contribui para a elevação moral. Rancores e ressentimento são expulsos da alma.
À chegada de Yom Kipur, cada judeu deve estender a seu inimigo uma mão de
reconciliação, deve esquecer as ofensas recebidas e desculpar-se por aquelas feitas aos
outros. Livre de todas as suas impurezas físicas e morais, deve comparecer o indivíduo
diante do tribunal de Deus. Desde a refeição que a precede, servida antes do pôr-do-sol,
até o fim da festa, o judeu se abstém de qualquer alimento ou bebida. Este jejum é
interpretado não somente como evasão do terreno, mas como prova de força de vontade sobre
os apetites materiais, que tantas vezes conduzem ao erro. Por último, o jejum faz sentir na
própria carne os padecimentos dos que por falta de meios sofrem de fome e sede.
Peçah – É a festa judaica da Páscoa. Celebra-se a lembrança da
libertação dos israelitas da escravidão do Egito, que ocorreu no dia 14 do mês hebraico Niçán,
aproximadamente em 1280 a.C. Desde então a Peçahfoi para o israelita o
aniversário da libertação do jugo da escravidão, a qual devia guiá-lo à libertação
do espírito, à fé, à virtude e para uma vida nobre e sagrada.
Peçah é também considerada festa da primavera, coincidindo a sua data
com a primavera em Israel. Peçah prolonga-se por 8 dias, sendo os seus
primeiros e últimos dias considerados yamim tobim, ou seja, "dias
festivos".
Shabu`ôt – É considerada uma das festas máximas do judaísmo,
pois comemora a data em que Deus, por intermédio de Moisés, deu ao povo libertado do Egito
os Dez Mandamentos. Da voz que lhes falava no monte Sinai, saíram as palavras mais sábias
que a humanidade jamais ouviu; esses mandamentos foram o elo que manteve a união dos judeus
pelos séculos afora. Em todo o mundo, o Decálogo tem encontrado ressonância e se imposto
como fundamento moral. Os judeus festejam Shabu`ôt com justo orgulho,
porque foram os mensageiros e depositários dos sábios ensinamentos nele contidos. As
palavras "Asher, behar banu mi-col ha-`amim ve-natonah lanu et Toratô"
"Que nos escolheu entre todos os povos e nos deu ela, Sua Toráh", a
bênção da Toráh no Templo, são uma recordação renovada anualmente da sua
missão: salvaguardar, através dos séculos, esse tesouro de ética e sabedoria, que foi
confiado a seu povo. Shabu`ôt chama-se também Hag
Habbikkurím – Festa das Primícias. Esse amálgama do divino (ter recebido a Torá)
e a terra (a festa da colheita), reflete o sentimento da alma judaica: agradecer a Deus pela
lei recebida e pela colheita dos frutos da terra. Na antigüidade, quando se terminava a
colheita de cereais, separavam-se as primícias que eram levadas ao Templo e oferecidas a
Deus em sinal de agradecimento. Numerosos grupos de agricultores de todas as partes do país
marchavam em longas procissões para Jerusalém, acompanhados, em todo o trajeto, por
alegres sons de flautas. Em cestas decoradas com fitas e flores, cada um conduzia sua
oferenda, primícias de trigo, cevada, uvas, figos, romãs, azeitonas e mel, produtos que
davam renome ao solo de Israel. Na Cidade Santa eram acolhidos com cantos de boas-vindas e
penetravam no Templo, onde entregavam seus cestos ao sacerdote, findando a cerimônia ao som
de hinos e toques das harpas. Com o restabelecimento do Estado de Israel, Shabu`ôt
readquiriu seu caráter de festa campestre; hoje, como ontem, a vida lá gira em redor do
cultivo da terra; o judeu voltou à sua inerente predileção pelos trabalhos agrícolas.
Sukkôt – É a festa das tendas. Celebra-se, habitando durante 8 dias, em
cabanas em que os israelitas viveram desde a saída do Egito até a conquista da Palestina.
Chamou-se também de Hag ha-açíf (festa da Colheita) ou simplesmente Hag.
Primeiramente Sukkôt era uma festa agrícola rural. Sukkôt marcava o final
da colheita das frutas. Era também a festa da peregrinação. É um acontecimento alegre e
feliz, cheio de símbolos ricos e coloridos; e especialmente atraente para as crianças, às
quais obviamente se destina. Ergue-se uma tenda ou cabana (sukkáh) perto da casa. Em
geral, é uma estrutura improvisada, de tábuas de madeira, com teto de folhas e ramos. O
teto não deve ser compacto, pois os que se acham dentro da sukkáh devem poder ver o
céu o tempo todo. A construção de uma tenda é prescrita na Bíblia, como eterna
lembrança das habitações precárias utilizadas pelos israelitas em seus quarenta anos de
peregrinação através do deserto. O interior da sukkáh é alegremente decorado com
frutas da estação outonal, e mobiliado com mesa e cadeiras. Durante a semana de Sukkôt
a refeição é servida na sukkáh.
A principal oração judaica é o Shemá` (hebr. Ouve!) considerada como a
expressão clássica do monoteísmo e a proclamação de fé dos israelitas. Todos os
israelitas devem recitá-lo, conforme se acha prescrito no ritual, todos os dias, pela
manhã e à noite. As primeiras palavras que a criança deve aprender a pronunciar são: Shemá`
Yisraêl (Escuta, Israel). "As palavras do Shemá` Yisraêl, diz o Talmud,
não são dirigidas aos ouvidos, mas ao coração".
Para os judeus, a lei oral não podia ser escrita e o ensino era ministrado somente por
transmissão oral, por "repetição". Daí a designação da Mishnáh como
"segunda Lei", coincidindo com a tradução grega e latina dos vocábulos deuterosis.
Mishnáh deriva do verbo shanó (= estudar), e ao mesmo tempo do numeral shnaïm
(= dois). Como parte constitutiva do Talmud, é a Mishnáh o conjunto das
decisões, doutrinas e leis religiosas que tem como base a Torá e que, por sua vez,
serve como base para a Guemará. Assim como a Bíblia é o objeto da Mishnáh,
essa é o objeto para a interpretação talmúdica – a Guemará. A Mishnáh
divide-se em seis partes: Zera`im (grão) trata do homem e da terra; Mo`êd
(festas); Nashím (família); Neziqim (relação entre os homens); Qodashim
(cerimônias religiosas) e Teharôt (leis e proibições). A Mishnáh
constitui a base do Talmud. É um informe das sentenças proferidas por uma linha de
analistas e juizes. Abrange um período de quase 400 anos. Rabi Judá, o Príncipe, abastado
sábio da Palestina, compilou a Mishnáh.
Todos os judeus incorporam-se à comunidade mediante o rito da circuncisão que é
o símbolo, a prova e a condição para entrar na aliança que o Eterno estabeleceu com o
primeiro patriarca Abraão. Assim está comprometido com um pacto indissolúvel com seu
Deus, com a virtude e o dever. O ato da Miláh é cercado por ambiente de extremo
respeito ao qual assistem somente os homens presentes à festa. A criança é introduzida na
sala de cerimônia pelo kvater (padrinho) sob as exclamações "Baruk
ha-bá" (Bendito seja quem chegou). É então passado de mão em mão até o pai, o
Sandaq (síndico) em cujas mãos se realiza a operação. Terminada a mesma, recita o
pai a oração de graças por ter cumprido essa mitsváh e a criança e os pais são
então saudados por toda uma série de bênçãos características, que é realmente enorme
e que a tradição judaica acumulou por séculos. A cerimônia termina com o ato de molhar
os lábios do bebê com vinho ou cerveja, após o que é servida a Se`udat mitsváh,
o banquete do Mandamento Cumprido. O nome do menino é dado na cerimônia.
A admissão oficial e consciente no povo judeu se faz mediante o rito da bar mitzváh.
O jovem judeu ao atingir a idade de 13 anos converte-se em bar mitzváh, isto é,
sujeito ao mandamento. Isso quer dizer que deve praticar os mandamentos divinos, tomando-se
responsável pelos seus atos. Até então cabia ao pai ou tutor toda a responsabilidade dos
atos bons ou maus praticados pelo seu filho. A partir deste momento a responsabilidade é
exclusivamente do jovem que agora passa a integrar a comunidade, como um adulto no sentido
do cumprimento das Mitzvot (mandamentos). Estes 613 mandamentos fundamentais
representam a estrutura de toda a moral judaica, estabelecendo normas de conduta em todos os
momentos de vida do homem, quer nas suas relações com os seus semelhantes, quer nas suas
relações com o Todo-poderoso. Ao lado desta responsabilidade moral adquire o Bar-Mitzváh
o privilégio do Minyan, isto é, ser um membro do grupo de dez homens, número este
que a lei judaica exige como o mínimo para a realização de qualquer ato religioso de
caráter público. Como membro do Minyan, o Bar-Mitzváh está, então,
sujeito a todos os deveres e obrigações dos seus integrantes adultos. Deve-se assinalar,
entretanto, que a solenidade do Bar-Mitzváh marca apenas o momento inicial da
maturidade física e psíquica do indivíduo e não o momento em que esta se completa. A
partir desta idade, o jovem começa a tomar consciência dos problemas que o cercam e aos
seus semelhantes, marcando, pois, a sua inclusão como membro da sociedade, tomando-se apto
para lutar pelos seus interesses e necessidades. O costume do Bar-Mitzváh data do
século XVI. A Torá (Antigo Testamento) não o menciona. O Talmud apenas faz
alusão ao fato de os jovens, a partir dos treze anos, começarem a transformar-se em homens
adultos, não estabelecendo porém, normas nem a idade exata para o acontecimento. A
primeira referência escrita sobre a sua celebração encontra-se no Código Religioso, de
Ética, Moral e Conduta humanas chamado Shulehan `Arúk compilado em
meados do século XVI por Yosef Karo. Segundo este Código, o primeiro sábado que segue ao
13° aniversário do jovem é o dia de seu Bar-Mitzváh. Durante os meses que
antecedem esta data importante, o jovem aprende as noções fundamentais da História e das
tradições judaicas, as orações e costumes do povo, estudando os princípios que regem a
fé judaica. No sábado da comemoração o jovem recita um capítulo da Torá (Parasháh)
e um capítulo dos Profetas (Haftaráh), com a melodia tradicional apropriada para
estes capítulos. Esta melodia baseia-se numa escala de notas musicais padronizadas para a
leitura em público dos capítulos da Torá e do livro dos Profetas. A cerimônia
religiosa é seguida de uma reunião festiva que é oferecida pela família do Bar-Mitzváh
aos parentes e pessoas mais chegados à família.
Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão, veio "segundo a carne" do povo
de Israel (Rm 9,5) e transmitiu à sua comunidade, a Igreja, as crenças e as tradições
religiosas de seu povo. Por isso, Judaísmo e Igreja têm uma herança espiritual comum.
A figura de Jesus tem sido, infelizmente, um empecilho no relacionamento entre cristãos
e judeus, uma justificativa para exclusão mútua, uma fonte de atrito e ressentimento. É
de fundamental importância para o diálogo cató1ico-judaico que Jesus seja reconhecido
como um elo essencial entre os dois credos.
Jesus era judeu, nascido de mãe judia. Mais ainda, ele se considerava um judeu fiel às
suas origens. Seus ensinamentos derivam das leis e das tradições judaicas com as quais ele
se criou, e que ele jamais negou. Jesus era chamado de "Rabino" e freqüentava o
Templo de Jerusalém, junto com seus discípulos.
A grande maioria dos católicos não tem consciência destes fatos, pois as divergências
posteriores entre Igreja e Sinagoga resultaram num processo de obliteração das origens
judaicas do cristianismo.
A imagem negativa dos fariseus encontrada em muitos textos cristãos produziu entre os
católicos uma visão gravemente distorcida do judaísmo. O debate de Jesus com os fariseus
é um sinal de que ele os levava a sério. A eles Jesus dirigiu suas críticas contra o
"establishment" religioso. Foi com eles que Jesus aprendeu a "regra de
ouro", e deles vem a crença na ressurreição.
Portanto, os conflitos e controvérsias relatados no Novo Testamento devem ser vistos
como discussões entre irmãos, e não como disputas entre inimigos. Ao serem mal
interpretadas, as críticas de Jesus aos fariseus tornaram-se armas nas polêmicas
antijudaicas, e sua intenção original foi deturpada.
A Igreja de Cristo está enraizada na vida e no pensamento do Povo de Israel. Ela se
sustenta nos ensinamentos judaicos dos patriarcas e profetas, reis e sacerdotes, escribas e
rabinos. Jesus é o elo através do qual toda a cristandade passa a ser incluída como
descendente de Abraão, e portanto co-herdeira, juntamente com os judeus, do seu grandioso
legado espiritual.
O problema da crucificação sempre foi um dos assuntos mais explorados em argumentação
contra os judeus. Trechos do evangelho foram sempre citados, para reforçar uma acusação
que hoje em dia é reconhecida como inválida e falsa.
Tentou-se durante os séculos usar o Novo Testamento, e especialmente os evangelhos, para
encontrar frases avulsas, nas quais se baseou o mito do "deicídio".
Vejamos aqui alguns pontos importantes que derrubam este conceito antijudaico, que
durante séculos serviu para acusar os judeus.
Os argumentos válidos, baseados numa objetiva análise de textos evangélicos, de que os
judeus não mataram Jesus, são em resumo os seguintes:
l) não se pode afirmar que os judeus tenham crucificado Jesus, porque tal gênero de
morte não é previsto por nenhuma lei judaica antiga; doutro lado, os evangelhos
especificam claramente que foram os romanos que procederam à execução;
2) não é verdade que os judeus pediram a crucificação, isto é, não foi a
totalidade, nem a maior parte (os evangelhos dizem o contrário); foi uma população
subornada pelos magistrados; enfim, uma pequena fração em relação ao número de
peregrinos da Palestina e da Diáspora; não era, pois, um grupo qualificado para exprimir
os sentimentos e a vontade da população; mais ainda: os discípulos de Emaús atribuem
expressamente aos chefes religiosos a responsabilidade dessa morte;
3) pelo contrário, a quase unanimidade da população acolheu e saudou Jesus em triunfo
quando da sua entrada em Jerusalém; à morte do Senhor, diz Lucas que "multa turba
populi et mulierum" estava com Jesus e batia no peito; o mesmo observa o evangelista
por ocasião da crucificação. Note-se, ao invés, que os discípulos estavam longe;
4) "Jesus foi morto aos gritos do povo judaico!" Repete-se desde há muitos
séculos. Basta consultar os textos evangélicos, para se constatar a instabilidade da
afirmação;
5) analisemos a expressão "seus inimigos, os judeus". Ora, os inimigos só
poderiam ser judeus, pois Jesus também o era segundo a carne, nascido na Judéia, onde
vivia e pregava. Deve-se dizer, a rigor: "seus inimigos, os fariseus e alguns
judeus". De Lincoln também se deve dizer: "seus inimigos, os escravistas", e
não: "seus inimigos, os americanos" . "Os judeus", é expressão
característica do IV Evangelho: indica especialmente os que se opunham a Jesus. Quando foi
composto o Evangelho de são João, já estavam bem definidas e separadas a Sinagoga e a
Igreja, e o vocábulo judeu, menos que designação étnica, indica valor teológico com uma
base histórica: Jo 2,18-20; 5,16-18; 6,41; 7,1-11; 9,22; 10,24-33; 11,8; etc. O IV
Evangelho usa cerca de 70 vezes a designação "os judeus".
6) É notável que são Paulo, comentador eloqüente da Paixão, não acuse seus
compatriotas. Por caridade? Então, por que não lhe seguir o exemplo? Por verdade? Por que
não aceitar o que diz? Para ele, os judeus são povo eleito ainda, mesmo depois da morte de
Jesus; não rejeitou seu povo.
Jesus lê e explica as Escrituras, a Lei de Moisés, os Profetas e os Salmos(Lc
4,16; 24,44)
Judeus e cristãos têm em comum o TaNaK (Torá – Nebiím
– Ketubim), parte da Bíblia comumente chamada de Antigo Testamento. Seu
valor é próprio e perpétuo e contém a Revelação do Deus de Abraão, de Isaac e de
Jacó que é o Deus de Jesus Cristo, dos Apóstolos e da Igreja.
A Igreja primitiva só tinha esta Escritura Sagrada. O Novo Testamento veio em seguida.
Por isso, o Antigo Testamento não pode ser considerado em oposição ao Novo Testamento.
A Bíblia toda é Revelação que convida ao Amor a Deus e ao próximo.
"Ouve ó Israel: o Senhor nosso Deus é o único Senhor" (Dt 6,4;
Mc 12,29)
A proclamação da unicidade de Deus é a fé originária de Israel. Jesus, em seus
diálogos teológicos no evangelho, a indica como o primeiro de todos os mandamentos. O povo
judeu vive desta verdade, a testemunha e a proclama todo dia com a sua existência.
"No princípio Deus criou os céus e a terra" (Gn 1,1)
O Deus único também é o Criador de todas as coisas. É um Deus Pai que provê às
necessidades de seus filhos. Jesus fala do Pai celeste que veste a erva do campo e sabe do
que necessitamos (Mt 6,30s). Esta fé que distingue entre Criador e criatura proibindo toda
divinização do mundo, dos seres viventes e das pessoas, liberta o homem da inquietude e do
medo e estimula para uma fraternidade universal no respeito recíproco.
"Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e
a mulher" (Gn 1,27)
Segundo o ensinamento judaico, quem fere o homem diminui a imagem de Deus. A dignidade
humana, proclamada por Jesus e pela Igreja, é baseada nas primeiras páginas das Escrituras
de Israel: o homem é imagem de Deus. Consequentemente, Jesus proclama o segundo maior
mandamento citando Levítico 19,18: "Amarás a teu próximo como a ti mesmo" (Mc
12,31).
A Aliança entre Deus e o homem
A Aliança é a categoria fundamental do povo de Israel para mostrar a sua ligação com
Deus. É derivada das palavras divinas: "Tu és o meu povo, Eu serei teu Deus". A
Aliança é graça e dever. Os profetas sempre convidaram a não quebrar a Aliança e a
renová-la. A salvação apresenta-se como uma Aliança por meio da qual Deus entra numa
relação definitiva com seu povo e com toda a humanidade. Nesta linha, Jesus fala da sua
morte como sinal de uma nova Aliança. O seu sangue é "o sangue da Aliança que é
derramado por muitos" (Mc 14,24).
A prática dos mandamentos
O que preocupa Israel é uma vida vivida segundo os mandamentos de Deus. São os
mandamentos que regulam o dia-a-dia do judeu frente a Deus. A prática dos mandamentos é o
ato pelo qual o judeu coopera com Deus na construção do mundo.
Jesus confirma o valor dos mandamentos e deixa a sua interpretação da Lei de Moisés.
Judeus e cristãos aceitam a centralidade dos "Dez Mandamentos" que estabelecem as
normas para a consciência de todos os homens.
A esperança messiânica
Típica da fé de Israel, a esperança messiânica está presente em todos os momentos da
experiência religiosa do judaísmo. Os profetas anunciavam de vários modos os tempos
messiânicos e a vinda do Messias que os cristãos vêem realizada em Jesus de Nazaré.
Judeus e cristãos continuam unidos no esforço de concretização da plenitude dos
tempos messiânicos, ambos esperando, cada um a seu modo, a realização das promessas
divinas.
A oração
O judaísmo reza, suplica e louva a Deus. É no interior da tradição judaica que Jesus
aprende a rezar. Sua oração como conteúdo e como prática é judia. Bíblia e Sidur
(= livro de oração comunitária) contêm o tesouro da oração do judaísmo compartilhado
pela Igreja no uso dos Salmos e das bênçãos. O conteúdo do "Pai-nosso"
expressa os pedidos constantemente presentes nas orações judaicas: a santificação do
Nome divino, o pão de cada dia, a vinda do Reino messiânico, o cumprimento da vontade de
Deus, o perdão dos pecados, a proteção de Deus nas tentações. Totalmente enraizados na
tradição judaica são também os dois mais famosos cânticos do Novo Testamento: o
Benedictus e o Magnificat.
Frente ao Deus vivo, judeus e cristãos assumem a mesma postura: procuram o retorno a
Deus, obedecem â Palavra revelada, vivem no respeito, no amor e no louvor a Deus.
"Estando próxima a Páscoa dos judeus, Jesus subiu a Jerusalém"
(Jo 2,13)
Ao patrimônio religioso de Israel pertencem todos os acontecimentos por meio dos quais a
obra salvífica de Deus se tomou história sagrada. Estes acontecimentos, ligados entre si,
constituem a proclamação e a celebração da história do relacionamento de Deus com
Israel e a humanidade, dando origem às festas anuais do judaísmo, às manifestações
religiosas cotidianas e às celebrações das etapas principais da vida de um judeu. Os
evangelistas nos apresentam a vida de Jesus marcada por esta vivência religiosa:
"Quando se completaram os oito dias para a circuncisão do menino foi-lhe dado o nome
de Jesus" (Lc 2,21); "Jesus entrou na sinagoga em dia de sábado, segundo o seu
costume, e levantou-se para ler" (Lc 4,l6).
Assim, com seu nome judeu, circunciso, observante do dia do sábado e das festas de
Israel, assíduo leitor das Sagradas Escrituras, Jesus nos convida a conhecer e respeitar
aquela religião na qual foi educado e que o tornou mestre de muitos povos. Convida-nos
também a destruir o muro da incompreensão entre Sinagoga e Igreja pela herança comum que
nos une e pela tarefa de iluminar os povos que Deus confiou aos judeus e aos cristãos, como
afirmou João Paulo II: "Quem encontra Jesus encontra o judaísmo".
5. HISTÓRIA DAS RELAÇÕES DA IGREIA COM O JUDAÍSMO
A. Da convivência à polêmica
Desde o alvorecer de nossa era até quase o final do século II, o cristianismo só se
manifestava nas estruturas de pensamento e de expressão da tradição judaica. No período
pré-helenístico não conhecia outra fonte de inspiração. Antes que as peculiaridades de
crença e de rito o destacassem do bojo da religião ancestral, aparentava uma seita judaica
análoga a muitas outras. O primeiro passo histórico na direção da autonomia foi a
pregação de Estêvão, chefe do grupo helenista. Com a dispersão do grupo pela Palestina
e regiões vizinhas, desencadeia-se o processo missionário da Igreja, que vai atingir a
bacia inteira do Mediterrâneo.
Mas daquele consórcio inicial resultou uma experiência única e original, a
experiência amalgamadora do judeu-cristianismo, com seus diferentes níveis de
estruturação e influência, que deram lugar à formação de várias modalidades concretas
do fenômeno.
Podemos assinalar os traços principais do meio cultural onde se desenvolveu o
judeu-cristianismo, ramificação da Igreja primitiva, que se caracterizava pela
vinculação à lei ritual.
Três deles merecem aqui menção especial pelo seu significado característico: os
métodos de exegese veterotestamentária, as representações apocalípticas e a
organização do culto.
1. Os métodos de exegese veterotestamentária utilizados pelo judeu-cristianismo, foram
extraídos do judaísmo corrente na época, notadamente o palestinense. Prova disso são os targumim
judeu-cristãos, os midrashim cristãos e os comentários do Gênese.
O primeiro tipo de exegese revela um período bem arcaico do cristianismo. Mais do que a
simples traduções, recorre-se a verdadeiras modificações do texto, fusões, acréscimos
e supressões, evidenciando a presença de um método totalmente desconhecido nos meios
helenísticos.
Aparece o segundo tipo de exegese nas obras cristãs mais antigas. Eram paráfrases do
Antigo Testamento de cor nitidamente judaica.
Ocupam os comentários do Gênese parte considerável das obras exegéticas do
judeu-cristianismo, o que comprova igualmente a importância atribuída na época a
especulação judaica.
2. Em boa parte, a apocalíptica judeu-cristã valeu-se, nas suas representações, de
elementos em voga no judaísmo. Nesta tarefa, serviram-lhe de meio de expressão os dados
cosmológicos. Certos traços, como, por exemplo, os relativos aos anjos e aos demônios,
passaram até para a tradição cristã.
3. De todos os pontos, o da organização do culto foi praticamente o que mais sulcou a
vida da Igreja cristã.
As raízes da primeira liturgia cristã residiam nos costumes cultuais israelitas de
estilo essênio, denotando porém o fundo primitivo da liturgia.
O livro dos Atos dos Apóstolos e os evangelhos deixam transparecer o fato de que a
comunidade dos discípulos de Jesus aparecia como um partido religioso dentro da comunidade
judaica. Era a seita ou o partido dos nazarenos (At 24,5; 24,14; 28,22), a saber, uma
espécie de sinagoga à parte, como as havia então, ou um especial agrupamento doutrinal.
Reunia-se no templo (At 2,46). Guardava, ao menos na forma exterior, o uso dos
sacrifícios judaicos (Mt 5,23). Pagava o tributo do templo (Mt l7,24-27). Submetia-se à
jurisprudência sinagogal (Mc 13,9; Mt 10,17). Sustinha fundamentalmente a lei de Moisés
(Mt 5,17-19). Numa palavra, foram os primeiros cristãos plena e inteiramente membros do
povo de Israel.
Só entrou decisivamente o cristianismo em processo de desprendimento do meio hebreu,
quando começou a se espraiar no mundo helenístico, para além das fronteiras
palestinenses. Pouco a pouco, a partir de então, o judeu-cristianismo cedeu lugar ao
cristianismo da gentilidade. Como era de se esperar, não tardou que daí irrompesse séria
tensão no seio das comunidades existentes.
Existia no judaísmo uma ancestral tradição de fé na eminente intervenção de Deus.
Esperava-se a qualquer momento a irrupção do poder divino e a instauração do seu reino
sobre a terra. É quando se findaria definitivamente o tempo das dominações estrangeiras.
Motivos políticos e religiosos mesclavam-se inextricavelmente nesta acendrada
esperança. No tempo dos Pompeus, já haviam as Odes de Salomão atiçado a chama,
prenunciando a vinda de um rei messiânico. Os dirigentes do povo faziam questão de
alentá-la de todas as maneiras na alma popular. Se nos pormenores as opiniões variam, por
falta de um corpo doutrinário sobre o Messias, num ponto essencial todos se encontravam,
qual seja, o de que os opressores estrangeiros seriam totalmente expulsos e o Deus único
reinaria sobre Israel.
Com o desenvolvimento e a difusão do cristianismo, refluía fatalmente para o centro das
preocupações o problema das suas relações com o judaísmo.
Desde os inícios da evangelização grega, admitiam os judeu-cristãos nas suas
comunidades convertidos pagãos, sem os obrigarem ao rito da circuncisão. Este fato era
interpretado pelo judaísmo como sendo uma verdadeira traição às tradições religiosas.
Tal protesto judeu encontrou eco em alguns cristãos, vindos das seitas farisaicas, que
propugnavam intransigentemente a tese da circuncisão para os gentios. Acendeu-se então o
debate, a que o Concílio de Jerusalém, realizado por volta do ano 49, pôs um ponto final.
Pedro, em nome do Colégio Apostólico, e Tiago, representando o Conselho dos Anciãos,
deliberaram em favor da não-obrigatoriedade do mencionado rito, adstringindo os convertidos
do paganismo tão-somente aos preceitos noáquicos: abstenção de carnes sufocadas, de
carnes imoladas aos ídolos e de fornicação. Paulo via vitoriosa a sua tese. A decisão
apostólica representou um passo de capital importância rumo à cisão judeu-cristã.
Por outro lado, observamos que o nacionalismo judeu atingiu o paroxismo. Dois elementos
particularmente entravam como ingrediente no zelotismo da época: o apego fanático às
observâncias legais e a exasperação da expectativa escatológica. Ao mesmo tempo em que o
farisaísmo batalhava pacificamente pela reforma moral ajustada aos termos da Torá,
aplicava-se, por vez, o zelotismo em incitar o povo à revolução política armada.
Entretanto, de ambos os lados arvorava-se a bandeira da libertação do domínio romano,
qualificado como o inimigo de Deus, com o fito de implantar uma teocracia
político-religiosa.
Ora, para a comunidade judia trabalhada pelo messianismo nacionalista, a recusa da
circuncisão não podia deixar de ganhar interpretação acentuadamente negativa.
Tachavam-na de traição política. Este fato causava gravames para a vida dos cristãos de
origem semita. A pecha de traidores que se lhes imputava expunha-os a uma situação social
totalmente insegura e vexatória. Atestam o livro dos Atos e as epístolas paulinas, de
maneira às vezes patética, a oposição declarada e crescente de grupos judeu-cristãos
aos discípulos de Jesus. Esta oposição, por volta do ano 58, lançou Paulo na prisão, em
Jerusalém, e compeliu-o ao martírio em 67. Unânimes admitem hoje também os historiadores
que a perseguição movida contra Pedro se vinculava ao mesmo clima de exaltação
nacionalista.
O ponto culminante da crise se deu por ocasião da catástrofe da guerra judaica de 66 a
70. Por não se empenharem na sublevação e na luta, foram os judeu-cristãos alvo da mais
acesa animosidade. Premidos de todos os lados, viram-se forçados a se retirarem de
Jerusalém para a Jordânia oriental, espalhando-se pela zona fronteiriça síria. À frente
deles encontrava-se Simeão, primo de Jesus, que sucedera a Tiago na sede de Jerusalém.
Consuma-se a ruptura. Dessolidariza-se a Igreja do destino nacional de Israel. Deixa a
Cidade Santa de ser o centro da cristandade nascente, que rompe sociologicamente com o meio
judaico.
Em 70, Tito invade Jerusalém, massacra a população e arrasa o templo. Perde o
judaísmo, a par de sua autonomia administrativa, o seu centro de culto, o templo, coração
da vida religiosa de Israel e símbolo da unicidade de Deus. Após a invasão, converte-se o
tributo do templo em contribuição para Júpiter Capitolino em Roma.
Com o término da guerra, esteve a reorganização do judaísmo a cargo dos doutores
fariseus. Ao tempo em que esta tradição se desdobrava para guardar ciosamente o legado do
passado, ia também passando por um certo endurecimento que se constatava na atitude entre
cristãos e judeus. Reorganizado, mostrou-se o judaísmo mais intolerante. No ano 85,
ordenou o rabi Gamaliel II que se introduzisse na oração oficial (Amidá) uma
maldição reservada aos nazarenos e outros hereges, tornando com isso incômoda e
descontínua a freqüência dos cristãos à sinagoga. Alude o evangelho de João em dois
lugares (Jo 9,22; 12,40) à excomunhão infligida aos discípulos de Cristo. Notamos que, a
partir de então, a controvérsia entre judeus e cristãos revestiu o talhe de uma
confrontação direta entre o evangelho e a tradição farisaica.
Tentaram ainda os cristãos retornar a Jerusalém. Mas esta Igreja dizimada já não
exibia condições de se impor como Igreja-mãe para todos os cristãos da gentilidade. A
direção transitou de Jerusalém para Roma. Daí para a frente, Igreja e Sinagoga trilham
caminhos divergentes.
B. Da polêmica ao proselitismo
Até o século V o judaísmo manteve alto nível de atividade missionária, dando provas
de excepcional vitalidade interior. O debate judeu-cristão, que se instalou durante todo
esse período, não era nada acadêmico, e sim acirrada polêmica, fruto de intensa
concorrência proselitista entre as duas comunidades. Este fenômeno desencadeou, de ambos
os lados, inflamadas manifestações de hostilidade.
O judaísmo farisaico, em sua marcha através do mundo greco-romano, tornou-se uma
religião missionária de primeira plana. Já nos tempos de Cristo despendia grandes
esforços nesta tarefa, mostrando-se capaz de "percorrer mares e terras para fazer um
prosélito" (Mt 23,l5). Agora que, apesar da divergência de alguns rabis quanto à
oportunidade de novas conversões, se acentuava o dever missionário de Israel, ele passa a
absorver praticamente todas as atividades da propaganda judaica.
Prosélito é o gentio que foi conquistado para o judaísmo e se deixou circuncidar. A
distinção entre "prosélitos propriamente ditos" (prosélitos da justiça) e
"semiprosélitos" (prosélitos da porta) foi introduzida bem posteriormente pelos
rabis. Testemunhos judaicos, cristãos e pagãos atestam, à uma, a realidade e a eficácia
do proselitismo. Embora a legislação imperial não concedesse ao judeu o direito de fazer
propaganda da sua religião, – proibindo inclusive a circuncisão – parece que a
autoridade habitualmente ignorava o fato. A interdição geral da circuncisão não incluía
os judeus de nascimento. Severas penalidades eram aplicadas apenas aos não-judeus.
O cristianismo exerceu forte concorrência sobre o proselitismo judaico.
O sucesso do apostolado cristão no meio pagão da Diáspora representava uma realidade.
Os chefes judeus logo se sentiram vivamente preocupados com o fato. O rabi Eliezer ben
Hircanos não trepidou em levantar uma enorme e genérica suspeição sobre a sinceridade
das conversões. Na revolta de Bar Kochba, descobriram-se espiões convertidos instalados
nas academias judaicas.
O caráter nacional da religião judaica recomendava-a à simpatia dos pagãos. Mesmo com
o desarraigamento de sua terra, este aspecto não foi obliterado de todo. Mas em suas
aspirações universalistas o judaísmo ficava aquém do cristianismo.
Perante o mundo pagão a Igreja se definia como a gentilidade redimida. Abolira a
circuncisão. Abrandara os rigores da observância ritual. Pregava um Salvador morto e
ressuscitado, próximo do tipo traçado pelas religiões mistéricas do paganismo. Em geral,
lograva o pagão familiarizar-se mais facilmente com o sistema religioso cristão. Juliano,
o Apóstata, em seu desprezo pelo judaísmo, chegava a achar absurda a pretensão dos
judeus, este "pequeno povo bárbaro", de querer impor ao mundo seu Deus nacional
como o único Deus verdadeiro. Artesãos de incontáveis infortúnios na vida do povo judeu,
os pagãos foram logo alvos de ódio e de desprezo. O judaísmo começou por voltar contra
eles a sua animosidade. Logo, porém, sentindo-se frustrado em seu ímpeto missionário, fez
convergir estes sentimentos para os cristãos, seus concorrentes, bem mais aparelhados para
a conquista espiritual do mundo greco-romano. A rivalidade missionária veio adensar ainda
mais o clima de relações já carregado de tensões entre as duas comunidades judaica e
cristã.
O esforço proselitista atingiu profundamente as relações entre judeus e cristãos. Com
a sua ativação de ambas as partes, acelerou-se o processo de segregação mútua, fazendo
rápidos progressos.
Insere-se aqui o papel exercido por Paulo de Tarso.
Desdobrando amplamente o seu pensamento, Paulo disseca o tema da rejeição de Israel,
aduzindo que da parte de Deus não há infidelidade à Palavra, nem injustiça ou mudança
imprevisível de conduta sem motivação razoável, mas simplesmente mistério de eleição;
e sendo provisória, ela faz parte do plano de Deus para permitir o ingresso dos gentios.
Segundo os comentadores cristãos, não se pode ler estas páginas e continuar-se
anti-semita. Por não se haverem lido ou por se haverem delas esquecido, muitos cristãos
restaram sendo escandalosamente anti-semitas. A primeira e autêntica posição teológica
da Igreja ante o judaísmo foi a doutrina paulina de separação e benevolência. Paulo
lançou as bases do projeto fundamental da teologia cristã do judaísmo. Mas, ao correr dos
séculos, os aspectos negativos receberam maior ênfase, e a tradição de fraternal
benevolência veio a eclipsar-se, cedendo lugar a uma sistematização teológica do
antijudaísmo cristão.
O sulco escavado entre as duas comunidades aprofundou-se ao ritmo da polêmica
teológica. Os cristãos de progênie hebraica haviam herdado uma cultura e uma mentalidade
bem diversas dos cristãos de origem gentia, e tachavam-nos de excessivamente pagãos. Estes
últimos consideravam os de estirpe judaica demasiadamente hebreus. As divergências iam
cristalizar-se sobretudo na esfera teológica. As sucessivas formulações do pensamento
cristão ajudaram a dar corpo à figura estereotipada do judeu, atravessada feito enigma e
desafio no caminho da crescente cristianização da sociedade sacral. No intento de
assegurar-se vida independente do judaísmo, buscou o cristianismo o esteio intelectual de
uma autodefinição estrutural. O antijudaísmo teológico da tradição cristã entrou como
um dos ingredientes de capital importância para que se efetuasse, com as devidas
transposições equacionadas, a sua autonomia de berço. Na realidade, porém, nada há nas
instituições fundamentais, permanentes, constitutivas da Igreja que não seja judaico na
sua fonte. A certa altura do debate judeu-cristão, os escritores eclesiásticos se
defrontaram com um terrível dilema: precisavam, por um lado, manter contato com o judaísmo
bíblico para conter o extremismo dos gnósticos, e, por outro, opor-se à "tentação
judaica" que consistia, em suma, na idéia de viver segundo a letra da Escritura. A
saída encontrada, já a conhecemos: a interpretação do Antigo Testamento por inteiro como
um relato simbólico da vinda de Cristo. E no próprio Antigo Testamento foram-se buscar as
provas da "infidelidade judaica". Os teólogos cristãos relacionaram o caráter
carnal desta infidelidade com a própria Toráh, lida e vivida literalisticamente.
Dois dados de fé logo repontam em meio à reflexão teológica, comandando o rumo dos
pensamentos e das atitudes. São eles: a certeza da salvação de Israel no final dos tempos
e a providencial sobrevivência religiosa do judaísmo. Os escritores eclesiásticos
justapõem essas duas afirmativas, condensando-as numa fórmula bastante densa e
significativa, a saber: a Igreja encontrará sua plenitude na salvação derradeira do povo
judeu.
C. A oficialização do cristianismo
A transição do império pagão para império cristão só acarretou desastrosas
conseqüências para a vida dos judeus. A repressão antijudaica deixou as esferas nebulosas
da discussão teológica e encarnou-se em concretas e práticas disposições jurídicas. A
princípio, o edito de Tolerância englobava também os judeus. Podia o judaísmo continuar
a ser "religio licita" em todo o império. Mas com o evolver dos acontecimentos
logo se viu a antiga nação, que ao longo de dois milênios se tinha defendido contra todas
as monarquias do mundo pagão, agrilhoada subitamente pelo anel de ferro do império
cristão.
Dois anos apenas haviam decorrido desde as célebres conferências de Licínio e
Constantino em Milão, motivadoras da liberdade total de culto, e já começavam a repontar
as primeiras restrições governamentais. Não tardaria que o judaísmo de "religio
licita" passasse, nos considerandos da lei, a ser considerado "nefaria
secta". As medidas opositivas vieram sob a forma de cânones eclesiásticos. Esta,
aliás, é a característica especial que revestiram. A sua originalidade propriamente
residia, não no conteúdo temático, mas no fato de haverem transbordado dos quadros legais
da sociedade civil e penetrado na área específica da legislação canônica da Igreja. O
espírito e muitas vezes até a letra da codificação imperial no tocante aos judeus
refletiam o espírito e a letra dos preceitos do direito eclesiástico.
O primeiro Concílio ecumênico de Nicéia (325), convocado e presidido por Constantino,
quebrou mais um elo que estreitava as duas comunidades, cristã e judaica, ao fixar a
celebração da Páscoa em data independente da tradição judaica.
Com a morte desse imperador (337) achou-se o judaísmo mais cerceado em seus direitos e
garantias.
As primeiras legislações de Constantino e Teodósio I, compiladas no "Codex
Theodosianus", cuja composição final data de 438, demonstraram certa insegurança na
sua parte atinente aos judeus. A delimitação do culto e das atividades deles propriamente
nada representava de original. Três concílios da Igreja ocuparam-se sucessivamente do
problema judeu: o de Elvira (306), o de Antioquia (341) e o de Laodicéia (343-381). Os
cânones por eles promulgados podem até ser tachados de benignos. Em matéria de
legislação antijudaica nada superou o "Codex Justinianus" que pervadiu todos os
setores da vida pública e particular dos judeus, incursionando até pela área teológica
com a supressão da Mishnáh e a obrigatoriedade do uso da Bíblia grega LXX nas
sinagogas.
D. Preconceitos e movimentos antijudaicos
No Ocidente instaurou-se na Idade Média uma situação de cristandade caracterizada pela
simbiose entre a Igreja e a sociedade temporal. Por conseqüência, aqueles que não
pertencessem visivelmente à Igreja, como eram os judeus, viam-se afastados do convívio
social e confinados nos guetos.
O longo período que se segue caracteriza-se antes de tudo pela formação da
"Repubblica christiana" que tentou introduzir sistematicamente no direito e nas
instituições os princípios evangélicos. Inaugura-o o século VII, que só conhecia na
Europa dois verdadeiros Estados: o Império bizantino e o Reino franco. Entre eles mediava
um único traço de união: Roma. A feudalização do poder que desembocou no "Santo
Império Romano", senhorial e teocrático, envolve o império e a Igreja.
Inocêncio III (1198-1216) marcou o ápice do poder espiritual e temporal da Igreja. A
realeza medieval, por sua vez, conhece o seu apogeu no Ocidente com Luís IX (1226-1270).
Viveram os judeus dias amargos e infelizes em meio ao equilíbrio desses dois poderes
universais. As renovadas suspeitas de cumplicidade com o Islã agravaram assustadoramente os
sentimentos antijudaicos e culminaram na terrível borrasca que desabou na alta Idade Média
sobre as comunidades judaicas. Abre-se, porém, o cenário da história com um excepcional intermezzo
de tolerância e de paz construtiva: a era dos imperadores carolíngios e saxônicos.
O Império Fatimida não tivera condições de conter a invasão turca, vindo da Ásia
Central. Em 1071 Jerusalém caiu nas mãos dos turcomanos, o que provocou imediata reação
no Ocidente. Os cristãos resolveram organizar as Cruzadas para reconquista dos lugares
santos, mas elas deram o ensejo a intensas perseguições contra judeus, porque estes eram
considerados em pé de igualdade com os muçulmanos.
O próprio movimento das Cruzadas que se estendeu até 1270 viria, por sua vez, operar no
mundo de então uma reviravolta socioeconômica que, ao invés de ajudar, só iria
desfavorecer a sorte dos judeus. Em dois planos principalmente foram eles mais duramente
atingidos: no jurídico, com a teoria germânica da servidão judaica (Kammerknechtshaft);
e no econômico, pelo envolvimento total dos judeus no jogo da usura.
Na Idade Média forjaram-se numerosos mitos antijudaicos os quais resultaram em
preconceitos, ações e movimentos populares. Enumeraram-se entre eles os seguintes: o
sacrifício ritual de crianças cristãs; a acusação do deicídio, a profanação da
hóstia consagrada; a contaminação de poços e mananciais, que deu origem à peste negra;
a lenda do judeu errante; e o mito racial. Todas estas acusações carecem de fundamento e
nunca foram historicamente comprovadas. O papa Inocêncio IV (1243-1254) rebateu todas estas
falsas acusações. Distinga-se sempre, a bem da verdade completa, a atitude da Igreja
oficial e a da sociedade cristã da época, com diferentes níveis de responsabilidade.
A Inquisição que visava julgar e punir os hereges atingiu também os judeus, e
particularmente os cristãos-novos. Na realidade histórica ela representou uma página
sombria no relacionamento da Igreja com os judeus, agravando a discriminação e o
separatismo religioso.
E. Transição aos tempos modernos
Irrompendo na penúltima década do século XVIII, veio a Revolução Francesa subverter
por completo a situação da sociedade, ferindo gravemente o princípio de autoridade e
levando as três camadas sociais, nobreza, clero e povo, a se entrebaterem.
O Antigo Regime revelara-se precário e inconsistente. Extremara-se o absolutismo dos
príncipes. Jansenistas e galicanos ajudavam a solapar a autoridade religiosa.
A ocasião imediata que se encarregou de acender o estopim foi a frágil situação
econômica da França em 1789.
O povo constituiu-se em assembléia constituinte, e passou a interpretar o papel
principal de protagonista dos acontecimentos.
Vieram logo em seguida diversas restrições impostas ao clero católico, considerado
classe privilegiada. Proclamam-se as novas liberdades. Em agosto de 1789, toma-se a medida
fundamental com a "Déclaration des droits de l’homme". Entre os direitos
contemplados figura o da liberdade religiosa.
Para euforia principalmente dos não-cristãos, proclamava-se a emancipação política
de todas as religiões, não porque se recomeçasse a valorizá-los realmente, mas por
simples gratuidade.
A "Declaração" promulgada representou uma das três grandes atitudes
significativas, ao lado dos decretos de tolerância do Imperador José II e da
"Declaration of Rights" dos Estados Unidos, em favor da liberdade e da igualdade
de direitos civis dos judeus. Interessa-nos reconhecer aqui que o seu fruto foi uma
realidade, correspondente a uma aspiração perfeitamente justa.
Napoleão propôs, que cada terceiro judeu ou judia fosse obrigado a se casar com um
cristão. Outras medidas locais e regionais despontaram visando acabar com o separatismo
judeu pelo amalgamamento com as populações não-judias. Em boa parte da Alemanha, a
emancipação dos judeus constituiu um subproduto das conquistas napoleônicas. Mas, de uma
forma geral, fora tão forte a sua vinculação ao expansionismo da filosofia liberal que,
onde a influência dessas idéias não alcançou chegar, paralelamente não obtiveram
também os judeus a liberação dos seus direitos de igualdade.
O poder das idéias liberais intensificou-se tão-somente no Ocidente. Não contavam as
classes médias não-judaicas da Rússia, Polônia e Romênia, com poderio quase nenhum.
Haviam-se enredado profundamente no atraso feudal e nos preconceitos raciais. Não
conseguiam, por isso, lutar em prol da igualdade de direitos dos judeus.
Por mais que quisessem, não viam jeito os arautos do liberalismo de preencher
literalmente o abismo que se cavava entre judeus e não-judeus. O triunfo da reação, no
continente europeu, sob a Santa Aliança, tirara dos judeus muitos de seus direitos
recém-adquiridos. O documento do batismo tornou-se novamente o passaporte obrigatório da
civilização européia até que adviesse a "Primavera dos Povos" de 1848 imprimir
novo impulso ao movimento de emancipação dos judeus.
Nos fins do século dezenove, autônomas na origem, várias correntes se conjugaram para
encorpar a violência anti-semítica. Ao nacionalismo, para o qual o judeu é um
estrangeiro, aliou-se o socialismo que tem o judeu como símbolo dos Rothschild e da
riqueza.
Finalmente, na confluência de vários fatores econômicos, políticos e ideológicos,
desembocamos na mais terrível deflagração do anti-semitismo com o nacional-socialismo
nazista.
F. Pronunciamentos da Igreja antes do Holocausto
Nos idos de 1928, pronunciou-se o Santo Ofício de Roma, com firmeza, contra o
anti-semitismo, nos seguintes termos:
"Uma vez que reprova toda espécie de ódio e animosidade entre os povos, a Sé
Apostólica condena soberanamente o ódio contra o povo outrora escolhido por Deus, ódio
esse hoje comumente designado com o nome de anti-semitismo".
Um ano antes da deflagração da Segunda Guerra Mundial, quase em tom profético, em
discurso dirigido a visitantes belgas, defendeu o papa Pio XI (1922-1939) a absoluta
inadmissibilidade do movimento anti-semita, interditando a participação nele de qualquer
católico.
Comentando a expressão "Sacrificium Patriarchae nostrae Abrahae", diz
textualmente o Chefe da Igreja haver total incompatibilidade entre o anti-semitismo e a
realidade sublime contida naquelas palavras. Em seguida, qualifica o movimento anti-semita
de "antipático", merecendo por isso a reprovação de todos os cristãos. E
completa ilustrando a própria idéia com a proposição do "reconhecimento, a quem
quer que seja, do direito de se defender e de usar dos meios de proteção que lhe sejam
necessários, para sua tutela pessoal contra as ameaças aos seus legítimos
interesses". "O anti-semitismo é inadmissível", remata o papa, porque
"espiritualmente somos semitas".
Foi este pronunciamento a solene confirmação da atitude assumida em 1937, pelo mesmo
Pontífice na encíclica "Mit brennender Sorge", em que se contrapõe frontalmente
às teorias racistas de Hitler.
Outras posições, na mesma linha foram, adotadas pela Igreja nos anos subseqüentes.
A 13 de abril de 1938, em carta ao cardeal Baudrillart, estabeleceu a Congregação de
Estudos a obrigação para todas as Universidades Católicas de incluir nos seus programas
curriculares a refutação das teses do racismo, condensadas em 8 proposições remetidas
às dioceses do mundo.
Devem-se mencionar também entre muitas outras iniciativas, a Carta Pastoral do
episcopado alemão, publicada em agosto do mesmo ano, e a longa declaração do cardeal Van
Roy, arcebispo de Malines, que recebeu carta de apoio e aprovação do arcebispo de Paris, o
cardeal Verdier.
Pio XII (1939-1958) repisou a condenação do racismo, em suas alocuções e mensagens.
Na Radiomensagem Natalícia de 1942 reprovou explicitamente o direito racista.
G. Do Holocausto a Seelisberg
Calcula-se que durante a Segunda Guerra Mundial morreram cinqüenta milhões de pessoas.
Entre as diferentes minorias perseguidas encontravam-se os judeus, que, trazidos em vagões
de carga de toda a Europa, foram eliminados em campos de concentração, verdadeiras
fábricas de aniquilamento. Seis milhões de judeus, representando um terço do povo judeu
no mundo, foram assim assassinados pelos nazistas.
As estatísticas citadas não deixam transparecer a tragédia de vidas humanas, dos
sofrimentos e das dores que caracterizaram os anos de 1939-45. Muitos diários foram
mantidos e publicados depois da guerra, muitas atrocidades, difíceis de se acreditar que
tenham acontecido, foram perpetradas com a participação de centenas e milhares de
cúmplices. Muitos dos carrascos nunca foram julgados pelos seus crimes.
Além das tragédias que nunca foram relatadas, dos danos psíquicos que jamais serão
curados, o povo judeu viu desaparecer os seus centros de cultura, suas academias de estudos,
seus líderes religiosos e suas fontes de vida intelectual no Leste Europeu, deixando a
Europa como um verdadeiro "vale dos ossos secos", como descreveu Ezequiel, o
profeta.
Após a guerra, apesar das dificuldades impostas pelos ingleses, que não permitiam a
entrada de mais judeus no "Lar Nacional Judeu" por eles administrado, numerosos
judeus chegaram à terra de Israel. Em 1947, as Nações Unidas decidiram a partilha da
Palestina numa histórica sessão do Conselho de Segurança, presidida na ocasião pelo
brasileiro Ministro Osvaldo Aranha. Em 5 de maio de 1948 foi declarada a independência do
Estado de Israel, que logo teve que enfrentar uma guerra com todos os seus vizinhos.
São esses os fatos mais importantes na história judaica do período de 1939-48. Mas o
que nos cabe relatar não são apenas os fatos, mas também a repercussão por eles causada.
O primeiro choque se deu num país considerado dos países mais civilizados do mundo, a
Alemanha, que pôs em prática em pleno século XX, com requintes de crueldade, um plano de
extermínio de um povo de forma tão metódica e precisa. Os sonhos acalentados no século
XIX de que, por meio da ciência e do progresso tecnológico, se pudesse chegar a um mundo
mais perfeito sem empecilhos para a felicidade, ruíram por terra. A confiança depositada
no futuro foi seriamente abalada diante da disciplina de um estado totalitário que fez
calar as consciências de milhões de pessoas.
A Igreja se pergunta hoje como foi possível um acontecimento tão brutal e desumano.
Muitos líderes religiosos, diante das dimensões que tomou o aniquilamento em massa,
perguntaram: "Onde estava Deus?"
Não entraremos aqui na controvérsia do que poderia ter sido feito para salvar mais
vidas, quando se soube do que estava acontecendo nos campos de concentração com suas
câmaras de gás e de torturas. O fato é que o mundo silenciou.
Após as terríveis experiências nazistas, surgiu a necessidade de pôr termo ao ódio
anti-semita. Cristãos esclarecidos dedicaram-se ao estudo do mistério de Israel e da sua
paixão através dos tempos.
Uma série de posicionamentos bem variados aflorou entre os russos e os americanos, que
já estavam em plena guerra fria em 1947; em um raro momento de concordância, ambos votaram
para que os judeus tivessem o seu Estado. O cristianismo se posicionou por meio do Vaticano
e do Conselho Mundial de Igrejas, condenando o anti-semitismo.
Para acompanhar o desenvolvimento da posição que se cristalizou dentro da Igreja nos
anos após a guerra, dois homens tiveram papel marcante na condenação do anti-semitismo
pela Igreja. Um é judeu – Jules Isaac, nascido na França; outro é católico – cardeal
Agostinho Bea, nascido na Alemanha.
Jules Isaac (1877-1963), nascido em Rennes, desde cedo se interessou por
história, escreveu livros didáticos para os colegiais, ocupou cargos no Ministério da
Educação da França, chegando a ser inspetor-chefe do ensino de História do país. Sua
área de pesquisa fora a das causas da Primeira Guerra Mundial. Interessou-se também pela
origem das superstições e preconceitos populares. Durante a Segunda Guerra Mundial
testemunhou a invasão alemã e conseguiu sobreviver, mas perdeu toda a sua família
assassinada pelos nazistas. Foi o fundador do grupo chamado "Amitié
Judeo-chretienne", que se tornaria o modelo de muitas organizações desse tipo. Jules
Isaac tomou parte ativa no encontro de Seelisberg, fornecendo bases históricas que
levariam à revisão da atitude da Igreja para com o judaísmo. Baseados nos estudos
bíblicos deste século chegou-se a uma primeira formulação em 1947, em Paris, do programa
de retificação do ensino cristão a respeito do anti-semitismo. São os chamados 10
Pontos de Seelisberg, fruto de um colóquio judeu-cristão.
l. Deve ser relembrado que um só e mesmo Deus nos fala no Antigo e no Novo Testamento.
2. Não se pode esquecer que Jesus nasceu de mãe judia, pertencia à família de Davi e
ao povo de Israel, e que seu amor eterno abrange o seu povo e o mundo inteiro.
3. Recorde-se ainda que os primeiros discípulos, os Apóstolos, e os primeiros mártires
eram judeus.
4. Tenha-se presente que o principal mandamento do cristianismo, o amor de Deus e do
próximo, anunciado no Antigo Testamento e confirmado por Jesus, obriga igualmente,
cristãos e judeus, em todas as relações humanas.
5. Deve-se evitar diminuir o judaísmo bíblico e pós-bíblico para exaltar o
cristianismo.
6. Não se deve empregar a palavra "judeu" para designar exclusivamente os
inimigos de Jesus, e as palavras "inimigos de Jesus" para designar o povo judeu em
seu conjunto.
7. Não se deve apresentar a Paixão de Jesus, como se todos os judeus, ou somente os
judeus, tivessem incorrido na odiosidade da crucificação. Não foram todos os judeus que
pediram a morte de Jesus, nem foram somente judeus que se responsabilizaram por ela. A Cruz,
que salva a humanidade, revela que Cristo morreu pelos pecados de todos. Pais e mestres
cristãos deveriam ser alertados a respeito de sua grande responsabilidade na maneira de
narrar os padecimentos de Jesus. Se o fazem de uma forma superficial, correm o risco de
fomentar aversões no coração das crianças ou dos ouvintes. Numa mente simples, movida de
um ardente amor compassivo pelo Salvador crucificado, o horror natural dos perseguidores de
Jesus pode facilmente tornar-se, por motivos psicológicos, ódio indiscriminado pelo judeu
de todos os tempos, inclusive de nossos dias.
8. Não se devem evocar as condenações bíblicas e o grito da multidão enraivecida:
"Que seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos" (Mt 27,25) sem relembrar
que esse grito não anulou as palavras de nosso Senhor, de conseqüências incomparavelmente
maiores: "Pai, perdoa-lhes; eles não sabem o que fazem" (Lc 23,24).
9. É preciso evitar qualquer tentativa de mostrar os judeus como um povo reprovado,
amaldiçoado e votado a um sofrimento perpétuo.
10. Deve ser mencionado que os primeiros membros da Igreja eram judeus.
Os que se reuniram em Seelisberg não podiam ainda imaginar que, com o correr dos anos, o
Vaticano tomaria uma posição oficial frente ao anti-semitismo. Baseada nos eventos da
Segunda Guerra Mundial, nos estudos históricos, bíblicos e teológicos, a Igreja
preparou-se para um pronunciamento oficial.
É entre os arquitetos de tal pronunciamento que se destaca a atuação de um jesuíta,
nascido na Alemanha. O fato de ser ele alemão representa, além do seu mérito como
estudioso, a oportunidade de evitarmos neste capítulo o erro para o qual nos alerta o ponto
7 de Seelisberg, o de não imputarmos a todos os alemães a culpa do genocídio perpetrado
pelos nazistas.
Augustin Bea (1881-1968), alemão nascido em Baden, que um dia iria tornar-se o
reitor do Pontifício Instituto Bíblico e depois cardeal de Roma. Foi editor do periódico Bíblica
(1930-1950), além de pertencer a uma dezena de organismos internacionais. Biblista de
renome, ele dominava 9 idiomas, entre os quais o hebraico e o português.
Após a guerra, baseando-se em seus estudos bíblicos e teológicos desafiou a imagem
convencional do judeu e do judaísmo e lutou para que fosse corrigida a interpretação que
coloca a culpa da crucificação sobre os judeus.
Este seria o homem que, em contato com os papas que seguiram o papa Pio XII no Vaticano,
seria escolhido mais tarde como presidente do Secretariado para a Unidade dos Cristãos. Seu
papel no diálogo inter-religioso foi um dos mais marcantes.
H. Do Vaticano II até os nossos dias
Na década de 60 intensificaram-se visivelmente entre os cristãos os estudos bíblicos
especializados do Antigo e do Novo Testamento, que levaram a encarar com renovado respeito a
venerável tradição judaica, onde o cristianismo deita suas raízes históricas. Numa vida
cristã ensinada e vivida em suas perspectivas bíblicas, deve Israel logicamente ocupar um
lugar de relevo. No passado, muitos cristãos se ativeram insistentemente a preconceitos
ideológicos e políticos por se encontrarem bem distanciados das fontes da revelação
escriturística. O contato mais assíduo, metódico e científico, com as Escrituras não
pode deixar de surtir efeitos benéficos para o relacionamento cristão-judaico.
A Igreja Católica, na constituição dogmática "Dei Verbum" do Concílio
Vaticano II, asseverou que "não é através da Sagrada Escritura apenas que a Igreja
deriva sua certeza a respeito de tudo que foi revelado" (n. 9). "Mas como a
Sagrada Escritura deve ser também lida e interpretada naquele mesmo Espírito em que foi
escrita, para apreender com exatidão o sentido dos textos sagrados, deve-se atender, com
não menor diligência, ao conteúdo e à unidade de toda a Escritura, levadas em conta a
tradição viva da Igreja toda e a analogia da fé".
A mútua colaboração no domínio dos estudos bíblicos e rabínicos produziu bons
frutos nos pontos comuns e nos divergentes.
Primeiramente, vem oferecendo esclarecimentos oportunos e preciosos sobre inúmeras
questões doutrinais e científicas do patrimônio espiritual comum.
Em segundo lugar, leva a determinar com maior clareza as respectivas opiniões com todos
os seus matizes peculiares, as semelhanças e as diferenças, o conteúdo de verdade e o
revestimento exterior da linguagem, todos os ângulos, enfim, de uma confrontação corajosa
e honesta.
A experiência efetivada em vários lugares e ocasiões é de molde a comprovar a
validade do método e a encorajar ambas as partes na sua continuidade, através de trabalho
consciencioso e perseverante.
Num campo de vida interna da Igreja Católica depressa se evidenciou a mudança de
mentalidade; o da liturgia. Reformulou a autoridade papal o teor de determinadas preces em
uso nos atos de culto da Igreja Católica. Entre essas reformulações figura a que eliminou
o odioso apelativo de "pérfidos" dado outrora aos judeus. Na solene ação
litúrgica da Sexta-feira Santa, comportava o ritual em voga, após as leituras e a homilia,
uma série de "orações comunitárias", chamadas também pela rubrica de 1955 de
"orações dos fiéis". Uma delas diz respeito aos judeus. A fórmula primeira
fazia alusão à assim chamada perfídia judaica, numa manifesta prova de intolerância. O
papa João XXIII (1958-1963) compreendeu a infelicidade da expressão e eliminou-a. No
pontificado de Paulo VI, a prece recebeu a seguinte forma:
"O Deus, que fizestes vossas promessas a Abraão e seus descendentes, escutai as
preces da vossa Igreja. Que o povo da antiga aliança mereça alcançar a plenitude da vossa
redenção".
Coube ao papa João XXIII enfrentar decisivamente a questão do relacionamento com o
judaísmo, movido por especial interesse, fruto de sua inquebrantável convicção pessoal.
Quando em 1959, anunciou a celebração do Concílio, teve a imediata intuição de que o
labor de purificação da Igreja deveria comportar uma séria e ousada revisão das
relações com os judeus.
Em vários países, já se diligenciavam esforços, no ensino cristão, com o fito de
restaurar a verdadeira imagem do povo judeu. As autoridades eclesiásticas haviam denunciado
o anti-semitismo. Fundavam-se ou reorganizavam-se associações de amizade cristão-judaica.
Mas o movimento marchava ainda de modo irregular.
A tarefa de redigir um pronunciamento da assembléia conciliar foi confiada ao
"Secretariado pela União dos Cristãos", dirigido pelo cardeal Bea.
Este purpurado desenvolveu extraordinária atividade no período conciliar, presidindo os
trabalhos de redação de cinco esquemas, apresentando quatro relatórios, sendo três deles
sobre o problema judeu, e fazendo dezoito intervenções, durante as sessões, sempre com
profundeza doutrinal, constante preocupação ecumênica e profundo realismo humano. Muito
lhe deve a Igreja na preparação do documento sobre as relações com os não-cristãos. Em
1961, apresentou um projeto de sete páginas contendo as idéias principais da atual
declaração conciliar. Revisto inúmeras vezes, foi o texto concluído em 1962, e devia ser
proposto em junho do mesmo ano à Comissão Central, mas inquietantes rumores de agitação
arrebentaram nos países árabes. O texto foi retirado de discussão. Começa a sua
acidentada história. Foi dos que mais sofreu reações e pressões exteriores. Vista de
fora, escalona-se a trajetória desse documento por uma série de episódios, em que as
paixões políticas, as coações e os temores, pesaram tanto que, em determinados momentos,
ameaçaram até eclipsar o próprio objeto da declaração. Alguns governos do Oriente
Médio receavam, sem fundamento, significasse o documento conciliar da Igreja o
reconhecimento político do Estado de Israel.
A 19 de novembro de 1963, o cardeal Bea apresentou o texto no decurso da duodécima
sessão conciliar. Na ocasião, sublinhou tratar-se essencialmente de questão no plano
religioso e de se dirigir aos católicos de forma explícita com a finalidade de lhes
ensinar a atitude que, à imitação de Cristo, devem adotar relativamente aos judeus. A
discussão geral abrangeu todo o período conciliar que vai da 69ª à 72ª congregação.
Sucederam-se os oradores e os debates. Chegou-se ao fim da segunda sessão com a questão
ainda aberta. Durante a inter-sessão, redobrou o Secretariado as suas atividades. Reuniu o
parecer dos Padres num volume de 72 páginas e se ocupou em dissipar os equívocos de
natureza política que haviam surgido de todos os lados. A 4 de junho de 1963, falece o papa
João XXIII. Duas iniciativas de seu sucessor, o papa Paulo VI, contribuíram para situar o
problema no plano decisivo: a fundação do "Secretariado para as Religiões
Não-cristãs" e a sua Encíclica "Ecclesiam Suam" (6 de agosto de 1964)
sobre o tema: "Por que caminhos deve a Igreja Católica hoje cumprir o seu
mandato".
Feitas as emendas e correções, o novo texto proposto à assembléia conciliar enfatiza
o caráter religioso da questão, bem como a missão de paz e fraternidade própria da
Igreja. O debate suscitado, durante a terceira sessão do Concílio, obrigou a que se
refundisse pela terceira vez o texto, imprimindo-lhe ainda mais uma orientação positiva.
Novamente, na fase de inter-sessão, se acenderam as campanhas de opinião pública e as
pressões políticas, advindas principalmente do mundo árabe. Sob o prisma teológico,
entram em cena os ortodoxos censurando a colocação do deicídio, por causa de toda a
problemática infindável a ele ligada.
Reelaborado pelo Secretariado, foi finalmente entregue à discussão do período da
quarta sessão. O número 4 que se ocupa das relações específicas da Igreja com o
Judaísmo, prendeu a atenção de todos, sendo alvo de numerosas observações.
Chegamos assim à etapa final de votação e aprovação do texto, após um longo, penoso
e, por vezes, dramático trabalho de elaboração. Em sessão pública de 28 de outubro de
1965 foi solenemente promulgado.
A partir de então apareceram 3 documentos oficiais que se inspiraram no novo clima
criado por "Nostra Aetate" e marcaram as etapas de sua aplicação prática no
meio cristão:
l. Orientações e sugestões para aplicação do documento promulgado pela Comissão
para as Relações Religiosas com o Judaísmo, em 1975.
2. A Unicidade de Deus e o testemunho cristão, publicado em 1975 pela Federação
Luterana Mundial.
3. Considerações ecumênicas sobre o diálogo entre judeus e cristãos,
publicado pelo Conselho Mundial das Igrejas em 1982.
Surgiram paralelamente dezenas de pronunciamentos e declarações, em várias partes do
mundo, com o propósito de valorizar o diálogo.
A Comissão do Vaticano para as Relações Religiosas com o Judaísmo foi criada em 1974
pelo papa Paulo VI, visando a estabelecer relações com os representantes da comunidade
judaica mundial e ao mesmo tempo sensibilizar os católicos a respeito deste novo campo
pastoral.
Em 1982, o papa João Paulo II presidiu uma reunião desta Comissão, contando com 15
países, e concluindo com a fórmula "o diálogo é um autêntico serviço de
Igreja".
Com data de 24 de junho de 1985, a Comissão para as Relações Religiosas com o
Judaísmo, do Vaticano, emitiu um documento intitulado Notas para uma correta
apresentação dos judeus e do judaísmo na pregação e na catequese da Igreja Católica.
Preliminarmente, justifica a publicação aduzindo palavras do papa João Paulo II
(6-3-1982), que retomam a linha da "Nostra Aetate", e as diretrizes para a sua
aplicação, no tocante à tarefa do ensino e da educação do cristão nesse sentido. Na
primeira parte, reúne em oito itens as razões e as formas do ensino religioso do
judaísmo. Estabelece, na segunda parte, os princípios de correlação entre o Antigo e o
Novo Testamento. Em seguida, numa terceira parte, mostra quais são as raízes judaicas do
cristianismo. Analisa, depois, na quarta parte, a presença dos judeus no Novo Testamento.
Aborda brevemente, numa quinta parte, questões relacionadas com a liturgia. Conclui, na
sexta parte, com uma apresentação do quadro do judaísmo e do cristianismo na história.
Ao rematar todas as considerações, o documento acentua que: "o ensino religioso, a
catequese e a pregação devem levar não só à objetividade, à justiça e à tolerância,
mas também à compreensão e ao diálogo".
O diálogo entre os grupos de fraternidade existentes no mundo é coordenado pelo
Conselho Internacional de Cristãos e Judeus (ICCJ), que já organizou uma série de
encontros desde 1965, em diversos países do mundo. Seu objetivo consiste em mudar as
atitudes unilaterais ou recíprocas, que sejam prejudiciais às relações mútuas.
No Brasil, desde 1962, desenvolveu-se um trabalho de relacionamento fraterno entre judeus
e cristãos, através do Conselho de Fraternidade Cristão-judaica, que continua a realizar
diversas atividades culturais e religiosas, com o objetivo de um conhecimento mútuo e
difusão dos laços comuns entre as religiões judaica e cristã.
Em 1981, foi criada, por iniciativa da CNBB, a Comissão Nacional do Diálogo com os
Judeus, contando com a participação de cinco membros nomeados pela CNBB e cinco judeus
convidados pela mesma entidade. Sua finalidade é articular em nível nacional o diálogo
oficial da Igreja Católica no Brasil com a comunidade judaica no país.
6. COMUNIDADE JUDAICA NO BRASIL
Quando Pedro Álvares Cabral zarpou de Portugal, em 1500, trazia consigo Gaspar da Gama,
navegador. Judeu de origem polonesa, foi obrigado a converter-se ao cristianismo, durante a
Inquisição. Levado para Portugal em 1498, por Vasco da Gama, ganhou a confiança do
governante português.
Foi Gaspar da Gama que alertou os judeus, convertidos ao cristianismo, sobre a
importância que o novo território poderia ter em sua vida. Foi assim que um grupo de
cristãos-novos, como eram chamados os conversos, encabeçados por Fernão de Noronha,
obteve uma concessão do governo português para a colonização e exploração da nova
terra. O mais antigo documento relativo a essa concessão, data de 1502. O contrato definia
que os arrendatários se encarregariam de mandar, anualmente, seis barcos para o Brasil,
descobririam 300 léguas de novas terras, construiriam e manteriam fortificações nos
territórios recém-descobertos. Em troca, era-lhes concedido o monopólio do país, isto
é, o corte e a exportação de pau-brasil e de todas as demais mercadorias lucrativas.
Em 1503, o próprio Fernão de Noronha participou da primeira expedição, descobrindo,
nesse mesmo ano, uma ilha próxima à costa setentrional do Brasil, que chamou de São
João, mas que se tornou conhecida sob o nome de Ilha de Fernão de Noronha (atualmente
Território de Fernando de Noronha). Colonizou, também, 50 léguas de terras na costa do
Brasil.
Em reconhecimento pelos serviços prestados no passado e os que se esperavam no futuro,
em consideração à descoberta da ilha e pela colonização das terras, D. Manuel, em
decreto de 16 de janeiro de 1504, nomeou Fernão de Noronha "Cavaleiro da Coroa" e
donatário da ilha por toda a vida, sendo o seu filho mais velho o herdeiro do direito da
Capitania. Assim, ele foi o primeiro donatário do Brasil, apesar de que somente em 1532 foi
implantado o sistema de Capitanias Hereditárias.
Com a implantação desse sistema a migração de cristãos-novos cresceu, pois os
arrendatários não conseguiam colonos e foram obrigados a utilizar o único elemento de que
dispunham. Mas não restam dúvidas de que foi somente a partir das perseguições iniciadas
contra os conversos que a imigração aumentou significativamente.
Apesar da Inquisição ter atuado em Portugal desde 1447, quando D. Manuel forçou todos
os judeus a se submeterem ao batismo, as restrições não os impediam de imigrar para a
colônia. E aqui, cada vez mais, exerciam função preponderante, devido ao seu
relacionamento com os indígenas e à exploração comercial do país.
Duarte Coelho, governador de Pernambuco, contratou judeus para montarem os engenhos
açucareiros. A falta de colonos e as dificuldades enfrentadas pelos portugueses, na
colonização e exploração do novo território, forçavam o governo central à tolerância
maior para com cristãos-novos. Sua situação tornou-se mais difícil a partir de 1526,
quando se estabeleceu em Portugal o Tribunal do Santo Ofício.
Vozes da colônia levantaram-se contra a instalação do Santo Ofício no Brasil. Tomé
de Souza declarou que não seria possível mantê-lo sem o auxílio de um forte exército,
pois os cristãos-novos estavam estabelecidos tão firmemente, que uma perseguição
antijudaica poderia, inclusive, provocar distúrbios com a população local.
Símbolo de integração dos cristão-novos com a população local foi o casamento de
João Ramalho, herói da colonização, com a índia Bartira, filha do poderoso cacique
Tibiriçá. Seu relacionamento com os aborígines facilitou, e muito, o estabelecimento de
portugueses na região de Santos e de São Paulo. Martim Afonso de Sousa, governador dessa
Capitania, conferiu-lhe o título de governador militar de Piratininga. Foi João Ramalho
quem impediu o ataque dos índios contra a frota de Martim Afonso, em 1532. João Ramalho
nunca se declarou judeu, mas sempre se negou a praticar o cristianismo.
Durante o domínio holandês, a vida dos judeus ou cristãos-novos trouxe muitas
transformações, entre as quais a liberdade religiosa. A criação da Companhia das Índias
Ocidentais foi o início da penetração holandesa no país, através da Bahia, em 1624. Os
holandeses adotaram imediatamente uma política de tolerância religiosa e proteção aos
residentes da cidade. Com certeza havia judeus vindos na expedição holandesa, apesar de
não se saber ao certo o número. Mas os holandeses foram expulsos da Bahia, em 1625. Em
1630 voltam a se instalar no Recife.
Em 1637 a Companhia das Índias Ocidentais nomeou Maurício de Nassau governador do
Brasil Holandês, em Pernambuco. Foi o período de maior prosperidade da comunidade judaica
no Brasil, estimulando a vinda de judeus da Holanda.
Os judeus exerciam várias profissões. O engenheiro Baltazar d’Afonseca construiu uma
ponte para unir a ilha Maurício ao Recife (1640). Porém, a ocupação mais importante dos
judeus, sem dúvida nenhuma, era o comércio de ultramar, de importância vital para a
colônia. Nos meados do século XVII, há várias resoluções do Governo para que se paguem
letras de câmbio a comerciantes judeus por mercadorias remetidas ao Supremo Conselho da
Colônia.
A imigração de judeus vindos da Holanda marcou a primeira estruturação da comunidade
judaica no Brasil. Foram esses imigrantes que organizaram a comunidade do Recife segundo o
modelo de Amsterdã, sob o nome de Tzur Israel de 1640 a 1654. Havia uma escola,
chamada Etz Hayim – Árvore da Vida, um cemitério e uma sociedade beneficente.
Para manter a disciplina foi decretado que poderia haver apenas uma comunidade em cada local
e que cada nova congregação deveria receber a aprovação do Recife.
Com a saída dos holandeses, em 1654, a vida judaica se desestruturou, as relações
comerciais definharam e muitos judeus abandonaram o país, emigrando para outras colônias
da Holanda, como Suriname e Curaçau. E recomeçaram as perseguições aos judeus e aos
cristãos-novos.
Antes mesmo da expulsão dos holandeses, muitos judeus haviam abandonado a região,
transferindo-se para o Rio de Janeiro e São Paulo. A atuação da Inquisição mostrou-se
negativa para o próprio governo. O confisco dos engenhos açucareiros provocou o
estancamento da economia.
Com tantas perseguições, os judeus e os cristãos-novos se perderam como grupo
distante, porém sua tradição ficou marcada em vários segmentos e valores do povo
brasileiro, como as lutas pelo liberalismo. Um de seus maiores expoentes foi Joaquim da
Silva Xavier, o Tiradentes, que lutou para conseguir libertar o Brasil do jugo português.
Hipólito José da Costa Pereira Fagundes de Mendonça, brasileiro de origem cristã-nova,
foi funcionário português, porém teve que abandonar o Brasil devido a suas idéias
liberais (1774-1823).
As lutas pela independência se estendem por todo o Brasil. A primeira loja maçônica
(supõe-se que os fundadores também tinham origem cristã-nova) fundou-se em 1807, na
Bahia. Suas atividades, suas idéias tiveram influência em todas as lutas revolucionárias
dentro do Brasil, inclusive na revolução de 1820. Logo após a proclamação da
Independência, D. Pedro I redigiu a nova Constituição que dava total liberdade de culto.
Constituiu-se, então, a primeira congregação religiosa judaica no Brasil, em Belém, em
1822.
As primeiras comunidades judaicas do Brasil moderno estabeleceram-se no norte do país,
durante o governo de Pedro II. Até 1812, a imigração era proibida e, alguns anos mais
tarde, o arrendamento de terras a não-católicos também. Posteriormente, com o implemento
da colonização em grande escala, o governo brasileiro favoreceu a vinda de italianos,
alemães e espanhóis. Com eles, vieram também vários judeus, originários, principalmente
da Alemanha, Hungria e países do oeste europeu.
As primeiras manifestações de uma vida social judaica criaram-se a partir da vida dos
judeus sefaraditas, de Marrocos, que se estabeleceram em Belém, Bahia, Manaus e outros
lugares ao norte. Após longa luta para integrarem-se economicamente, esses grupos
prosperaram e criaram comunidades bem organizadas, de prestígio e com vários membros
atuando dentro da vida política brasileira.
As duas comunidades – a da região amazônica e a do Rio de Janeiro – não mantinham
entre si quaisquer relações de grupo e apresentavam, aliás, características diferentes.
A coletividade amazônica era mais estável. Os judeus marroquinos vinham pelo extremo
norte do Brasil com a intenção de ali se radicarem, tendo, em conseqüência, alargado com
o tempo o seu campo de atividades, especialmente no setor de navegação e exploração de
seringais, afora a sua participação nas atividades públicas e no exercício de cargos
oficiais.
Já no sul, os judeus, originários do oeste europeu, vinham com o objetivo de tentar uma
vida normal. Muitos dedicando-se, no Rio de Janeiro e em Estados vizinhos, às ocupações
comerciais.
Do Rio de Janeiro e de Belém, os judeus se espalharam por todo o país, principalmente
em São Paulo e em Minas Gerais, onde muitas famílias brasileiras, como os Moretzon,
Isacson, Prado, Schneider, Figueiredo, são de origem judaica.
Na última década do século XIX e durante a primeira do século XX, a imigração
judaica cresceu de vulto, multiplicando-se os países de procedência e também as regiões
em que os imigrantes passavam a fixar-se no Brasil. Enquanto, até então, os imigrantes
judeus provinham quase exclusivamente do norte da África e do Ocidente europeu, já agora
passaram a chegar também levas de judeus do Mediterrâneo oriental – Grécia, Turquia,
Síria, Líbano e Palestina – bem como da Rússia e países vizinhos. Localizavam-se de
preferência na zona sudeste do país – Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais – mas
também se disseminando, em pequenos núcleos, por muitos outros Estados, tanto do sul como
do nordeste.
O quadro das principais concentrações israelitas do Brasil, no ano de 1910 – às
vésperas do início da vida judaica organizada no país – pode ser apresentado nestes
termos sucintos: no extremo norte – o agrupamento da Amazônia, datando de 1822, isolado e
conservador, de origem norte-africana ; no extremo sul – o conjunto de colônias judaicas
do Rio Grande do Sul, com imigrantes de origem russa; e no sudeste – o eixo Rio de
Janeiro-São Paulo, com numerosos núcleos satélites, resultantes de uma imigração
cosmopolita.
A imigração judaica ao Brasil, nos anos de 1900 a 1920, é calculada ao redor de 200
pessoas. Após a Primeira Guerra Mundial, o número de imigrantes judeus aumentou muito, e
calcula-se que, entre 1920 e 1930, entraram no país cerca de 30 mil judeus. A maior parte
dessa corrente migratória provinha da Bessarábia, .Romênia e Polônia e era conseqüente
à desorganização econômica vigente naqueles países.
Durante a Primeira Guerra Mundial surgiram as primeiras instituições judaicas
ashquenazitas e sionistas. Em Porto Alegre, foi fundado o jornal em idish, Di Menshheit,
provavelmente o primeiro no gênero, no país. Em 1916, no Rio de Janeiro, fundou-se a
Sociedade de Assistência das Senhoras Israelitas, cujo objetivo é a beneficência. Mais
tarde, outras similares foram fundadas em todo o país.
No ano de 1933, a vida judaica penetrou em nova fase, devido ao regime restritivo à
imigração, instituído em 1931. Sobreveio no mesmo ano de 1933 o movimento nazista, cujo
espectro acabou atingindo as plagas do Brasil.
Freada a liberdade de reunião, a vida social judaica ficou por vários anos reduzida a
atividades religiosas e beneficentes, cabendo mencionar a este respeito o valioso concurso
trazido pelos imigrantes judeu-alemães, que começaram a afluir ao Brasil depois de 1933,
os quais, com muita eficiência, organizaram suas próprias instituições.
Terminada a Segunda Guerra Mundial, em 1945, os ideais democráticos voltaram a dominar o
país, dando azo a que se reanimasse a vida coletiva dos judeus do Brasil. As sinagogas
foram surgindo conforme o aumento da imigração. Após o Holocausto, as ondas migratórias
cresceram e o número de instituições judaicas multiplicou-se.
Na década de 80 havia cerca de 170.000 judeus no Brasil, sendo 70.000 em São Paulo,
cerca de 60.000 no Rio de Janeiro e o restante distribuído em diversas cidades do
território nacional.
Existem comunidades judaicas desde o extremo norte até o extremo sul. As da Amazônia e
Pará, embora em pequeno número, guardam tradição secular. Recife, Salvador, Curitiba,
Belo Horizonte contam com centros comunitários bem desenvolvidos. Existem comunidades
menores em Niterói, Nilópolis, Petrópolis, Campos, Juiz de Fora, Santos, Campinas,
Sorocaba, Franca, Ponta Grossa, Passo Fundo, Pelotas, Santa Maria, Cruz Alta, Santana do
Livramento e Uruguaiana. Nas cidades de Fortaleza e Maceió vivem apenas algumas famílias.
O incremento demográfico dos judeus no país não é devido somente à imigração. Nos
últimos decênios restringe-se mais ao crescimento interno, concorrendo para tanto a
convivência comunitária.
A coletividade judaica do Brasil é hoje, numericamente, a segunda na América Latina,
cuja maior comunidade, 350.000, vive na Argentina.
As primeiras sinagogas no Brasil funcionaram, inicialmente, para os serviços religiosos
diários, em salas alugadas, até que se tornava possível a construção de uma sede
própria. Nas comunidades maiores, por ocasião da celebração das datas mais importantes,
tais como Rosh Ha-Shaná e Yom Kipur, alugavam-se especialmente salões
espaçosos para acolher todos os fiéis. Convém salientar que, embora ligados a sua fé e a
suas tradições, nem todos os judeus professam a religião. Muitos dos primeiros imigrantes
aqui chegados, mesmo os que provinham de regiões onde em regra se recebia uma educação
religiosa intensiva, só compareciam à sinagoga em ocasiões extremamente solenes, como
seja para recitar as orações em memória dos mortos – o Izkor ou o Kadish.
Marcando o início da vida associativa, fundou-se no Rio de Janeiro, em 1910, a primeira
sinagoga congregando elementos ashkenazim, denominada Centro Israelita do Rio de Janeiro.
Posteriormente, na Praça 11 de Junho, onde estavam concentrados os judeus da referida
origem, surgiram, sucessivamente, as sinagogas Beth Jacob, Beth Israel, Mahzikei Hadas, Adas
Israel e Ezras Israel. A comunidade sefaradita já possuía sua sinagoga desde 1846. Nas
comunidades do interior do Brasil, desde o Norte até o Sul, o início da vida associativa
se processava do mesmo modo. Ainda hoje, apesar de no Rio de Janeiro e em São Paulo já se
terem construído grandes sinagogas em vários bairros, funcionam "minyanim"
em locais alugados, e nas grandes datas, que congregam maior número de fiéis, celebram se
orações em sinagogas provisoriamente montadas. Também no interior ocorre o mesmo fato.
O culto nas sinagogas do Brasil segue, na sua maioria, o rito ortodoxo. Verificam-se,
todavia, certas nuanças diferenciais entre os sefaradim e ashkenazim. Com a
chegada dos judeus alemães foram instaladas, primeiro no Rio de Janeiro, depois em São
Paulo, e ultimamente em Porto Alegre, as sinagogas de corrente-liberal.
A aproximação mútua entre a coletividade judaica e a população geral se manifesta
através de mostras de solidariedade e reconhecimento, tanto por parte do povo como das
autoridades do país. Convém citar como exemplo os seguintes fatos:
No Rio de Janeiro existem escolas públicas com os nomes de Anne Frank, Estado de Israel,
David José Perez, este homenageado pelos relevantes serviços prestados como educador, e
Wolff K. Klabin, como reconhecimento pelo muito que realizou como homem de empresa, no campo
da beneficência e filantropia; ruas com nome de Theodor Herzl e Stefan Zweig, praças com
nome de David Ben Gurion e Haím Weizmann, e um busto em jardim público, na Glória, em
homenagem a Lasar Segall.
Em São Paulo existe a Avenida Albert Einstein, ruas com nome do Estado de Israel,
Alexandre Levy , Embaixador Horácio Lefer, Heróis de Varsóvia, Theodor Herzl e
Combatentes do Gueto. Em Santos há uma rua com o nome de Estado de Israel.
Em Porto Alegre, encontram-se a Praça Theodor Herzl, a Rua Estado de Israel e o Colégio
Anne Frank, e o Monumento aos Farrapos que foi doado à cidade pela coletividade judaica.
Em várias outras cidades do país, logradouros públicos levam o nome do Estado de
Israel e de figuras judaicas eminentes.
A. Catequese
A catequese foi sempre considerada pela Igreja como uma de suas tarefas prioritárias.
Através da catequese, a Igreja transmite de modo orgânico os princípios da fé, sua
tradição e a prática que deve acompanhar esta fé. Por isso, a catequese é também o
meio privilegiado de preservar idéias e práticas tornando-as cada vez mais conformes com o
evangelho.
A catequese é fonte de vida, partilha e comunicação das experiências de Deus, feita
pelos homens e pelo povo de Deus através dos tempos que encontramos na Escritura e na
Tradição. Não é um simples saber ou conhecimento do Novo Testamento. Trata-se da
experiência, visão e espírito bíblico do Deus que se revela na história e que se dá a
conhecer.
A transmissão desta experiência de Deus na história coloca-nos diante do povo de
Israel. Ela se faz através das Escrituras e do próprio povo judeu que nos deu Jesus
Cristo.
Raízes e herança judaica
As primeiras comunidades judeu-cristãs se formaram através de Jesus e de seu povo.
Delas recebemos um patrimônio pelo qual nos tornamos responsáveis.
● O Novo Testamento está profundamente marcado por suas relações com o Antigo
Testamento. Um dos princípios orientadores da catequese é lembrar que o Antigo Testamento
é primeiramente Escritura judaica, comum a judeus e cristãos.
● Jesus, Maria e os primeiros discípulos eram judeus. Foram os primeiros a aceitar
Jesus como Messias. Jesus nasceu, viveu e morreu como judeu.
● O judaísmo no tempo de Jesus não era uma unidade homogênea, mas bastante
complexa. O conhecimento dessa complexidade evitará a perpetuação de diversos
preconceitos, estereótipos de espírito antijudaico. Perceber as divergências religiosas
entre saduceus, zelotas, essênios, fariseus. Aprofundar sobretudo o conhecimento do fariseu
a partir da tradição judaica, e não somente da apresentação que se faz no Novo
Testamento surgido num contexto polêmico. Descobrir a importância dos mestres judeus no
tempo de Jesus, o seu respeito pela Escritura. A busca e a interpretação das mesmas
Escrituras. O midrash e sua utilização pelos mestres, a tradição oral e o método
pedagógico próprio do ensino nas sinagogas. Situar Jesus Mestre no contexto dos mestres de
seu tempo, para melhor descobrir sua pedagogia e assim melhor transmitir sua mensagem.
● Ressaltam-se a importância da sinagoga e seu 1ugar na vida judaica desde o tempo
de Jesus, a liturgia sinagogal e as festas judaicas vividas por Jesus e pelo povo judeu
hoje, o sábado e a santificação do tempo, as raízes da liturgia cristã radicadas na
liturgia judaica.
● O judaísmo não terminou em 70 com a destruição do Templo. Foi o que pensaram
os cristãos durante séculos. Os cristãos do século XX convivem com o povo judeu e com o
Estado de Israel.
O respeito pelas Escrituras
Para o judeu, a Bíblia é o livro por excelência, sempre atual e presente pela mensagem
que traz para a vida religiosa, ritual e social, em sua concepção de Deus, do homem e do
mundo.
Até o exílio de Babilônia, a vida e a prática religiosa do povo judeu estavam
centralizadas no Templo de Jerusalém. No exílio, toda a vida judaica organizou-se em torno
da Palavra e, posteriormente, fez-se a sistematização das Escrituras. No tempo de Jesus,
já era conhecida na ordem que encontramos hoje: Toráh – Pentateuco, os 5 livros
de Moisés; Nebiím – Profetas e Ketubím – Escritos.
As iniciais de Toráh, Nebiím e Ketubim formam o TaNaK.
De todos os livros bíblicos, a Toráh ocupa o lugar mais eminente na tradição e na
liturgia judaica.
A Toráh é a parte mais antiga da Bíblia e teria sido escrita por Moisés.
Contém as verdades fundamentais sobre Deus e sobre o homem. Constitui um caminho para a
vida religiosa e moral do indivíduo , é a garantia de unidade e perenidade do povo judeu.
Durante todos os séculos, a Torá foi lida, estudada e comentada. Além de ser um
código legal, é para os judeus uma fonte de vida onde jorra o modelo de sua história e
suas leis, que alimentam sua fidelidade ao Deus Único.
Nebiím (profetas) é formado por duas partes: os primeiros profetas,
que compreendem os livros de Josué, Juizes, I e II de Samuel, I e II Reis, constituindo as
narrativas que seguem a Torá e a conquista da Terra até a destruição do Templo de
Jerusalém (586 a.C.), e os posteriores Profetas: Isaías, Jeremias, Ezequiel e os 12
ou menores profetas. Os profetas menores são formados pelos 12 livros
colocados na Bíblia hebraica depois do livro de Ezequiel.
Ketubím, terceira parte da Bíblia, em termo grego Hagiógrafos. Abrange
os Salmos, Provérbios. Jó, Cântico dos Cânticos, Rute, Lamentações, Coélet, Ester,
Daniel, Esdras, Neemias e Crônicas.
Quando Jesus fala aos discípulos sobre os acontecimentos, ele diz: "Isto é o que
vos dizia quando ainda estava convosco. Era necessário que se cumprisse tudo o que de mim
está escrito na Lei de Moisés (Toráh), nos Profetas (Nebiím) e nos
Salmos (Escritos)".
Tradição oral – Toráh oral
A Toráh é o centro de onde tudo se irradia e para o qual toda a vida judaica
converge. Consciente de tudo o que ela significa, o povo judeu desenvolveu uma verdadeira
veneração pela Toráh.
A Toráh é doutrina, ensinamento, instrução, direção e também lei. É
doutrina essencialmente voltada para a prática, é Revelação enquanto expressão da
vontade divina a ser realizada e obedecida, caminho de justiça, de santidade, de verdade
que leva à vida. Ao lado da Escritura, Toráh escrita, temos a Toráh oral
que tem a mesma autoridade. Foi codificada aos poucos pela literatura rabínica.
De acordo com a posição tradicional judaica, se a Toráh escrita data
diretamente de Moisés e contém uma revelação recebida no Sinai, a mesma coisa se afirma
da Toráh oral. Sua função é dupla: de um lado ela completa, de outro ela
interpreta e aplica a Toráh escrita. O problema da aplicação da Torá
escrita não cessa de se colocar em todas as épocas.
A tradição oral – tradição interpretativa – foi transmitida pelos mestres
oralmente desde o exílio. Essas interpretações foram recolhidas por escrito, durante os
séculos II a VIII d.C., dando nascimento às obras que conhecemos como Talmud e Midrash.
O Talmud inclui dois diferentes elementos: a Halakáh (lei) e a Hagadáh
(narração). A Halakáh reúne os estatutos da oração oral, enriquecidos
pelas discussões das escolas da Palestina e da Babilônia, para alcançar as fórmulas
definitivas da Lei. A Hagadáh, partindo também do texto bíblico, ensina por meio
de lendas, alegorias, reflexões de moral e reminiscências históricas. A palavra Talmud
referia-se, no princípio, somente à Guemará; posteriormente o nome veio a ser
aplicado a ambos: Mishnáh e Guemará e têm a seguinte relação entre si: a
primeira é o texto e a segunda o comentário. O Talmud consiste de sessenta e três
livros legais, éticos e históricos escritos pelos antigos rabis.
A palavra Midrash significa "interpretação" e designa a exegese
bíblica baseada no método de "drash", que é uma análise minuciosa e
microscópica do texto bíblico, verso por verso, e às vezes, letra por letra. Esta
análise se aplicava tanto a textos jurídico-religiosos como folclóricos ou históricos.
No primeiro caso se trata de Midrash Halakáh e no segundo, de Midrash
Hagadáh. Essas foram as duas formas mais antigas da exposição midráshica, que deram
origem às duas grandes categorias em que se divide o Talmud, Halakáh
e Hagadáh. O modo de interpretar e fazer "midrash" era comum aos
tempos de Jesus. Através de parábolas, pequenas histórias, fatos, citação da Escritura,
explicava-se o que Deus e a vontade divina esperavam e convocavam o povo a realizar. Nos
Evangelhos, vamos encontrar inúmeras parábolas de midrash hagádico e também
comentários haláhicos.
Judaísmo no tempo de Jesus
O judaísmo no tempo de Jesus não era uma realidade homogênea. Os estudos históricos e
interpretativos do Novo Testamento descobrem, cada vez mais, que os evangelhos são
testemunhos de diversas comunidades que floresceram em realidades diferentes. Para
compreender o nascimento das Escrituras nas comunidades cristãs, é preciso hoje recorrer
à história e tradição judaicas. Não podemos mais falar dos judeus sem perguntar como os
judeus se compreendiam e como viviam nos primeiros séculos de nossa era.
A complexidade da vida judaica no tempo de Jesus é atestada pelos próprios evangelhos.
Neles encontramos diversas categorias ou grupos de judeus: escribas, doutores da lei,
saduceus, zelotas, fariseus e, implicitamente, o modo de vida dos essênios. O que une estes
diferentes judeus é a Toráh, e o que os torna distintos é o modo de expressá-la e
portanto de vivê-la.
● Saduceus – Em sua maioria, pertenciam à aristocracia sacerdotal,
famílias ricas da aristocracia, dirigentes do povo. Sua autoridade se relacionava sobretudo
com o que dizia respeito ao culto do Templo em Jerusalém. Colaboravam com os romanos, pois
gozavam de muitos privilégios e, por isso, mantinham e lutavam pelo "status quo".
Temiam todo movimento ou manifestação de transformação social, econômica, política ou
religiosa. Desde o tempo dos Macabeus, eram inimigos dos fariseus. Este grupo desapareceu no
ano 70 com a destruição do Templo. No plano religioso, só aceitavam a Toráh
escrita. Não acreditavam na ressurreição e nem nutriam o ideal messiânico.
● Herodianos – O nome vem de Herodes, o Grande. Eram membros da casa de
Herodes e de sua corte. Faziam parte da administração estatal. Apoiavam a dinastia de
Herodes e, por isso, eram mais numerosos na Galiléia. Eram próximos dos saduceus pelos
interesses e privilégios. No entanto, no que se refere ao imposto sonegado a Roma, estavam
próximos dos zelotas, pois alimentavam o ideal de libertação da Galiléia do jugo romano.
Faziam alianças de diversos tipos. Procuravam aproximar-se dos fariseus, pois tinham
consciência da influência popular de que estes gozavam.
● Essênios – De um modo geral, contrastavam com todo o conjunto da vida
de Israel. Viviam separados, em oposição aos outros grupos. Possuíam uma organização
comunitária muito rígida, de espiritualidade apocalíptica, com a idéia de representar o
verdadeiro Israel. Não tinham propriedade privada. Tudo era comum: casas, terras, rebanhos,
roupas. Um membro eleito era responsável pelo recebimento de todo o lucro e pela compra do
que era necessário à comunidade. O comércio era proibido entre eles. Recusavam-se a
fabricar armas, e sua lei fundamental era viver em paz e do produto do próprio trabalho,
evitando tudo o que pudesse fazer mal a outrem.
Muitas comunidades de essênios viveram próximo de aldeias ou nos desertos. O sinal
exterior característico era uma túnica branca dada a todo neófito que se interessava pela
comunidade.
Até bem pouco tempo, os essênios eram conhecidos somente pelos historiadores antigos. A
partir de 1947, com as descobertas de Qumrã, grutas que ficam às margens do mar Morto,
eles se tornaram mais conhecidos. Nestas grutas, foram encontrados muitos documentos da
comunidade, manuscritos que revelam o modo de vida dos essênios.
● Fariseus – A origem dos fariseus parece datar da época dos Macabeus
(1Mc 2,42; 7,13). No entanto, o movimento tem suas raízes no exílio e na volta do exílio,
com Esdras e Neemias (Ne 8,7-8). Foi a partir desta época que a profissão do escriba
passou a ser exercida, não somente pelos sacerdotes, mas também por leigos. Ligados,
portanto, aos leigos, estudando e ensinando a Toráh, estes escribas aos poucos
começaram a exercer a mesma função de liderança espiritual até então reservada aos
sacerdotes. No início, eram pouco numerosos. Os fariseus são homens do povo: trabalhadores
rurais, artesãos e comerciantes etc...
Convencidos de que Deus deu a Toráh a todo o povo e não somente aos descendentes
de Levi (Ex 19,6), deduziram que não era necessário ser sacerdote para conhecer, ensinar e
praticar toda a Toráh. Um doutor da lei leigo ou um filho de prosélito (convertido)
vale mais do que um sumo sacerdote que ignora e não cumpre a Toráh.
No tempo de Jesus, os fariseus representavam as crenças, práticas religiosas e atitudes
sociais da maioria dos judeus. Eram recrutados em todos os meios sociais, mas
particularmente nos meios modestos das aldeias, onde a presença de uma sinagoga e, mais
tarde, de uma escola permitiam estudar a Toráh aos pés de um mestre.
Havia um período de formação. Primeiro estudar a Toráh com o mestre, aprender
a praticar a Toráh de modo a estar sempre em estado de pureza ritual: observar o
sábado, as festas, orar, pagar o dízimo, comer somente o permitido e se portar em tudo
como judeu-modelo. Após esta iniciação, a pessoa era admitida nas "haburot
" (amigos, companheiros), confraria farisaica. As "haburot"
eram abertas a todos, mas só se recebiam como membros os que levavam vida digna de membro
do "povo de sacerdotes, nação santa", que deveria ser todo Israel.
Mas não podemos considerar os fariseus um grupo homogêneo. Há mesmo duas tendências
opostas que dividem os fariseus. Duas grandes escolas: Shamai e Hillel. A escola de Shamai
representa uma tendência rígida, menos humana e mais aristocrática. Até o ano de 41
d.C., antes do rei Agripa, os shamaítas vindos de famílias ricas foram mais fortes e
tiveram influência junto aos saduceus. Os sacerdotes que pertenciam ao farisaísmo vinham,
em sua maioria, da escola de Shamai. Após 70, eles sobreviveram por algum tempo em Lod, mas
foi a tendência de Hillel que se impôs no final do século I d.C.
A escola de Hillel é mais humana e próxima do ensinamento de Jesus. A "regra de
ouro" que encontramos em Lc 6,31: "Não faças ao outro o que não queres que
façam a ti", aparece também na tradição judaica como sendo de Hillel. Paulo foi
discípulo de Gamaliel I que, por sua vez, era discípulo de Hillel.
Geralmente, os fariseus admitiam o princípio de evolução em suas decisões legais, ao
passo que os saduceus eram incapazes de adaptação a um ambiente em fase de evolução. Os
fariseus eram assim, em geral, brandos em suas interpretações, enquanto os saduceus se
apegavam à letra do texto escrito. Os fariseus colocavam a vida da nação dentro de uma
estrutura haláhica expressa na Lei oral que consideravam não menos vital que a Lei escrita
(a Bíblia). Sua doutrina aspirava a cobrir a vida inteira da comunidade, tocando portanto
nos fundamentos teológicos da vida, nas questões de destino, de bem e de mal, de
imortalidade da alma e de escatologia.
Os próprios evangelhos são testemunho da importância dos fariseus. E a idéia que
temos do fariseu se tornou o modo mais comum de transmitirmos nossas idéias sobre os judeus
e o judaísmo.
Nos evangelhos, os fariseus vêm assimilados aos saduceus, sumo sacerdotes e escribas,
dando do fariseu uma idéia homogênea que se transformou em sinônimo de hipócrita,
legalista, rigorista. Este modo de considerar o fariseu como maior adversário de Jesus,
talvez não venha do contexto histórico vivido por Jesus, e sim das comunidades cristãs e
judeu-cristãs, após a destruição do Templo e da Revolta Judaica de 135. A partir desta
época os fariseus assumiram a organização e a direção espiritual do judaísmo.
● Zelotas – Procuravam implantar o Reino de Deus através de ações
concretas. Representavam o nacionalismo judeu mais rigoroso. O nome zelota vem de "zelo
pela lei", apoiados no ideal que remonta ao profeta Elias. Na grande maioria,
pertenciam às camadas rurais mais pobres. Combatiam a dominação romana que criava uma
realidade injusta. Vários autores indicam o início do movimento zelota com Judas, galileu,
logo após a morte de Herodes, quando a Judéia foi transformada em província romana.
Consideravam o político e religioso intrinsecamente ligados; por isso, através da luta
armada, cooperavam com a "vinda do Reino de Deus". Estavam dispostos a atacar e
matar não só os romanos e estrangeiros, mas também os judeus colaboracionistas.
A conversão consistia na solidariedade, disponibilidade total e, se preciso fosse, até
o martírio.
● Sinagoga – A origem da sinagoga permanece ainda obscura. A opinião mais
provável é que ela começou a existir em Babilônia, durante o exílio, como substitutivo
do serviço do Templo, ou talvez como imediata necessidade para os exilados se
reencontrarem. Introduzida por Esdras na Palestina, logo se difundiu por toda a Erets
Yisraêl. Alguns eruditos já defenderam a tese de que ela foi criação palestinense,
inclusive anterior ao Templo, no tempo da reforma de Josias. A existência de sinagogas no
século III a.C., no Egito, é documentada por inscrições e papiros. As descobertas de
Delos são os testemunhos mais remotos. De qualquer sorte, a instituição sinagogal cresceu
com o tempo e conheceu várias formas de existência. É o centro religioso, cultural e
social da coletividade judaica. A palavra, que é de origem grega, significa reunião e é
sinônima da palavra `ibrit: Kneçet.
Contudo, no tempo de Jesus, vemos que elas estão em pleno florescimento também em
Israel, desempenhando um papel importante mesmo na liturgia do Templo.
Após a destruição do Templo em 70 e o fim do culto dos sacrifícios, a sinagoga
tornou-se o "lugar" da vida religiosa, social e intelectual dos judeus até nossos
dias.
● O sábado – Shabat – O Shabat começa na sexta-feira à tarde e
termina no sábado à tarde. A partir do Decálogo e do conjunto da Lei judaica, este dia é
um dia que não se trabalha. É um dia de repouso, de louvor ao Deus Único, Criador.
Antes que chegue a tarde de sexta-feira, tudo deve estar preparado. Em casa a mesa é
posta, a mãe de família acende as velas do sábado com a "bênção da luz", e o
pai pronunciará a bênção do vinho. Na sinagoga o ofício é celebrado com salmos e hinos
próprios para acolher o sábado, e a bênção do vinho "Qidush" também
é cantada. De volta a casa, as famílias se reúnem para a refeição preparada com carinho
especial e onde se encontram entre amigos. O dia de sábado é reservado para a oração,
estudo, visita aos doentes e aos amigos.
No ofício matutino da sinagoga, é lida a Toráh que é retirada solenemente do
seu lugar especial – Arca Santa. Juntamente com a Toráh é lido um trecho dos
profetas, às vezes seguido de homilia.
Na tradição judaica, o Shabat é sinal da Aliança entre Deus e a Criação.
Sendo Israel o povo da Aliança, o sábado é o sinal por excelência desta Aliança entre
Deus e Israel (Ex 31,13).
Para o judeu, guardar o sábado é testemunhar no meio dos homens o elo que os une a Deus
que é proclamado como:
– Fonte de vida e de liberdade para o homem (Dt 5,15).
– Criador do Universo (Ex 31,17).
– Igualdade de todos os homens. Todos são filhos de Deus e portanto devem neste dia
formar uma unidade diante do Criador (Dt 5,14).
O cristão conhece o Shabat pelos evangelhos. Jesus freqüentava a sinagoga aos
sábados (cf. Lc 4,16-20; 6,6, e outros).
● Calendário judaico – O primeiro traço com que deparamos, analisando o
calendário judaico, é a sua origem, ao mesmo tempo solar e lunar. De fato, o ano é solar
e os meses são lunares. A duração do ano está determinada pelo tempo de evolução da
terra ao redor do sol, ou seja, 365 dias e um quarto. Compreende também doze meses; visto
porém serem lunares, e somarem portanto, ao todo 354 dias e meio, aparece uma diferença de
11 dias entre a extensão do ano solar e a do lunar. Para acertar o equilíbrio entre ambos,
recorre-se ao ano de 13 meses, entremeado dos anos comuns. A proporção é de 7 anos de `ibur
para um ciclo de 19 anos comuns, ao cabo dos quais a diferença é sanada. A duração do
mês judaico é determinada pelo tempo que leva a lua em fazer a evolução ao redor da
terra, isto é, 29 dias e meio. Como era preciso dar ao mês uma duração mais definida,
por motivos práticos, facilmente explicáveis, atribuíram-se 29 dias a alguns e 30 a
outros. Deste modo há no ano judaico cinco meses de 29 dias, cinco de 30, e dois cuja
duração varia de ano para ano. O mês começa com a lua nova, e o primeiro dia chama-se Rôsh
Hôdesh. Para os atos religiosos, os hebreus adotaram uma contagem, criando o
calendário conforme cálculos baseados na Bíblia, que situariam a criação do mundo,
3.760 anos a.C.
B. Convivência
O encontro do judeu com o cristão não se efetua a partir do zero. Os séculos colocaram
no caminho do diálogo muitos ressentimentos, suspeitas e mitos que precisam ser superados.
I. O primeiro obstáculo a ser removido são os mitos, pois o próprio judeu para muitos
continua sendo um mito. Há mitos que tratam o judeu como sendo um ser irreal,
atribuindo-lhe qualidades acima dos outros povos, e há os mitos negativos que fazem do
judeu um aliado do diabo. No folclore medieval, o judeu era visto como tendo um pacto com o
diabo, levando o crédulo à inferência de que batendo no judeu estava praticando um ato
meritório de fustigar o diabo.
Para que haja diálogo precisamos, revendo os mitos, encontrar O OUTRO antes de tudo COMO
SER HUMANO. Como em qualquer agrupamento humano, podem ser encontrados entre os judeus os
praticantes e os apáticos, os inteligentes e os retardados, os honestos e os desonestos, os
politicamente ativos e os alienados etc.
Assim sendo, na primeira fase da convivência deixemos que a realidade confronte o mito.
Vide sugestões concretas para o debate no Item A – A luta contra o preconceito.
II. Se quisermos abordar a convivência de judeus e cristãos, teremos que enfrentar
também uma suspeita: os judeus desconfiam que o diálogo religioso é travado pelos
cristãos com a meta de convertê-los. Esta suspeita não é infundada, pois no passado o
diálogo era em geral mantido com esta intenção. Não há verdadeiro diálogo, se o outro
é visto como um candidato à conversão. Como a meta é a convivência, cabe evitar a
doutrinação e o monólogo e substituí-los por um interesse genuíno nas diferenças e
semelhanças das duas tradições. Uma lista de perguntas no Item B – Conhecendo o
judaísmo – serve para provocar indagações que de fato reflitam a curiosidade dos
interlocutores.
III. O reconhecimento mútuo, em nível de religiões, requer entre outros quesitos as
seguintes posturas: para a convivência, é necessário compreender que os judeus consideram
o Antigo Testamento não como um prefácio do Novo. Seria de grande proveito para o
diálogo, se os interlocutores abordassem o texto "deixando o texto falar".
Obviamente cada um dos leitores da Bíblia vem ao texto com uma série de associações de
sua doutrina; trata-se de sua tradição da leitura do texto. Esta tradição interessante,
e valiosa em si, muitas vezes abafa uma leitura renovada do texto. Propõe-se uma atitude
sem idéias predeterminadas ao ler o texto do Antigo Testamento; sugere-se que o façamos
com os olhos de quem o encontra pela primeira vez. Isto possibilitará o diálogo.
Em uma segunda fase nada impede de comparar como cada grupo compreendeu e interpretou um
determinado texto à luz de sua tradição de ler as Escrituras.
Ao abordar textos, deve-se levar em conta um perigo que decorre da utilização cristã
do Antigo Testamento, na sua polêmica do passado contra o judaísmo. Ao apresentar o
"Velho" Testamento como uma preparação para o Novo, foi freqüente o hábito de
contrastar os dois testamentos sempre com o intuito de mostrar a altura espiritual
alcançada pelo Novo. Um ataque freqüente foi, por exemplo, que o Deus do "Velho"
Testamento é o Deus da Justiça, enquanto o do Novo Testamento é o Deus do Amor. Justiça
sem amor certamente se transformaria em tirania, como amor sem justiça não seria mais do
que sentimentalismo. A verdade é que os que escreveram o Novo Testamento também souberam
invocar a ira divina sobre os pecadores, enquanto os que escreveram a Bíblia hebraica
também souberam falar com ternura do Amor divino. Há alguma exposição mais nobre do Amor
de Deus do que o livro de Jonas, o Cântico dos Cânticos, o livro de Oséias e muitos dos
Salmos?
Para compreender o judaísmo, uma outra necessidade seria o estudo da criatividade
literária dos judeus nos primeiros cinco séculos da era cristã, literatura esta quase
completamente ignorada pelos cristãos. Seria de grande vantagem corrigir a visão errônea
de que o judaísmo na época de Jesus era "legalismo sem alma". O judaísmo
conservou toda a sua vitalidade na época da Mishnáh (séc. I e II), do Talmud
(séc. III a V) e dos Midrashim. Existem criações espirituais de valor,
interpretações e correntes das mais variadas. O item C sugere o estudo de algumas fontes.
IV. Por esta razão, ao contrastar as duas religiões, deve-se tentar reconhecer o
judaísmo como sendo uma religião completa, com sua própria criatividade, com seus
aspectos espirituais originais, e isto requer uma nova postura para a convivência.
Um destes quesitos se refere à culpa dos judeus. Tendo os judeus de hoje sido absolvidos
pelo Concílio Vaticano II da culpa de "deicídio", não mais se pode considerar
os judeus como amaldiçoados. Contudo o sofrimento judaico neste século requer uma nova
explicação. O Item D ousa sugerir uma fonte bíblica que merece ser estudada.
V. Um último requisito para uma convivência necessita ser abordado: o Antigo Testamento
foi usado indevidamente contra os judeus. Dentro da polêmica do passado, as denúncias das
transgressões do povo foram mantidas como referentes aos judeus, enquanto as mensagens
positivas do futuro de Israel foram tomadas como referentes à Igreja. Com isto ficaram para
os judeus as acusações, mas não as promessas.
Item A – A luta contra o preconceito
Alguém do grupo conhece um judeu? Em que medida os presentes que não conhecem judeus
têm idéias preconcebidas? Há preconceitos na nossa sociedade? Estereótipos quanto a
japoneses, negros etc. poderiam ser analisados.
Debate: Em que medida a malhação de Judas, tradição folclórica (conscientemente
ou inconscientemente) ajuda a fortalecer preconceitos, violência, contra os judeus?
Sensibilizar o grupo para o uso de palavras que levam uma carga preconceituosa em nossa
língua.
Exemplos: O verbo judiar, trabalho de negro, negro com alma de branco, judeu
errante etc.
Item B – Conhecendo o judaísmo
Sugestões – Visitar uma sinagoga. Planejar um Sêder. Explicar o que é
a Toráh (rolo ainda hoje escrito a mão, lido na sinagoga). Analisar uma reza
judaica.
Dar exemplos de organizações de judeus que ajudam judeus. Exemplos de contribuições
de judeus para a cidade, o estado e o país. Contribuições de judeus à humanidade.
Por que os judeus que chegaram ao Brasil começaram como comerciantes?
Por que os judeus não acreditam em Jesus?
O Estado de Israel é como o Vaticano?
Por que há necessidade de um Estado de Israel?
Qual a diferença entre israelita e israelense?
Qual a diferença entre israelita e judeu?
O judaísmo crê em outro mundo?
Quais são os ideais proféticos de Justiça Social?
O Universal e o Nacional no judaísmo?
Estas perguntas não formam uma seqüência, ou um curso, elas são aqui enumeradas
unicamente para sugerir outras indagações.
Item C – Fontes de estudos sobre a Mishnáh e o Talmud
Existe uma obra chamada Ética dos pais, que inclui dezenas de frases dos mais
variados mestres da Mishnáh. Foi traduzida ao português e oferece amplo panorama do
pensamento da época. Também as biografias de cada sábio mencionado oferecem inspiração.
Há várias obras com frases do Talmud, mas deve-se levar em conta que na imensa
literatura talmúdica, que é muito democrática, há opiniões das mais variadas e nem
todos os pronunciamentos são normativos do judaísmo.
Item D –Sofrimento
Propomos o estudo do livro de Jó, onde o sofrimento é abordado sem que haja culpa.
Propomos que em algum momento se aborde o Holocausto com seus 6 milhões de vítimas. Há
muitos livros que contam a coragem e os sofrimentos tanto de judeus, como de não-judeus,
que se arriscaram para salvar vidas.
Projetos futuros:
Há no campo pedagógico um vasto trabalho a ser realizado.
Há necessidade de criar bibliografias de material existente.
Existe material audiovisual sobre a vida dos judeus de hoje, costumes, objetos rituais etc.,
mas este material precisa ser coletado e distribuído.
Deve-se criar cursos para preparar o diálogo nos seminários.
Impõe-se uma exegese que ajude a colocar os textos de épocas anteriores sob a perspectiva
histórica, mostrando o contexto de afirmações polêmicas, e que se façam correções de
textos usados para ensino.
Muitos projetos estão começando a se delinear.
C. Casamentos mistos
Em primeiro lugar, é importante definir "casamento misto". O termo se refere
ao matrimônio entre duas pessoas de credos diferentes, cada uma das quais decidiu manter
sua própria religião. Se um dos noivos se converteu anteriormente ao credo do outro, o
casamento não é considerado "misto".
Por que o judaísmo é oficialmente e quase universalmente contrário a casamentos
mistos?
É ponto pacífico que todos os rabinos ortodoxos ou de orientação tradicional são
unanimemente contra os casamentos mistos. É oportuno mencionar que também a maioria dos
rabinos reformistas tem a maior relutância em celebrar tais cerimônias.
Por quê? Qual o motivo dessa oposição?
Existem duas razões. A primeira é mais importante: a probabilidade de insucesso de tais
casamentos. Psicólogos, sociólogos e orientadores de casais concordam que quanto mais duas
pessoas têm em comum, tanto maior é sua chance de felicidade conjugal; e quanto mais
diferem em aspectos socioculturais, tanto menor é a probabilidade de serem felizes como
marido e mulher.
Clarence Louba, um conhecido professor de psicologia no Antioch College, disse certa vez:
"Em todo casamento, existirão algumas diferenças consideráveis de interesses,
atitudes e convicções. Mas um casamento não suporta um número elevado demais dessas
diferenças. Diferenças ideológicas, religiosas e raciais estão entre as que mais atingem
o relacionamento conjugal. Quando os cônjuges provêm de diferentes ambientes
socioeconômicos, políticos ou religiosos, surge uma infinidade de possíveis fontes de
atrito".
Isto é mais do que mera teoria. Roland Gittelsohn, em seu texto Fire in my Bones,
cita estatísticas da Hungria que mostram uma taxa de divórcio três a quatro vezes maior,
em casos de casamentos mistos, do que quando marido e mulher pertencem à mesma fé. Existem
inúmeros outros estudos a respeito do assunto, os quais não discutiremos aqui. Mas a
conclusão é clara: o convívio conjugal já é suficientemente difícil e complexo;
acrescentar divergências religiosas aos problemas cotidianos só pode gerar maiores
tensões e conflitos.
A segunda razão relaciona-se à sobrevivência judaica. Esta é uma questão na qual
não podemos ser transigentes, pois sabemos que os casamentos mistos levarão, em última
análise, ao completo desaparecimento do judaísmo e do povo judeu do palco da história.
Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos revela que, entre a geração de imigrantes, a
porcentagem de casamentos mistos é da ordem insignificante de l%. Na segunda geração, a
dos filhos destes imigrantes, a porcentagem eleva-se a 18%. E na terceira geração,
alcança 40%. Ou seja, houve um aumento de 39% na taxa de casamentos mistos em apenas três
gerações. No Brasil, embora não haja estatísticas oficiais, a proporção é a mesma. A
tendência é inequívoca. Duas em cada cinco famílias da terceira geração são resultado
de um casamento misto.
E os filhos desses casamentos? Se pudéssemos supor que a maioria destas crianças seria
criada dentro do judaísmo, não estaríamos preocupados. Mas, infelizmente, não é o caso.
Através de outras pesquisas, verifica-se que em 73% das famílias resultantes de casamentos
mistos, os filhos não são judeus. Em outros 10% dos casos, apenas um filho é judeu, os
restantes não. Somente em 17% das famílias mistas, todos os filhos são judeus. E é
preciso acrescentar que, mesmo neste último caso, não se averiguou o grau ou a
profundidade da identificação religiosa dessas crianças; foi simplesmente registrada a
afirmação dos pais de que seus filhos são judeus. O mesmo fenômeno se verifica também
do lado cristão.
O que se deduz de tudo isto? Primeiro, a taxa de casamentos mistos, que já é alarmante
entre os judeus, tende a aumentar ainda mais. E segundo, na melhor das hipóteses, somente
umas duzentas crianças, entre cada mil nascidas de tais casamentos, têm um mínimo de
identidade judaica.
Isto não é mais tema para discussões teóricas. É uma ameaça real que não pode ser
ignorada e que justifica plenamente nossa firme oposição aos casamentos mistos.
A família é o melhor meio para perpetuar os valores universais e as tradições
religiosas. Acreditamos que todas as religiões são igualmente válidas. Porque Deus é um
só. Mas existem caminhos diversos para se chegar a ele. E é preciso manter-se num deles,
seja lá qual for, a fim de não se perder. Nunca atingiremos o universal obliterando nossas
diferenças. Cabe à família judaica preservar o judaísmo, e à família cristã preservar
o cristianismo.
Este dever é igualmente reconhecido pela Igreja Católica, a qual define como
"misto" o matrimônio "entre duas pessoas batizadas, das quais uma tenha sido
batizada na Igreja Católica ou nela recebida depois do batismo, e que não tenha dela
saído por um ato formal, e a outra pertencente a uma igreja ou comunidade eclesial que não
esteja em plena comunhão com a Igreja Católica" (cânon 1124).
O Código de Direito Canônico de 1917 adotava uma atitude de desconfiança total perante
os matrimônios mistos: "...severissimamente a Igreja proíbe, em toda a parte..."
(cânon 1060). O motivo fundamental dessa proibição era o perigo que tais casamentos
poderiam representar para a fé da parte católica.
A maior compreensão dos princípios do ecumenismo cristão – sobretudo a partir do
Concílio Vaticano II – modificou, em grande parte, esta atitude. É importante observar,
entretanto, que esse abrandamento de atitude não se estende ao caso de "disparidade de
culto", quando um dos cônjuges é batizado e o outro não. "No caso do casamento
entre batizados, o qual é um verdadeiro sacramento, se estabelece uma certa comunhão de
bens espirituais que, pelo contrário, falta no matrimônio contraído por cônjuges, dos
quais um é batizado e o outro não recebeu o batismo. Não obstante tudo isto, não se deve
minorar as dificuldades que subsistem mesmo nos matrimônios mistos entre batizados"
(Motu Proprio "Matrimonia Mixta", Proêmio).
A razão básica da objeção da Igreja Católica aos casamentos mistos é idêntica à
objeção por parte da Sinagoga: o matrimônio misto constitui, objetivamente, um obstáculo
à completa fusão espiritual entre os cônjuges, pois entre eles existirá sempre algo bem
importante que não é comum a ambos: a religião.
De acordo com as normas em vigor, a Igreja Católica só permite o casamento misto
("misto" no sentido restrito, isto é, entre dois batizados) se for concedida uma
licença do bispo local. Para obter tal licença, é necessário que "a parte católica
declare estar preparada a afastar os perigos de defecção da fé e prometa sinceramente
fazer todo o possível a fim de que toda a prole seja batizada e educada na Igreja
Católica" (cânon 1125,1°). Esta exigência é reiterada nas Normas Complementares da
CNBB (1978).
O Motu Proprio "Matrimonia Mixta" aboliu as penas estabelecidas no Código de
1917 contra os católicos que tentassem casar num outro rito religioso ou com o pacto de
educarem os filhos fora do catolicismo. Isto não significa, porém, que tais atos sejam
agora considerados lícitos pela Igreja Católica. Muito pelo contrário, o Código de 1983
manda que "os pais (...) que confiam seus filhos para serem batizados ou educados numa
religião acatólica sejam punidos com censura ou outra justa pena" (cânon 1366).
Em suma, tanto os judeus como os católicos afirmam a importância da unidade e unicidade
religiosa da família, seja qual for a religião. Assumindo uma posição contra os
casamentos mistos, estamos não só fortalecendo nossos respectivos credos, como também
revigorando a instituição da família em nossos dias.
8. OBJETIVOS E MEIOS PARA PROMOVER O DIÁLOGO
O diálogo religioso ou inter-religioso deve ser vivido e alimentado pela vida, para que
a palavra não se desgaste. Através da palavra passa a vida, e com esta a comunhão.
Atingindo-se a comunhão chega-se a Deus.
Diálogo religioso é a procura de Deus por meio do irmão, em quem Deus se revela, a
partir de sua própria experiência de Deus.
O objetivo mais imediato do diálogo é conhecer o outro, para ver o que Deus nos diz por
meio dele. E não em primeiro lugar dizer ao outro o que queremos.
O conhecimento do outro, o modo como ele se vê, como ele reza, como conhece a Deus, é o
primeiro passo do diálogo religioso.
Um segundo passo será a humildade de aprender. No diálogo com o judaísmo, os cristãos
têm muito a aprender. Os judeus receberam, conservaram e aprofundaram uma rica tradição
religiosa, teológica, bíblica e espiritual, fundamento das Igrejas cristãs.
Este diálogo acontece primeiramente no dia-a-dia, nos trabalhos, nos contatos, na
política, nas lutas pela justiça etc. Muitas vezes, quando os homens lutam e vivem unido,
caem os preconceitos oriundos de formação humana e religiosa. Realmente nada como a vida
para formar.
Há também ocasiões mais específicas para tais contatos, que poderão requerer uma
preparação mais adequada: cerimônias, formaturas e outras solenidades. Estas ocasiões
poderão ser formais ou informais, como festas religiosas e civis, nascimentos, casamentos
etc. O ser humano vive estas situações de acordo com sua fé, sua visão de Deus e do
sentido que dá à vida. Os cristãos, sobretudo os agentes de pastoral, poderão procurar
nestes momentos conhecer e entender como os judeus vivem, o sentido que dão a estes
momentos, e a ligação que podem ter com a experiência da Aliança. Inspirando-se no
exemplo de transformar em bênção (brakáh), tirando grande proveito, vendo
e aprendendo como os judeus compreendem e acatam a Palavra de Deus nestas situações e como
a aplicam.
Instituições
Há um nível especializado de diálogo com Organizações e Instituições com
representantes das respectivas comunidades. Estes grupos promovem o conhecimento mútuo por
meio de atividades: publicações, sessões de estudos, celebrações, dirigidas a públicos
interessados e visando a conscientizar as comunidades. São também responsáveis por
contatos oficiais entre os grupos religiosos em nível internacional, nacional e local.
Internacionais:
1. Comissão para as Relações Religiosas com o Judaísmo (Commissione per i rapporti
religiosi con l’Ebraismo).
Foi criada em 22 de outubro de 1974, pelo papa Paulo VI, por sugestão da Comissão
Internacional de Ligação entre a Igreja Católica e o Judaísmo. É um organismo
exclusivamente católico, ligado ao Secretariado para a Promoção da Unidade dos Cristãos,
e visa promover e estimular as relações religiosas entre judeus e católicos a partir das
orientações dadas pelo Concílio Vaticano II, em particular pela seção IV da
Declaração conciliar "Nostra Aetate". Sua sede é no Vaticano.
2. International Council of Christians and Jews.
Trata-se de um organismo misto judeu-cristão, sem estatuto oficial de Igrejas. Agrupa as
diferentes organizações nacionais de amizade, diálogo ou cooperação judeu-cristãos.
Sendo uma "associação voluntária de organizações nacionais de cristãos e judeus
com o fito de promover a cooperação cristão-judaica" (art. l de sua Constituição),
visa "à articulação de esforços e à promoção de atividades comuns" (art. 2)
e respeita a autonomia de cada organização representada. Sua Secretaria está em
Heppenheim (Alemanha Ocidental).
3. Comissão Judaica Internacional para as Consultas inter-religiosas (International
Jewish Committee on interreligious Consultations).
Organismo exclusivamente judaico, com cinco organizações representativas do judaísmo
mundial. Uma delas a "Israel Interfaith Committee", com sede em Israel, delega
seus representantes junto à Comissão de Ligação entre a Igreja Católica e o Judaísmo.
4. CENTRO SIDIC – Serviço Internacional de Documentação Judeu-cristã.
Associação e centro de estudos e de documentos fundado em Roma em 1965, atendendo ao
pedido dos padres conciliares e peritos para concretizar as orientações da Declaração
conciliar "Nostra Aetate". Propõe-se:
● promover o conhecimento, a compreensão e a estima entre judeus e cristãos;
● contribuir na divulgação do patrimônio que o cristianismo e a cultura ocidental
receberam do judaísmo;
● divulgar o estudo da tradição judaica e mostrar o elo existente com a fé cristã
e sua importância para a humanidade.
Este objetivo procura ser atingido por meio de cursos, conferências, sessões nacionais
e internacionais, uma biblioteca especializada e grande documentação; publicação de uma
revista "SIDIC", com edições em inglês e francês. Sua sede encontra-se em
Roma, via del Plebiscito, 112.
Em nível continental, há no CELAM (Conselho Episcopal Latino-americano) um departamento
de Ecumenismo e Diálogo Religioso, com um setor de diálogo judeu-cristão.
No Brasil foi criada pela CNBB uma Comissão de Diálogo entre Judeus e Católicos,
ligada ao setor de Ecumenismo e Diálogo Religioso, órgão da Comissão Episcopal de
Pastoral (CEP).
Também em nível nacional, mas sobretudo locais, podem-se relacionar os Conselhos de
Fraternidade Cristão-judaica existentes no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo.
Ocasiões de contatos para conhecimento
1. Já fizemos referência às formaturas que, freqüentemente, procuram organizar um
Culto Ecumênico com a participação de ministros religiosos representativos das crenças
dos formandos.
2. Há momentos especiais de encontros formais ou informais entre representantes de
comunidades religiosas, como, por exemplo:
● o cardeal Arns em visita à Congregação Israelita Paulista, CIP, e dirigindo
sua palavra à comunidade;
● visitas de delegações judaicas ao cardeal Primaz, em Salvador;
● Rabino Roberto Graetz, do Rio de Janeiro, dirigindo-se à reunião dos bispos e
assessores da CEP (26/10/83).
3. Aumenta o número de comunidades cristãs que, por ocasião da Páscoa, celebram a
Ceia Pascal ou Sêder com um objetivo bíblico e pastoral: conhecer as tradições
dos irmãos judeus e sua vivência litúrgica no Sêder Pascal.
4. Grupos de estudos organizados por congregações e centros de estudos judaicos abertos
para cristãos.
5. Grupos de estudantes e paroquianos que procuram, no contexto de Cursos Bíblicos ou
Sessões de estudos, exposições e debates feitos por Rabinos ou membros da comunidade
judaica, sobre sua liturgia, exegese, espiritualidade etc. São momentos privilegiados de
troca, de esclarecimentos e de melhor conhecimento da origem e da experiência cristã, da
Eucaristia, celebração da libertação e da formação da Igreja primitiva.
Para tanto são privilegiados os momentos das celebrações das festas, sobretudo da
Páscoa, como já foi dito, mas também de Pentecostes com uma descoberta do sentida
original tal como eram celebradas por Jesus Cristo, onde se encontra: vitalidade da Lei e da
Aliança, fidelidade ao Deus Salvador e libertador, e onde se proclama sua bondade no dom da
vida.
Objetivos para a sociedade
A procura de meios para a superação de crises que assolam a sociedade, ou de meios para
contribuir na reconstrução da nação, como em nossos dias, deve envolver e comprometer
todas as camadas da população e todas as comunidades religiosas. A preocupação na
procura dos valores correspondentes à construção do Reino de Deus é comum a cristãos e
judeus; fraternidade, justiça, amor, liberdade, são fundamentais na Revelação bíblica e
comuns aos crentes no Deus de Abraão e da Aliança:
O compromisso social e político das comunidades pode e deve se inspirar na Palavra de
Deus.
A luta pela justiça, pela defesa dos direitos humanos, é um terreno comum a quem tem a
mesma visão bíblica do homem.
A título de ilustração lembremos:
● Por ocasião da XII Assembléia Geral dos Bispos do Brasil, quando um dos temas
centrais era: Direitos do homem, num período conturbado da sociedade brasileira, em 1973,
realizou-se um colóquio cristão-judaico sobre direitos humanos, promovido pelo Conselho de
Fraternidade Cristã-judaica de São Paulo; os membros do Conselho foram recebidos pela
Presidência da CNBB e levaram aos bispos uma posição de apoio em sua missão de defesa
dos direitos humanos então menosprezados.
● Também por ocasião da morte, sob torturas, do jornalista judeu Vladimir Herzog,
assim como do massacre dos desportistas israelenses nas Olimpíadas de Munique, foram
realizadas celebrações religiosas em igrejas católicas, com participação de rabinos.
Estas atitudes não fazem parte de uma tática imediatista de conquista, mas estão
ligadas a objetivos permanentes da sociedade: a construção, a partir da fraternidade, e a
manutenção de uma sociedade assim construída, vigilante na prática da justiça, na
defesa dos "órfãos e das viúvas", como o faziam os profetas.
Estas atitudes ocasionais, em situações que sempre podem voltar a ocorrer, visando à
comunhão intensa entre as diversas comunidades não podem ser negligenciadas, e evitarão
que se repitam holocaustos monstruosos e desumanos.
Formação nos cursos de Teologia e Catequese
O Concílio Vaticano II demonstrou a importância dos estudos, sobretudo nos níveis da
Teologia e da Catequese. O texto assinado pelo cardeal Willebrands, então presidente da
Comissão, relembra que o judaísmo não terminou com a destruição do Templo, mas
continuou como realidade viva, com grande produção que se encontra no Talmud e
outros livros clássicos, onde exegese, espiritualidade e liturgia se encontram.
Para que diversas idéias simplistas, e às vezes inexatas, criadoras de preconceitos,
sejam abolidas, é importante que estes estudos sejam estimulados. Uma introdução ao
judaísmo, como fonte e origem do cristianismo, é indispensável em qualquer escola de
Teologia. Se a exegese cristã encontrou sua linha com grandes nomes como S. Jerônimo e os
Padres da Igreja, a própria literatura de s. Justino nos mostra como eram freqüentes os
contatos entre sábios cristãos e judeus (Diálogo com o judeu Trifão). E a exegese
judia foi fazendo seu caminho, freqüentemente desconhecido pelos cristãos.
A Liturgia tem sua especial importância pois o quadro litúrgico cristão é
essencialmente judaico, baseado nas festas como Páscoa e Pentecostes, e com suas
celebrações com a Eucaristia e as bênçãos.
Aos poucos, formar-se-ão os especialistas também em nossa Igreja no Brasil. Mas é
importante que estes estudos sejam fomentados nos Institutos de Estudos Religiosos, pois é
a partir da pregação e das celebrações que podem ser evitados preconceitos, cujas
conseqüências escapam às boas intenções.
Se o ideal é o estabelecimento de cursos sistemáticos, cadeiras de Teologia, de Bíblia
etc., dada a carência de professores, podem-se organizar cursos intensivos, seminários,
mesas redondas, contando-se com a colaboração de professores judeus e cristãos mais
especializados; existem mesmo congregações religiosas que se propõem como objetivo o
estudo e o diálogo com o judaísmo.
Para subsidiar estes cursos existe, em língua portuguesa, publicada por Editoras
católicas, uma literatura especializada sobre judaísmo e o relacionamento da Igreja com o
judaísmo.
Recomenda-se tanto aos estudiosos como aos professores, catequistas e agentes de
pastoral, a busca destas publicações (ver Bibliografia básica anexa) bem como a
sua divulgação entre os alunos, paroquianos e membros das comunidades.
Este material genuinamente brasileiro, preparado para incentivar o diálogo fraterno é,
sem dúvida, mais um meio disponível e de fácil acesso destinado a favorecer a obtenção
desses objetivos.
Vaticano
l. Declaração "Nostra Aetate" do Concílio Vaticano II sobre as relações
da Igreja com as Religiões não-cristãs
A Religião Judaica, n. 4
Perscrutando o Mistério da Igreja, este Sacrossanto Concílio recorda o vínculo pelo
qual o povo do Novo Testamento está espiritualmente ligado à estirpe de Abraão.
Pois a Igreja de Cristo reconhece que os primórdios da fé e de sua eleição já se
encontram nos Patriarcas, em Moisés e nos Profetas, segundo o mistério salvífico de Deus.
Confessa como todos os fiéis cristãos, filhos de Abraão, segundo a fé, estavam
incluídos no chamamento do mesmo Patriarca e que a salvação da Igreja estava
misteriosamente prefigurada no êxodo do povo eleito da terra da escravidão. Por isso não
pode a Igreja esquecer que por meio daquele povo, com o qual em sua indizível misericórdia
Deus se dignou estabelecer a Antiga Aliança, ela recebeu a Revelação do Antigo Testamento
e se alimenta pela raiz de boa oliveira na qual, como ramos de zambujeiro, foram enxertados
os povos. Pois crê a Igreja que Cristo, nossa Paz mediante a cruz, reconciliou os judeus e
os povos e a ambos unificou em si mesmo.
Tem a Igreja sempre ante os olhos as palavras do Apóstolo Paulo a respeito de seus
consangüíneos ‘de quem é a adoção dos filhos, a glória, a aliança, a legislação,
o culto de Deus e as promessas, de quem são os Patriarcas e de quem descende segundo a
carne o Cristo’ (Rm 9,4-5), filho da Virgem Maria.
Lembremos também que do povo judeu nasceram os Apóstolos, fundamentos e colunas da
Igreja, como igualmente muitos daqueles primeiros discípulos que anunciaram ao mundo o
Evangelho de Cristo.
Testemunho é a Sagrada Escritura de que Jerusalém não conheceu o tempo de sua
visitação e que os judeus em grande número não aceitaram o Evangelho, sendo que não
poucos opuseram obstáculos à sua difusão. Segundo o Apóstolo, no entanto, os judeus
ainda são amados por causa de seus pais, porque dos dons e da sua vocação Deus não se
arrepende. Juntamente com os Profetas e o mesmo Apóstolo, a Igreja espera por aquele dia,
só de Deus conhecido, em que todos os povos em uma só voz aclamarão o Senhor e ‘se
submeterão num mesmo espírito’ (Sf 3,9).
Sendo pois tão grande o patrimônio espiritual comum aos cristãos e judeus, este
Sacrossanto Concílio quer fomentar e recomendar, a ambas as partes, mútuo conhecimento e
apreço. Poderá ele ser obtido principalmente pelos estudos bíblicos e diálogos
fraternos.
Se bem que os principais dos judeus, com seus seguidores, insistiram na morte de Cristo,
aquilo contudo que se perpetrou em sua Paixão não pode ser indistintamente imputado a
todos os judeus que então viviam, nem aos de hoje. Embora a Igreja seja o novo povo de
Deus, os judeus, no entanto, não devem ser apresentados nem como condenados por Deus, nem
como amaldiçoados, como se isso decorresse das Sagradas Escrituras. Haja por isso cuidado,
da parte de todos, para que, tanto na catequese como na pregação da Palavra de Deus, não
se ensine algo que não se coadune com a verdade evangélica e com o espírito de Cristo.
Alem disso, a Igreja que reprova toda perseguição contra qualquer homem, lembrada do
comum patrimônio com os judeus, não por motivos políticos, mas impelida pelo santo amor
evangélico, lamenta os ódios, as perseguições, as manifestações anti-semíticas, em
qualquer tempo e por qualquer pessoa, dirigidos contra os judeus.
Do resto, a Igreja sempre teve e tem por bem ensinar que Cristo, por causa dos pecados de
todos os homens, sofreu voluntariamente e por imenso amor se sujeitou à morte, para que
todos conseguissem a salvação. Cabe pois à Igreja pregadora anunciar a cruz de Cristo
como sinal do amor universal de Deus e fonte de toda a graça.
A Cruz de Cristo. – Por causa das perseguições bimilenares em países chamados
cristãos a Cruz de Cristo se tornou para os judeus um sinal que provoca reação de temor e
de amargura.
2. Orientações e sugestões para a aplicação da Declaração conciliar sobre as
relações da Igreja com as Religiões não-cristãs ("Nostra Aetate" n. 4)
Datada de 28 de outubro de 1965, a Declaração "Nostra Aetate" sobre as
relações da Igreja com as religiões não-cristãs, do Concílio do Vaticano II – n. 4
–, representa uma virada importante na história das relações entre judeus e católicos.
A iniciativa conciliar inscreveu-se, aliás, numa conjuntura profundamente modificada
pela recordação das perseguições e das chacinas de judeus, que se verificaram na Europa
imediatamente antes e durante a Segunda Guerra Mundial.
Embora o cristianismo tenha nascido no judaísmo e dele tenha recebido alguns elementos
essenciais da sua fé e do seu culto, entre ambos cavou-se cada vez mais o abismo, de sorte
que se chegou quase a uma incompreensão de parte a parte.
Após dois milênios, marcados muito freqüentemente por um ignorar-se e, não poucas
vezes, por hostilidades, a Declaração "Nostra Aetate" proporcionava a ocasião
para empreender ou para prosseguir um diálogo em vista a um melhor conhecimento recíproco.
Durante os nove anos já transcorridos desde então, foram tomadas numerosas iniciativas em
diversos países, as quais permitiram aquilatar melhor os condicionamentos em que podem ser
entabuladas e desenvolver-se novas relações entre judeus e cristãos. Parece ter chegado o
momento de apresentar, segundo as orientações do mesmo Concílio, algumas sugestões
concretas, fruto da experiência, com a esperança de que elas possam servir para ajudar a
tornarem-se realidade, na vida da Igreja, as intenções expostas pelo documento conciliar.
Sempre sobre a base deste mesmo documento, lembraremos aqui simplesmente os laços
espirituais e as relações históricas que ligam a Igreja ao judaísmo, condenando como
oposto ao próprio espírito do cristianismo todas as formas de anti-semitismo e de
discriminação que a dignidade da pessoa humana, só por si, já seria bastante para
condenar. E mais ainda; esses laços e relações impõem a obrigação de uma melhor
compreensão recíproca e de uma estima mútua renovada. De maneira positiva, pois isso
importa, em particular, que os cristãos procurem conhecer melhor as componentes
fundamentais da tradição religiosa do judaísmo e alcançar o conhecimento daqueles
traços essenciais pelos quais os mesmos judeus se definem a si mesmos na realidade vivida.
Na linha de tais considerações de princípio, nós proporemos apenas algumas primeiras
aplicações práticas em diversos domínios essenciais da vida da Igreja, com o intuito de
se instaurarem ou de se desenvolverem, de um modo são, as relações entre os católicos e
os seus irmãos judeus.
a) O Diálogo
As relações entre judeus, e cristãos, na verdade, quando porventura as houve, quase
não passaram, em geral, de um monólogo; importante, doravante, é que se chegue a
estabelecer um verdadeiro diálogo.
O diálogo pressupõe sempre o desejo de se conhecer reciprocamente e de aprofundar tal
conhecimento. Ele constitui, de fato, um meio privilegiado para favorecer um melhor
conhecimento mútuo e, particularmente no caso do diálogo entre judeus e cristãos, para
aprofundar mais as riquezas da própria tradição. É condição do diálogo, porém, o
respeito da sua fé e das suas convicções religiosas.
Em virtude da sua missão divina, a Igreja, por sua natureza, deve anunciar Jesus Cristo
ao mundo (Dec. "Ad Gentes", n. 2). A fim de evitar que o dar testemunho de Jesus
Cristo se apresente aos judeus como uma agressão, os católicos hão de ter o cuidado de
viver e anunciar a própria fé com o mais rigoroso respeito pela liberdade religiosa de
outrem, conforme ela foi ensinada pelo mesmo Concílio Vaticano II (Declaração
"Dignitatis Humanae"). Hão de eles esforçar-se igualmente por compreender as
dificuldades que experimenta a alma judia, precisamente porque impregnada de uma noção
muito elevada e muito pura de transcendência divina, perante o mistério do Verbo
Encarnado.
Se é verdade que nesse domínio reina ainda um clima de suspeição muito difundido,
causado por um passado deplorável, os cristãos, por seu turno, hão de saber reconhecer a
sua parte de responsabilidade nisso e daí tirar as conseqüências práticas para o futuro.
Para além de colóquios fraternais, há de ser encorajado também o encontro entre
pessoas competentes, com o fim de estudarem os múltiplos problemas ligados às convicções
fundamentais do judaísmo e do cristianismo. Uma grande abertura de espírito, um saber
desconfiar dos próprios preconceitos e tato, são qualidades indispensáveis para não
ferir, mesmo involuntariamente, os seus interlocutores.
Naquelas circunstâncias em que isso seja possível e desejável, de parte a parte, pode
favorecer-se um encontro comum diante de Deus, na oração e na meditação silenciosa, tão
eficaz para fazer brotar aquela humildade e aquela abertura de espírito e do coração
necessária para o conhecimento profundo de si próprio e dos outros. Poder-se-á fazer isso
em referência a grandes causas como as da justiça e da paz.
b) A Liturgia
Ter-se-ão presentes os laços que existem entre a liturgia cristã e a liturgia judaica.
A comunidade de vida no serviço de Deus e da humanidade, por amor do mesmo Deus, tal como
este serviço se realiza na liturgia, caracteriza tanto a liturgia judaica como a cristã.
Assim, para as relações judaico-cristãs, importa tomar conhecimento dos elementos comuns
da vida litúrgica (fórmulas, ritos etc.) onde a Bíblia tem um lugar essencial.
Hão de ser envidados esforços para compreender melhor aquilo que, no Antigo Testamento,
mantém um valor próprio e perpétuo (cf. Const. "Dei Verbum", nn. 14-15), não
estando tal valor obliterado pela ulterior interpretação do Novo Testamento que lhe
confere o seu significado pleno, ao mesmo tempo que, reciprocamente, aí encontra luz e
explicação (cf. ibid., n. 16). Isto é tanto mais importante, quanto é certo que a
reforma litúrgica põe os cristãos cada vez mais assiduamente em contato com os textos do
Antigo Testamento.
Nos comentários dos textos bíblicos, sem minimizar nunca os elementos originais do
cristianismo, procurar-se-á pôr em relevo a continuidade da nossa fé com a Antiga
Aliança, na linha das promessas. Nós acreditamos que estas se cumpriram já, quando da
primeira vinda de Cristo; no entanto, não é menos verdade que nós estamos ainda na
expectativa do seu perfeito cumprimento quando se der o retorno glorioso do mesmo Cristo no
fim dos tempos.
Pelo que diz respeito às leituras litúrgicas há de ter-se o cuidado de dar na homilia
uma interpretação exata às mesmas, sobretudo quando se tratar de passagens que pareçam
colocar o povo judeu, como tal, sob uma luz desfavorável. E far-se-á diligência por
instruir o povo cristão de tal maneira, que ele possa chegar a compreender todos os textos
no seu verdadeiro sentido e no seu significado para o crente dos nossos dias.
As comissões encarregadas das traduções litúrgicas hão de atender especialmente à
maneira de verter para o vernáculo aquelas expressões e passagens que possam vir a ser
entendidas de modo tendencioso por cristãos insuficientemente informados. É por demais
evidente que nunca se pode mudar o texto bíblico; pode, contudo, ter-se o cuidado, numa
tradução destinada ao uso litúrgico, de tornar-se explícita a significação de um
texto, tendo para isso em consideração os estudos dos exegetas.
As observações que precedem aplicam-se igualmente às introduções às leituras
bíblicas, bem como à ‘Oração Universal’ (‘Oração dos Fiéis’) e aos
comentários inseridos nos missais destinados aos fiéis.
c) Ensino e educação
Se bem que reste ainda um vasto trabalho a realizar, já se conseguiu nos últimos anos
decorridos chegar a uma melhor compreensão do judaísmo em si mesmo e na sua relação com
o cristianismo, graças aos ensinamentos da Igreja e aos estudos e investigações de
pessoas versadas na matéria, bem como ao diálogo que já foi possível estabelecer. Aqui,
neste ponto, merecem ser recordados os dados seguintes:
– É o mesmo Deus, "inspirador e autor dos livros dos dois Testamentos"
(Const. "Dei Verbum", n. 16), que fala na Antiga e na Nova Aliança.
– O judaísmo do tempo de Cristo e dos Apóstolos era uma realidade complexa, que
englobava um mundo de tendências e de valores espirituais, religiosos, sociais e culturais.
– O Antigo Testamento e a tradição judaica baseada sobre este não devem ser opostos
ao Novo Testamento, de tal maneira que pareçam apresentar apenas uma religião só da
justiça, do temor e do legalismo, sem incluir o apelo ao amor de Deus e do próximo (cf. Dt
6,5; Lv 19,18; Mt 22,34-40).
– Jesus, assim como os seus Apóstolos e um grande número dos primeiros discípulos,
nasceu do povo judeu. Ele próprio, ao revelar-se como Messias e Filho de Deus (cf. Mt
16,16) e como o portador de uma nova mensagem, a do Evangelho, apresentou-se como vindo para
realizar e para completar a Revelação anterior. E muito embora o ensinamento de Cristo
tenha um caráter de profunda novidade, ele apóia-se muitas vezes na doutrina do Antigo
Testamento. O Novo Testamento é profundamente marcado pela sua relação com o Antigo. Como
declarou o Concílio Vaticano II: "Deus, inspirador e autor dos livros dos dois
Testamentos, dispôs tão sabiamente as coisas, que o Novo Testamento está latente no
Antigo, e o Antigo está patente no Novo" (Const. "Dei Verbum", n. 16). Além
disto, o mesmo Jesus adotou métodos de ensinar análogos aos dos rabis do seu tempo.
– Pelo que diz respeito ao processo e à morte de Jesus, o Concílio recordou que
"aquilo que na sua paixão se perpetrou não pode ser imputado indistintamente a todos
os judeus que então viviam, nem aos judeus do nosso tempo" (Decl. "Nostra
Aetate", n. 4).
– A história do judaísmo não terminou com a destruição de Jerusalém, mas
prosseguiu e foi cultivando uma tradição religiosa, cujo alcance – cremos nós –
tendo-se tornado de significado profundamente diferente depois de Cristo, permanece todavia
rico de valores religiosos.
– Com os profetas e o Apóstolo Paulo, "A Igreja espera por aquele dia só de Deus
conhecido, em que todos os povos invocarão o Senhor com uma só voz e o servirão debaixo
dum mesmo jugo" (Sf 3,9) (Decl. "Nostra Aetate" n. 4).
A informação respeitante a estas questões concerne a todos os níveis de ensino e de
educação do cristão. Entre os meios de informação revestem-se de particular
importância os que seguem: manuais de catequese – compêndios de história, meios
de comunicação social (imprensa, rádio, cinema e televisão).
O uso eficaz destes meios pressupõe uma formação aprofundada dos professores e
educadores, nas escolas normais, seminários e universidades.
Procurar-se-á estimular a investigação dos especialistas sobre estes problemas que
dizem respeito ao judaísmo e às relações judaico-cristãs, em particular nos campos da
exegese, da teologia, da história e da sociologia. Os institutos superiores católicos de
investigação, se possível em ligação com outros institutos cristãos análogos, assim
como os especialistas, são convidados a dar a sua contribuição para a solução de tais
problemas. Onde isso for possível, criar-se-ão cadeiras de estudos judaicos e
estimular-se-á a colaboração com os mestres judeus.
d) Ação social em comum
A tradição judaica e cristã, fundada na Palavra de Deus, reflete a noção consciente
do valor da pessoa humana, imagem de Deus. O amor de um mesmo Deus deve traduzir-se numa
ação efetiva em favor dos homens. No espírito dos profetas, judeus e cristãos, hão de
colaborar de bom grado nas diligências em prol da justiça social e da paz, em nível
local, nacional e internacional.
Uma tal ação em comum pode favorecer também, em grande escala, um conhecimento e uma
estima recíprocos.
Conclusão
O Concílio Vaticano II indicou o caminho a seguir na promoção de uma fraternidade
profunda entre judeus e cristãos. No entanto, resta ainda uma longa estrada a percorrer.
O problema das relações entre judeus e cristãos diz respeito à Igreja como tal, por
isso mesmo que "ao perscrutar o seu próprio mistério", ela se encontra frente a
frente com o mistério de Israel. Este tem, pois, toda a sua importância, mesmo naquelas
regiões onde não existem comunidades judaicas. Este problema tem igualmente um aspecto
ecumênico: o retorno dos cristãos às fontes e às origens da sua fé, enxertada na Antiga
Aliança, contribui para a busca da unidade em Cristo, pedra angular.
Neste campo, poderão os bispos, dentro do enquadramento da disciplina geral da Igreja e
da doutrina comumente professada pelo seu magistério, tomar as oportunas iniciativas
pastorais. Assim, poderão, por exemplo, em nível nacional ou regional, criar comissões ou
secretariados apropriados, ou nomear uma pessoa competente como encarregada de promover a
atuação das diretrizes conciliares e das sugestões que ali são apresentadas.
No plano da Igreja Universal, o Santo Padre instituiu, por deliberação emanada a 22 de
outubro de 1974, anexa ao Secretariado para a Unidade dos Cristãos esta Comissão para as
relações religiosas com o judaísmo. Criada precisamente com o fim de promover e estimular
as relações entre os judeus e católicos, em colaboração eventual com outros cristãos,
esta Comissão Especial, dentro dos limites da sua competência, está à disposição de
todos os organismos interessados, para lhes fornecer informações e para os ajudar a
desempenharem-se da própria tarefa em conformidade com as diretrizes da Santa Sé. A
Comissão deseja desenvolver tal colaboração, a fim de serem efetivamente postas em
prática e com acerto as orientações do Concílio.
Dado em Roma, no dia 1° de dezembro de 1974.
João, Cardeal Willebrands
Presidente da Comissão
P. Pedro-Maria de Contenson, O.P.
Secretário
3. Notas para uma correta apresentação dos judeus e do judaísmo na pregação e na
catequese da Igreja Católica
Considerações preliminares
O papa João Paulo II dizia, a 6 de março de 1982, aos delegados das conferências
episcopais e a outros peritos, reunidos em Roma, para estudar as relações entre a Igreja e
o Judaísmo:
"...estais preocupados, durante vossa sessão, com o ensino católico e a catequese
em relação aos judeus e ao judaísmo (...) Seria necessário conseguir que este ensino nos
diferentes níveis de formação religiosa, na catequese dada às crianças e aos
adolescentes, apresentasse os judeus e o judaísmo, não somente de maneira honesta e
objetiva, sem nenhum preconceito e sem ofender a ninguém, mas também, e mais ainda, com
uma viva consciência da herança comum a judeus e cristãos".
Neste texto de tão denso conteúdo, o Santo Padre inspirou-se visivelmente na
Declaração Conciliar Nostra Aetate, n. 4, onde está escrito:
"Tenham todo cuidado na catequese e na pregação da Palavra de Deus de nada ensinar
que não seja conforme à verdade do Evangelho e ao espírito de Cristo", bem como nas
palavras : – "Por causa de um tão grande patrimônio espiritual, comum aos cristãos
e judeus, o Concílio quer estimular e recomendar entre eles, o conhecimento e a estima
mútua...".
Do mesmo modo, as orientações e sugestões para a aplicação da Declaração conciliar
"Nostra Aetate", n. 4 terminam seu capítulo III, intitulado "Ensino e
Educação", onde se enumera uma série de dados concretos a serem postos em prática
– por esta recomendação:
"A informação a respeito destas questões refere-se a todos os níveis do ensino e
da educação cristã.
Entre os meios de informação têm particular importância os que seguem:
● Manuais de Catequese;
● Livros de história;
● Meios de comunicação social (imprensa, rádio, cinema, televisão).
O uso eficaz destes meios pressupõe uma formação profunda dos professores e
educadores, nas escolas normais, nos seminários e nas universidades", (AAS 77, 1975,
p. 73)".
Os parágrafos que seguem se propõem responder a este fim.
I. Ensino religioso e judaísmo
1. Na Declaração "Nostra Aetate" n. 4, o Concílio fala do laço que une
espiritualmente cristãos e judeus e do grande patrimônio espiritual, comum a
uns e outros, e afirma ainda:
"a Igreja reconhece que a origem de sua fé e de sua eleição se encontra, segundo
o desígnio de Deus, nos Patriarcas, em Moisés e nos Profetas".
2. Em razão destas relações únicas que existem entre o cristianismo e o judaísmo,
"unidos ao nível de sua própria identidade" (João Paulo II, 6 de março de
1982), relações fundadas no desígnio do Deus da Aliança (ibid.), os judeus e o judaísmo
não deveriam mais ocupar um lugar ocasional e marginal na catequese e na pregação, mas
sua presença indispensável deve aí ser integrada, de modo orgânico.
3. Este interesse pelo judaísmo no ensino católico não tem apenas um fundamento
histórico ou arqueológico. Como dizia o Santo Padre, no seu discurso já citado, e depois
de ter novamente mencionado o patrimônio comum entre a Igreja e o Judaísmo, que é considerável:
– Fazer o inventário deste patrimônio em si mesmo, tendo, também, em conta a fé e a
vida religiosa do povo judeu, tais quais são professadas e vividas, ainda hoje (o
grifo é nosso), pode ajudar a melhor compreender certos aspectos da vida da Igreja.
Trata-se, portanto, de uma preocupação pastoral para a realidade viva, em estreitas
relações com a Igreja. O Santo Padre apresentou esta realidade permanente do povo judeu
com uma notável fórmula teológica, na sua alocução aos representantes da Comunidade
Judaica da Alemanha Federal, em Mogúncia, no dia 17 de novembro de 1980: "...o Povo de
Deus da Antiga Aliança que jamais foi revogada...".
4. É preciso lembrar já aqui, o texto no qual as "Orientações e sugestões"
procuraram definir a condição fundamental do diálogo: "o respeito ao outro
tal e qual ele é, e o conhecimento (dos componentes fundamentais) da tradição
religiosa do judaísmo..." e ainda a aprendizagem dos "traços essenciais
(pelos quais) os judeus se definem, eles mesmos na sua realidade religiosa vivida"
(Intr.).
5. A singularidade e a dificuldade do ensino cristão referente aos judeus e ao judaísmo
consistem sobretudo no fato de exigirem, ao mesmo tempo, os termos de vários pares, nos
quais se exprime o relacionamento entre as duas economias do Antigo e do Novo Testamento:
● Promessa e realização,
● Singularidade e universalidade,
● Unidade e exemplaridade.
Importa que o teólogo ou o catequista que trata destes assuntos tenha o cuidado de
mostrar na prática do seu ensinamento, o que segue:
● A promessa e sua realização se esclarecem mutuamente;
● A novidade está na transformação do que era antes;
● A singularidade do Povo do Antigo Testamento não é exclusiva e está aberta, na
visão de Deus, a uma extensão universal;
● A unicidade deste mesmo povo judeu é em vista de uma exemplaridade.
6. Finalmente, "neste campo, a imprecisão e a mediocridade prejudicariam
grandemente o diálogo judeu-cristão" (João Paulo II, discurso de 6 de março de
1982). Mas, elas prejudicariam sobretudo, em se tratando de ensino e educação, à
"própria identidade" cristã (ibid.).
7. "Em virtude de sua missão divina, a Igreja" que é "auxílio geral de
salvação" e na qual somente se encontra "toda a plenitude dos meios de
salvação" (Unitatis Redintegratio 3) "por natureza deve anunciar Jesus Cristo ao
mundo" (Orientações e sugestões I). Com efeito, nós cremos que por ele vamos ao Pai
(cf. Jo 14,6) e "a vida eterna consiste em que conheçam a ti, o Único Deus
verdadeiro, e Jesus Cristo, teu Enviado" (Jo 17,3).
Jesus afirma (Jo 10,16) que "haverá um só rebanho e um só pastor". Igreja e
Judaísmo não podem pois ser apresentados como dois caminhos paralelos de salvação. E a
Igreja deve testemunhar o Cristo Redentor a todos, no mais rigoroso respeito à liberdade
religiosa, tal como esta foi ensinada pelo Concílio Vaticano II (Declaração
"Dignitatis Humanae") – (Orientações e sugestões I).
8. A urgência e a importância de um ensino preciso, objetivo e rigorosamente exato
sobre o judaísmo, para nossos fiéis, se deduz também, do perigo de um anti-semitismo
sempre em vias de reaparecer sob diferentes aspectos.
Não se trata apenas de desenraizar em nossos fiéis os restos de um anti-semitismo que
se encontram ainda aqui e acolá, porém bem mais, suscitar neles, através deste esforço
educativo, um conhecimento exato do "laço" (cf. "Nostra Aetate", n. 4)
absolutamente único que, como Igreja nos religa aos judeus e ao judaísmo. Aprende-se assim
a apreciá-los e a amá-los, eles que foram escolhidos por Deus, para preparar a vinda do
Cristo e que conservaram tudo aquilo que lhes foi progressivamente revelado e dado, no
decorrer desta preparação, apesar de sua dificuldade de nele reconhecer seu Messias.
II. Relações entre Antigo e Novo Testamento
Continua-se a usar no texto a expressão Antigo Testamento porque ela é tradicional (cf.
já 2Cor 3,14), também porque "Antigo" não significa "abolido" nem
"ultrapassado". Em todo caso é o valor permanente do AT como fonte da Revelação
cristã que se quer sublinhar aqui (cf. "Dei Verbum" 3).
1. Trata-se de apresentar a unidade da Revelação bíblica (AT e NT) e do plano divino,
antes de falar de cada um dos acontecimentos da história, para sublinhar que, cada
acontecimento não tem sentido senão quando considerado dentro da totalidade desta
história, da criação à plenitude. Esta história abrange todo o gênero humano e
particularmente os homens de fé. É assim que o sentido definitivo da eleição de Israel
não aparece senão à luz de sua realização total (Rm 9,11) e que a eleição em Jesus
Cristo é ainda melhor compreendida em referência ao anúncio e à promessa (cf. Hb
4,1-1l).
2. Trata-se de acontecimentos singulares concernentes a uma nação singular, mas que na
visão de Deus que revela seu propósito, são destinados a receber um significado universal
e exemplar.
Trata-se, além disto, de apresentar os acontecimentos do AT não como acontecimentos que
dizem respeito apenas aos judeus, mas que se relacionam também a nós pessoalmente. Abraão
é verdadeiramente o pai de nossa fé (cf. Rm 4,11-12; Cânon Rom.: patriarchae nostri
Abrahae). E foi dito (em 1Cor 10,1): "Nossos pais estiveram todos sob a nuvem, todos
passaram através do mar". Os patriarcas e os profetas e outras personalidades do AT
foram e serão sempre venerados como santos na tradição litúrgica da Igreja oriental,
assim como na Igreja latina.
3. Da unidade do plano divino decorre o problema da ligação entre o AT e o NT. A
Igreja, já nos tempos apostólicos (cf. lCor 10,11; Hb 10,1), e depois constantemente na
sua tradição, resolveu este problema, sobretudo, por meio da tipologia, o que sublinha o
valor primordial que o AT deve ter na visão cristã. Entretanto, a tipologia suscita entre
muita gente mal-estar. E aí está, talvez, o indício de um problema não resolvido.
4. No uso, pois, da tipologia, da qual recebemos o ensinamento e a prática da Liturgia e
dos Padres da Igreja, se terá cuidado em evitar toda transição do AT ao NT que seria
considerada unicamente como uma ruptura. A Igreja, na espontaneidade do Espírito que a
anima, condenou rigorosamente a atitude de Marcião
- personagem de tendência gnóstica do séc. II que rejeitava o AT, e uma parte do Novo,
como obra de um deus mau, um demiurgo. A Igreja reagiu vigorosamente contra esta heresia
(cf. Irineu) - e sempre se opôs a seu dualismo.
5. É importante também sublinhar que a interpretação tipológica consiste em ler o AT
como preparação e, sob certos aspectos, esboço e anúncio do NT (cf., por exemplo, Hb
5,5-10 etc.). O Cristo é, desde então, a referência-chave das Escrituras: "O rochedo
era o Cristo" (lCor 10,4).
6. É verdade, portanto, e é preciso também sublinhá-lo, que a Igreja e os cristãos,
lêem o AT à luz do acontecimento do Cristo, morto e ressuscitado. Sob esse título há uma
leitura cristã do AT que não coincide, necessariamente, com a leitura judaica. Identidade
cristã e identidade judaica devem assim ser cuidadosamente distintas na sua leitura
respectiva da Bíblia. Mas isto nada tira do valor do AT na Igreja. Não impede, tampouco,
que os cristãos possam, por sua vez, aproveitar com discernimento as tradições da leitura
judaica.
7. A leitura tipológica não faz senão manifestar as insondáveis riquezas do AT, seu
conteúdo inesgotável e o mistério do qual ele é pleno, e não deve fazer esquecer que
ele guarda seu valor próprio de Revelação que o NT freqüentemente retomará (cf. Mc
12,29-3l). Por outro lado o NT pode ser lido à luz do AT. A catequese cristã primitiva
recorre a este processo constantemente (cf., por exemplo, lCor 5,6-8; 10,1-11).
8. A tipologia significa ainda caminhada para o cumprimento do plano divino quando
"Deus será tudo em todos" (lCor 15,28). Isto vale também para a Igreja que, já
realizada no Cristo, nem por isso deixa de esperar sua perfeição definitiva como Corpo de
Cristo. O fato de que o Corpo de Cristo tende ainda para sua estrutura perfeita (cf. Ef
4,12-13) nada tira do valor do ser cristão. Também a vocação dos patriarcas e o êxodo
do Egito não perdem sua importância e valor próprios no plano de Deus, pelo fato de serem
ao mesmo tempo etapas intermediárias (cf., por exemplo, "Nostra Aetate" n. 4).
9. O êxodo, por exemplo, representa uma experiência de salvação e de libertação que
não termina nela mesma, mas que traz em si, além de seu sentido próprio, a capacidade de
se desenvolver ulteriormente. A salvação e a libertação estão já cumpridas em Cristo e
se realizam gradualmente pelos sacramentos da Igreja. É assim que se prepara o cumprimento
do plano de Deus que espera sua consumação definitiva com a volta de Jesus como Messias,
pela qual rezamos cada dia. O Reino, por cujo advento também rezamos diariamente, será por
fim instalado. Então a salvação e a libertação terão transformado no Cristo os eleitos
e a totalidade da criação (cf. Rm 8,19-23).
10. Além disso, sublinhando a dimensão escatológica do cristianismo, se chega a maior
conscientização de que, quando o povo de Deus da Antiga e da Nova Aliança considera o
futuro, está tendendo para fins análogos: a vinda ou a volta do Messias – embora a
partir de dois pontos de vista diferentes. E, se perceberá mais claramente que a pessoa do
Messias, a respeito da qual o povo de Deus está dividido, é também um ponto de
convergência para ele (cf. Subsídios para o Ecumenismo da Diocese de Roma n. 140). Pode-se
dizer, assim, que judeus e cristãos se encontram numa esperança comparável, firmada na
mesma promessa feita a Abraão (cf. Gn 12,1-3; Hb 6,13-18).
11. Atentos ao mesmo Deus que falou, presos à mesma palavra, temos a testemunhar uma
mesma memória e uma esperança comum naquele que é o Mestre da história. Incumbe-nos
assim tomar nossa responsabilidade de preparar o mundo para a verdade do Messias trabalhando
juntos pela justiça social, o respeito pelos direitos da pessoa humana e das nações, para
a reconciliação social e internacional. A isto somos impelidos, judeus e cristãos, pelo
preceito do amor ao próximo e por uma esperança comum do Reino de Deus e pela grande
herança dos Profetas. Transmitida bem cedo pela catequese, uma tal concepção educaria de
maneira concreta, os jovens cristãos para encontros de cooperação com os judeus,
ultrapassando o simples diálogo (cf. Orientações, IV).
III. Raízes judaicas do cristianismo
12. Jesus era judeu e judeu permaneceu. Seu ministério foi voluntariamente restrito às
"ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mt 15,24). Jesus era inteiramente um homem
do seu tempo e do seu meio judeu palestinense do século I, de que partilhou as angústias e
esperanças. Isto sublinha a realidade da Encarnação e o sentido profundo da História da
Salvação, como nos foi revelado na Bíblia (cf. Rm 1,3-4; Gl 4,4-5).
13. As ligações de Jesus com a lei bíblica e suas interpretações mais ou menos
tradicionais são, sem dúvida, complexas e ele deu provas de uma grande liberdade a
respeito delas (cf. as antíteses do Sermão da Montanha: Mt 5,21-48, levando-se em conta as
dificuldades exegéticas; atitude de Jesus em face da observância rigorosa do Shabbat:
Mc 3,1-6 etc.).
Mas, não há dúvida de que ele quer se submeter à Lei (cf. Gl 4,4), que ele foi
circuncidado e apresentado ao Templo como qualquer outro judeu de sua época (cf. Lc
2,21.22-24) e que ele foi formado para observá-la. Jesus respeitava a Lei (cf. Mt 5,17-20)
e convidava a obedecer-lhe (cf. Mt 8,4). O ritmo de sua vida era marcado pela observância
das peregrinações por ocasião das grandes festas, desde a infância (cf. Lc 2,41-50; Jo
2,13-17, etc.). Já se observou, muitas vezes, a importância do ciclo das festas judaicas
no Evangelho de João (cf. 2,13; 5,1; 7,2.10.37; 10,22; 11,55; l2,1; 13,1; 18,28; 19,31;
etc.).
14. Importa notar também que Jesus ensina freqüentemente nas sinagogas (cf. Mt 4,23;
9,35; Lc 4,15-18; Jo 18,20 etc.) e no Templo (cf. Jo 18,20 etc.) que ele freqüentava como
também seus discípulos mesmo depois da Ressurreição (cf., por exemplo, At 2,46; 3,1;
21,26; etc.). Jesus quis inserir no contexto do culto na sinagoga o anúncio de sua
messianidade (cf. Lc 4,16-21). Jesus quis sobretudo realizar o ato supremo do dom de si no
quadro da liturgia doméstica da Páscoa, ou pelo menos, no quadro da festividade pascal
(cf. Mc 14,1.12 e passim; Jo 18,28). Estes dados permitem-nos compreender melhor o caráter
de "memorial" da Eucaristia.
15. Assim, o Filho de Deus se encarnou num povo e numa família humana (cf. Gl 4,4; Rm
9,5). Isto não diminui em nada, pelo contrário, o fato de ter ele nascido por todos os
homens (ao redor de seu berço, vemos pastores judeus e magos pagãos - cf. Lc 2,8-20; Mt
2,1-12), e ter morrido por todos (ao pé da cruz encontramos ainda judeus, Maria e João –
Jo 19,25-27, e pagãos como o centurião - Mc 15,39 e passim). E assim ele fez de dois povos
um na sua carne (cf. Ef 2,14-17). Por aí se explica como com a Ecclesia ex gentibus
houve, na Palestina e fora, uma Ecclesia ex circumcisione de que fala, por exemplo,
Eusébio (H. E. IV, 5).
16. Seus contatos com os fariseu não foram nem sempre nem totalmente polêmicos. São
numerosos os exemplos:
● São fariseus que previnem Jesus contra o perigo que ele corre (Lc 13,3l);
● Fariseus são elogiados por Jesus como o "escriba" de Mc 12,34;
● Jesus come com fariseus (Lc 7,36; 14,1).
17. Jesus partilha doutrinas farisaicas com a maioria dos judeus palestinos de então,
por exemplo: a ressurreição dos corpos; as formas de piedade: esmola, oração, jejum (cf.
Mt 6,1-18) e o hábito litúrgico de se dirigir a Deus como Pai; a prioridade do mandamento
do amor de Deus e do próximo (cf. Mc 12,28-34). O mesmo se dá com Paulo (cf., por exemplo,
At 23,8) que sempre teve como título de glória sua pertença ao grupo dos fariseus (cf. At
23,6; 26,5; Fl 3,5).
18. Paulo, também, como aliás o próprio Jesus, utilizou métodos de leitura e de
interpretação da Escritura e de ensino aos discípulos, comuns aos fariseus de seu tempo.
É o caso do uso das parábolas no ministério de Jesus, como também do método de Jesus e
Paulo apoiando uma conclusão numa citação da Escritura.
19. É preciso ainda notar que os fariseus não são mencionados nos relatos da Paixão.
Gamaliel I (cf. At 5,34-39) toma a defesa dos Apóstolos em uma reunião do Sinédrio. Uma
apresentação exclusivamente negativa dos fariseus corre o risco de ser inexata e injusta
(cf. Orientações, nota l; cf. AAS, loc. cit. p. 76). E se há nos evangelhos e em
outros livros do NT toda espécie de referências desfavoráveis aos fariseus, é preciso
vê-las contra o pano de fundo de um movimento complexo e diversificado. As críticas contra
diferentes tipos de fariseus não faltam aliás nas fontes rabínicas (cf. Talmud de
Babilônia, Tratado Sotah, 22b etc.). O "farisaísmo", no sentido
pejorativo, pode ser encontrado em qualquer religião. Pode-se também sublinhar que, se
Jesus se mostrou severo com os fariseus é porque ele sentiu maior proximidade com eles, do
que com outros grupos judeus contemporâneos (cf. supra n. 17).
20. Tudo isto deveria ajudar a melhor compreender a afirmação de são Paulo (Rm
11,16ss.) sobre a "raiz" e os "ramos". A Igreja e o cristianismo, em
toda a sua novidade, encontram sua origem no meio judaico do século I de nossa era, e mais
profundamente ainda no "desígnio de Deus" ("Nostra Aetate", n. 4),
realizado nos Patriarcas, Moisés e os Profetas (ibid.) até sua consumação em Jesus
Cristo.
IV. Os judeus no Novo Testamento
21. As "Orientações..." já diziam (nota l) que "a fórmula os judeus
em são João designa, às vezes, segundo os contextos, os chefes dos judeus ou os
adversários de Jesus, expressões que traduzem o pensamento do evangelista e evitam parecer
pôr em causa o povo judeu como tal". Uma apresentação objetiva do papel do povo
judeu no NT deve levar em consideração os seguintes dados:
A. Os evangelhos são o fruto de um trabalho redacional longo e complicado. A
Constituição dogmática "Dei Verbum", seguindo a Instrução "Sancta Mater
Ecclesia" da Pontifícia Comissão Bíblica, distingue três etapas: "Os autores
sagrados compuseram os quatro Evangelhos escolhendo certas coisas das muitas, transmitidas
ou oralmente ou já por escrito, fazendo síntese de outras, ou expondo-as de acordo com a
situação das Igrejas, guardando, enfim, a forma de proclamação, com o intuito de assim
nos comunicar sempre coisas verdadeiras e autênticas relativas a Jesus" (n. 19).
Não se pode excluir que certas referências hostis ou pouco favoráveis aos judeus
tenham como contexto histórico os conflitos entre a Igreja nascente e a comunidade judaica.
Certas polêmicas refletem condições de relacionamento entre judeus e cristãos, bastante
posteriores a Jesus.
Esta constatação é capital quando se deseja explicitar melhor o sentido de certas
passagens do Evangelho para os cristãos de hoje.
É preciso levar em consideração tudo isto quando se prepara o catecismo e as homilias
para as últimas semanas da Quaresma e da Semana Santa (cf. já ‘Orientações’ II, e
agora ‘Subsídios para o ecumenismo da Diocese de Roma’, 1982, 144b).
B. É claro, por outra parte, que houve conflito entre Jesus e certas categorias de
judeus de seu tempo, entre estes certamente os fariseus, e isto desde o começo de seu
ministério (cf. Mc 2,1-11.15-24; 3,6; etc.).
C. Além disso, há o fato doloroso que a maioria do povo judeu e suas autoridades não
acreditaram em Jesus, fato que não é apenas histórico, mas que tem um alcance teológico,
do qual são Paulo se esforça por desvendar o sentido (Rm cap. 9-11).
D. Este fato, acentuado na medida e na proporção em que a missão cristã se
desenvolvia, sobretudo entre os pagãos, levou a uma ruptura inevitável entre o Judaísmo e
a jovem Igreja, então irredutivelmente separados e divergentes no plano mesmo da fé. Esta
situação se reflete na redação dos textos do NT e em particular dos evangelhos. Não é
questão de diminuir ou dissimular esta ruptura, o que apenas prejudicaria a identidade de
uns e outros. Contudo: ela não suprime o "laço" espiritual de que fala o
Concílio ("Nostra Aetate", n. 4). Propõe-se aqui elaborar algumas dimensões
deste "laço".
E. Refletindo sobre este fato, à luz da Escritura, especialmente dos capítulos citados
da Carta aos Romanos, os cristãos não devem jamais esquecer que a fé é dom de Deus (cf.
Rm 9,12) e que não se julga a consciência de outrem. A exortação de são Paulo para
ninguém se "orgulhar" (Rm 11,18) com relação à "raiz" (ibidem) toma
aqui todo o seu relevo.
F. Não se pode colocar no mesmo plano os judeus que conheceram a Jesus e não creram
nele, ou que se opuseram à pregação dos Apóstolos, e os judeus que vieram depois e os de
hoje. Se a responsabilidade daqueles na sua atitude para com Jesus permanece um mistério de
Deus (cf. Rm 11,25), estes estão em situação inteiramente diferente.
O Concílio Vaticano II (Declaração "Dignitatis Humanae" sobre a liberdade
religiosa) ensina que "todos os homens devem ser imunes de qualquer coação (...) de
tal sorte que em assuntos religiosos a ninguém se obrigue a agir contra a própria
consciência, nem se impeça de agir (...) de acordo com ela..." (n. 2). Esta é uma
das bases sobre as quais se apóia o diálogo judeu-cristão, preconizado pelo Concílio.
22. A questão delicada da responsabilidade da morte de Cristo deve ser vista dentro da
ótica da Declaração conciliar "Nostra Aetate" n. 4 e das "Orientações e
sugestões" (§ III).
"O que foi cometido durante a Paixão não pode ser imputado nem indistintamente a
todos os judeus daquela época, nem aos de hoje" ainda que "autoridades judaicas
com seus adeptos tenham forçado a morte de Cristo". E ainda: "O Cristo, em
virtude de seu imenso amor, submeteu-se voluntariamente à paixão e morte, por causa dos
pecados de todos os homens e para que todos os homens alcancem a salvação",
("Nostra Aetate", n. 4). O Catecismo do Concílio de Trento ensina, além disso,
que os cristãos pecadores são mais culpados da morte do Cristo do que os poucos judeus que
nela tomaram parte. Estes, na verdade "não sabiam o que estavam fazendo" (Lc
23,34), enquanto nós o sabemos e muito bem (Pars I, caput V, Quaest. XI).
Na mesma linha e pela mesma razão, "os judeus não podem ser apresentados como
condenados por Deus nem como amaldiçoados, como se isto decorresse da Sagrada
Escritura" ("Nostra Aetate", n. 4), muito embora seja exato que "a
Igreja é o novo Povo de Deus" (ibid.).
V. A liturgia
23. Judeus e cristãos fazem da Bíblia a substância de sua liturgia: para a
proclamação da Palavra de Deus, a resposta a esta Palavra, a oração de louvor e de
intercessão pelos vivos e mortos e o apelo à misericórdia divina. A liturgia da Palavra,
na sua estrutura própria, tem origem no judaísmo. A Liturgia das Horas e outros textos e
formulários litúrgicos têm seus paralelos no judaísmo, inclusive as fórmulas de nossas
orações mais veneráveis, como o Pai-nosso. As orações eucarísticas igualmente se
inspiram em modelos de tradição judaica. Como o diz João Paulo II (alocução de 6 de
maio de 1982): "A fé e a vida religiosa do povo judeu, tais como são professadas e
vividas ainda hoje, (podem) ajudar a compreender melhor certos aspectos da vida da Igreja.
É o caso da liturgia...".
24. Isto é particularmente visível nas grandes festas do ano litúrgico, como a
Páscoa. Cristãos e judeus celebram a Páscoa: Páscoa da história voltada para o futuro
entre os judeus; Páscoa já realizada na morte e na ressurreição do Cristo, para os
cristãos, embora sempre à espera da consumação definitiva (cf. supra 9). É ainda o
"memorial" que nos vem da tradição judaica, com um conteúdo específico,
diferente em cada caso. Há, por conseguinte, de parte a parte, dinamismo semelhante; para
os cristãos ele dá sentido à celebração eucarística (cf. antífona "O Sacrum
Convivium"), celebração pascal e, como tal, atualização do passado, vivida, porém,
na espera "até que ele venha" (1Cor 11,26).
VI. Judaísmo e cristianismo na história
25. A história de Israel não acaba no ano 70 (cf. Orientações II). Ela continuou em
particular em uma numerosa Diáspora que permitiu Israel levar ao mundo inteiro o testemunho
– muitas vezes heróico – de sua fidelidade ao Deus único, e de "exaltá-lo diante
de todos os viventes" (Tb 13,4) conservando a lembrança da terra de seus antepassados
no mais profundo de suas esperanças (Seder pascal).
Os cristãos são convidados a compreender este laço religioso que mergulha suas raízes
na tradição bíblica, sem por isso fazer sua uma interpretação religiosa particular
desta relação (cf. Declaração da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos,
20 de novembro de 1975). No que se refere à existência do Estado de Israel e suas opções
políticas, estas devem ser consideradas sob uma ótica que em si não é religiosa, mas se
referem aos princípios comuns do direito internacional.
A permanência de Israel (quando tantos povos antigos desapareceram sem deixar traços)
é um fato histórico e um sinal a ser interpretado no plano de Deus. É preciso no entanto
se desvencilhar da concepção tradicional de povo punido conservado como argumento
vivo para a apologética cristã. Ele permanece o povo escolhido, a "boa oliveira,
na qual foram enxertados os ramos da oliveira selvagem que são os gentios" (João
Paulo II, 6 de março de 1982, com alusão a Rm 11,17-24). É bom lembrar o quanto foi
negativo o balanço das relações entre judeus e cristãos durante dois milênios. E
sublinhar o quanto esta permanência de Israel se acompanha de uma criatividade espiritual
contínua no período rabínico, na Idade Média, e no período moderno, a partir de um
patrimônio que nos foi comum por muito tempo, de modo que, "a fé e a vida religiosa
do povo judeu como são vividas ainda hoje (podem) ajudar a melhor compreender certos
aspectos da vida da Igreja" (João Paulo II, 6 de março de 1982). A catequese deveria,
por outra parte, ajudar a compreender o significado que tem, para os judeus, sua
exterminação durante os anos 1939-1945 e suas conseqüências.
26. A educação e a catequese devem se ocupar do problema do racismo, sempre ativo em
suas diferentes formas de anti-semitismo. O Concílio o apresentou assim: "Além disso,
a Igreja não pode esquecer o patrimônio que ela tem em comum com os judeus, e, impelida,
não por motivos políticos, mas pela caridade religiosa do Evangelho, deplora os ódios, as
perseguições e todas as manifestações de anti-semitismo, quaisquer que sejam a época e
os seus autores, dirigidas contra os judeus" ("Nostra Aetate", n. 4). E as
"Orientações" comentam: "Os elos espirituais e as relações históricas
que prendem a Igreja ao Judaísmo, condenam como oposto ao próprio espírito do
cristianismo toda forma de anti-semitismo e de discriminação que, aliás, a dignidade da
pessoa humana, por si só, basta para condenar" (Orientações, preâmbulo).
VII. Conclusão
27. O ensino religioso, a catequese, a pregação devem preparar não somente para a
objetividade, a justiça e a tolerância, mas também para a compreensão e o diálogo.
Nossas duas tradições são tão próximas que não se podem ignorar. É preciso estimular
um conhecimento mútuo em todos os níveis. Constata-se, em particular uma dolorosa
ignorância da história e das tradições do judaísmo, do qual apenas os aspectos
negativos e, muitas vezes, caricaturais parecem fazer parte da bagagem comum de muitos
cristãos. É isto que estas notas gostariam de remediar. Assim, o texto do Concílio e as
"Orientações" serão mais fácil e fielmente postos em prática.
(Maio de 1985)
Johannes Card. Willebrands – Presidente
Pierre Duprey – Vice-Presidente
Jorge Mejia – Secretário
CELAM
Encontro Católico-judeu emBogotá, 19 a 21 de agosto de 1985
Conclusões
Refletindo sobre diversos aspectos do Diálogo e sobre os progressos realizados após 20
anos da "Nostra Aetate", e depois de nos termos redescoberto como irmãos, com
nossas diferenças e nossos elementos comuns, refletimos também sobre o trabalho a
prosseguir.
Eis os pontos que mais nos interessaram e que devem marcar as prioridades de trabalho, em
nossos futuros diálogos.
1. Princípios básicos
Neste encontro foram reafirmados os princípios básicos de nossas relações:
● Caminhamos na busca do sentido atual de nossa fé.
● As duas comunidades, cristã e judaica, têm uma missão divina, tanto na ordem
religiosa como na social.
● A Revelação que nos é comum tem um conteúdo moral e exige de nós uma resposta
atual a partir da própria vida de crentes.
● Queremos tomar mais evidente e palpável nossa visão comum bíblica do homem em sua
relação com Deus e com os irmãos, ultrapassando os aspectos secularizados do ambiente em
que se encontram católicos e judeus. Por isso, reafirmamos a dignidade de qualquer pessoa
ou grupo, considerando essa dignidade o fundamento indispensável para a defesa dos direitos
humanos.
● É de capital importância o reconhecimento do outro em sua alteridade, no respeito
mútuo de nossas diferenças e na preservação de nossas respectivas identidades. Para
tanto, exige-se verdade e sinceridade no diálogo.
● Reconhecemos a necessidade de um mútuo apoio entre judeus e católicos, sobretudo
nos momentos difíceis.
2. Urgências
Precisamos refletir juntos de modo profundo sobre estes assuntos que nos parecem
fundamentais para nossas duas comunidades em diálogo:
● Primeiramente, nossa fé comum no Deus Onipotente.
O mundo secular de hoje não pode esquecer sua presença. Ante a crise profunda e geral de
nosso continente é necessário voltar nossos esforços para a conversão do coração
humano. Que as autoridades religiosas, católicas e judaicas, e cada um de seus membros se
proponham resgatar os valores morais e éticos e iniciar uma campanha de moralização da
América Latina.
● A missão do povo judeu hoje (teologia do povo judeu) independe da vinda de Jesus e
do acontecimento Jesus.
● Considerar o problema da salvação do ponto de vista dos judeus e dos católicos,
para os quais o único salvador é Jesus.
3. Realidade de nossas desconfianças
a) Da parte cristã
● Na prática, em muitos lugares, a pregação e o ensino católico continuam com a
mentalidade pré-conciliar, atribuindo o deicídio indiscriminadamente a todos os judeus e
considerando a dispersão dos judeus um castigo divino, conceitos estes já superados pelos
pronunciamentos de Vaticano II, sobretudo a "Nostra Aetate".
● Nesse sentido, vários preconceitos ainda perduram, como o desprezo pela palavra
judeu, preferindo usar o termo hebreu. Identifica-se o judeu com o FMI, com as finanças
internacionais e com o norte-americano que oprime o latino-americano.
● Do mesmo modo se equipara o sionismo ao racismo e se afirma que o povo judeu busca o
poder para dominar o mundo. É a chamada conspiração judaica.
● Entre os católicos não há uma posição clara e definida sobre o significado da
terra e do Estado de Israel para os judeus. Sendo de capital importância, tanto para os
judeus que habitam Israel como para os que vivem na Diáspora, é tema básico para o
diálogo.
● Os judeus são muitas vezes excluídos de certas organizações e atividades
não-judaicas.
b) Da parte judaica
● Ainda existe entre os judeus uma certa reserva com relação ao diálogo que
poderia levar à conversão, conseqüência do proselitismo cristão.
● A nova atitude da Igreja é vista com desconfiança. Prevalecem temores e
lembranças de épocas passadas, o que dificulta a participação da comunidade judaica em
atividades de diálogo.
● Freqüentemente os judeus se isolam e participam pouco das atividades sociais em
seus próprios países.
4. O diálogo
● É o principal caminho para se vencer os preconceitos, é a melhor maneira de se
conhecer, de escutar e de adotar novas atitudes de respeito para com o outro.
● As relações humanas e o intercâmbio pessoal são básicos no diálogo,
fundamentam a amizade e derrubam barreiras e preconceitos que nos separam.
a) Níveis
● Em nível nacional, como na reunião anual dos bispos de cada país, através de
comissões episcopais ou em reuniões ecumênicas.
● Nas reuniões de tipo ecumênico com outros pastores cristãos que podem favorecer a
aproximação, é importante a participação de rabinos para partilhar em clima de
diálogo, de muitos aspectos comuns: a oração, a vida espiritual, o serviço social.
● Para incentivar o conhecimento e a mútua comunicação, seria necessário
estabelecer grupos ecumênicos ou nacionais, comissões mistas católico-judaicas que se
reuniriam periodicamente a fim de promover e intensificar as comunicações e o diálogo.
● As fraternidades cristão-judaicas são o ambiente ideal para refletir sobre
assuntos de interesse comum. Convém, portanto, fortalecê-las, apoiá-las, onde já
existem, e criá-las onde seja necessário.
b) Áreas
● Educação
• Inserir, nos respectivos currículos educativos, temas sobre religião judaica e
religião cristã, tanto para as escolas judaicas como para as católicas. Para isso,
elaborar e fornecer material adequado e didático.
• Para um mútuo conhecimento é importante a difusão de documentos, de temas e de
problemáticas comuns, aproveitando-se os periódicos, revistas e outros. É um meio também
de tornar mais conhecidas as atividades importantes que se realizam no interior das
comunidades católica e judaica. Para os cristãos é fonte de enriquecimento e reflexão
que se vem fazendo a partir das Sagradas Escrituras.
• Quanto à linguagem, é necessário suprimir palavras pejorativas no vocabulário
católico, nos dicionários, nas publicações em geral e nas notas explicativas da Bíblia.
Nesse caso, deve-se estudar uma maneira de narrar os acontecimentos do Novo Testamento,
respeitando a verdade.
• Os católicos devem conhecer a situação real dos judeus, de seus grupos, de sua
maneira de viver, e as obras sociais que eles realizam em diversos campos de nossa realidade
cultural latino-americana.
• Os judeus, por sua vez, devem conhecer melhor a situação dos cristãos para não
confundir o termo católico com outras denominações cristãs, com algumas das quais já
tiveram atritos.
● Área religiosa
• Muito se pode fazer neste campo. Nossas liturgias e celebrações nos oferecem
riquezas que podemos aproveitar num intercâmbio de mútuo serviço. As cerimônias, a
oração, os encontros de tipo espiritual, as conferências, as reflexões sobre a Bíblia,
a doutrina da Toráh. Celebrações conjuntas da Palavra de Deus em sinagogas e
igrejas, assim como reflexões sobre o Holocausto, festas e outras atividades.
● Área social
• Considerando a realidade dos problemas sociais dos países latino-americanos, as
comunidades têm excelente via de cooperação. Estabelecer pontes e serviços que ajudem a
solução dos problemas. Por exemplo, um comércio mais justo, a promoção de
desenvolvimento agrícola e industrial, um serviço prestado por peritos israelitas e
norte-americanos, como ajuda aos que solicitarem.
• Além deste intercâmbio, há outros tipos como: atividades intercolegiais, esportes,
teatro, música, arte etc.
● Família
• A doutrina teológica e espiritual que nos é comum pode nos servir de base para uma
cooperação em vários níveis. No social: encontros amistosos de conhecimento mútuo,
ceias, visitas etc...
• Temas que merecem ser tratados são igualmente as perspectivas teológicas, a
problemática familiar, a grande riqueza espiritual comum e a responsabilidade que ambos
têm em relação ao mundo de hoje.
5. Atividades
● Antes de tudo, trata-se de um aprimoramento espiritual de nossas respectivas
comunidades. Que cada um cresça em "Espírito e em Verdade".
● Difusão nas comunidades dos diversos documentos que são publicados e pelos meios
ao nosso alcance para um intercâmbio de documentos do Vaticano e dos estudos sobre o tema
do diálogo.
● Publicação de um texto que contenha todos os documentos do Vaticano II e os
posteriores, em relação aos judeus, assim como os documentos de algumas conferências
episcopais.
● Incentivar o conhecimento e o estudo desses documentos, tanto por católicos como
por judeus: Sacerdotes, Religiosos, Rabinos e membros das duas comunidades mediante diversos
encontros.
● O fato de a comunidade judaica não ter documentos oficiais não impede a
elaboração de algum material básico que sirva às comunidades locais, como já se vem
fazendo nos Estados Unidos. Seria um material para facilitar o encontro, o diálogo e o
mútuo conhecimento. Portanto e importante promover:
• Jornadas de estudo e oração.
• Encontros em diferentes níveis: catequese, teologia, educação etc...
• Maior participação comum de pessoas e instituições em tarefas sociais.
• Reconhecimento mútuo do conteúdo e dos valores de nossas liturgias.
• Trabalho intensivo através dos respectivos currículos para a formação religiosa em
todos os níveis: escolas, colégios, seminários, universidades etc...
6. Documentos básicos
● Declaração "Nostra Aetate" n. 4, do Concílio Vaticano II, de
1965.
● Orientações e Sugestões para a aplicação do n. 4 da "Nostra
Aetate", 1975.
● Normas para uma correta apresentação dos judeus no ensino católico, 1985,
e o que foi assumido pelo Documento de Puebla, nn. 1103, 1110, 1116, 1123.
● Embora os judeus não tenham o mesmo tipo de documentos, nem organismos que os
publiquem no estilo católico, que os Institutos e Organizações comunitárias judias que
se ocupam das relações cristão-judaicas em vários países e em vários níveis, elaborem
um material que sirva como motivação e fundamentem o diálogo entre a comunidade judaica e
apresentem seus pontos de vista aos cató1icos. Nestes casos, a Bíblia judaica e algumas
reflexões de sábios judeus a respeito, são de grande utilidade.
BRASIL
l. Orientações para os católicos no relacionamento com os judeus no Brasil
Estas Orientações foram elaboradas pela Comissão Nacional de Diálogo Religioso
Católico-judaica, a pedido da CNBB. Foram examinadas na CEP de 26 de outubro de 1983. Nesta
mesma ocasião a CEP aprovou a sua publicação para o conhecimento e uso das igrejas locais
no seu diálogo com a comunidade judaica.
1. A tomada de consciência das fontes e da história do judaísmo e do cristianismo,
após quase vinte séculos de coexistência, especialmente marcados pelos acontecimentos que
na Europa antecederam de perto e acompanharam a Segunda Guerra Mundial, evidencia a
necessidade de aproximação entre judeus e cristãos. Esta aproximação há de consistir
em diálogo inspirado por sadio desejo de conhecimento recíproco e mútua compreensão.
2. Condição indispensável para o diálogo é, da parte dos católicos, o
reconhecimento da consciência que os judeus têm de ser um povo inconfundivelmente definido
por elementos religiosos e étnicos.
3. O primeiro elemento constitutivo do povo judeu é a sua religião, que aos fiéis
católicos não é lícito considerar simplesmente como uma das religiões que existem
atualmente na terra. Na verdade, foi através do povo judeu que na história da humanidade
se implantou a fé no Deus único ou monoteísmo.
4. Note-se outrossim que, segundo a Revelação bíblica, foi Deus mesmo quem constituiu
o povo hebreu; o Senhor educou-o após ter selado com ele uma aliança (cf. Gn 17,7; Ex
24,1-8). Ao povo judeu devem-se os cinco livros da Lei, os Profetas e os demais livros
sagrados que completam as Escrituras israelitas e que os cristãos adotam como parte
integrante da Bíblia.
5. Não se pode considerar o judaísmo como realidade meramente social e histórica ou
como relíquia de um passado já concluído, mas faz-se mister levar em conta a vitalidade
do povo judeu, persistente através dos séculos, até hoje. São Paulo afirma que Israel
tem o zelo de Deus (cf. Rm 10,2); Deus não repudia o seu povo (cf. Rm 11,ls); nem retira a
bênção que outorgou ao povo eleito (cf. Rm 11,28s.). Ensina que os gentios, qual oliveira
selvagem, foram enxertados na oliveira de escol que é Israel (cf. Rm 11,16-19); Israel
continua a desempenhar um papel importante na história da salvação, papel que redundará
na consumação do plano de Deus (cf. Rm 11,11-15.23).
6. Donde se vê quão condenável é qualquer tipo de anti-semitismo: seja banido da
linguagem cristã todo adjetivo ou toda expressão depreciativa referente ao povo de Israel,
como também sejam profligadas todas as campanhas de violência física ou moral contra os
israelitas. O povo judeu não pode ser tido como deicida; o fato de facções judaicas terem
pedido a morte de Jesus diante de Pilatos não implica nódoa para o povo judeu como tal. A
causa da morte de Cristo, em última instância, há de ser procurada nos pecados da
humanidade em geral. Ademais o amor cristão, que é extensivo a todos os homens sem
distinção para poder imitar o amor do Pai celeste (cf. Mt 5,44-48), há de abraçar o povo
judeu e procurar compreender sua história e seus anseios.
7. De modo especial, a catequese e a Liturgia evitarão juízos desfavoráveis a respeito
dos judeus. É para desejar que tanto os cursos de formação doutrinária católica como as
celebrações litúrgicas ponham em relevo os elementos comuns a judeus e cristãos. Assim,
por exemplo, é preciso lembrar que o Novo Testamento é ininteligível sem o Antigo
Testamento; as festas cristãs de Páscoa, Pentecostes e as orações da Liturgia,
especialmente os Salmos, têm a sua origem na tradição judaica.
8. Não se estabeleça contraste entre judaísmo e cristianismo como se, por exemplo,
aquele professasse a Religião do temor , ao passo que este a Religião do amor. Na verdade,
encontra-se nos escritos sagrados de Israel a origem das expressões do grande amor entre
Deus e os homens, cf. Dt 6,4s; 16-9; Sl 73 e 139; Os 11; Jr 31,2s.19-22; 33,6-9.
9. Aliás, convém lembrar que o Senhor Jesus, sua mãe Santíssima, os Apóstolos e as
primeiras comunidades cristãs foram da estirpe de Abraão. O cristianismo se radica, pois,
na linhagem de Israel.
10. Quanto à terra de Israel, faz-se oportuno recordar que o Senhor Deus quis dar a
Abraão e à sua descendência, como fruto da promessa, a antiga terra de Canaã, que os
judeus habitaram. A ocupação romana e as sucessivas invasões do país de Israel
acarretaram duras vicissitudes para o povo disperso entre nações estrangeiras. É de se
reconhecer o direito dos judeus a uma existência política tranqüila na sua terra de
origem, sem que isto acarrete injustiça ou violência a outros povos. E, para a
consciência do povo judeu, este direito se concretiza no Estado de Israel.
11. Por último, seja enfatizada a expectativa escatológica que vivifica simultaneamente
judeus e cristãos, embora com diferentes características. Uns e outros aguardam a
plenitude do Reino de Deus; este, para os cristãos, já começou com a vinda de Jesus
Cristo, ao passo que os judeus ainda aguardam o Messias. Como quer que seja, a perspectiva
escatológica suscita em judeus e cristãos a consciência de estarem em marcha, à
semelhança do povo que saiu do Egito em demanda da terra onde "correriam leite e
mel" (Ex 3,8).
2. Declaração da I Conferência Pan-americana de Relações Católico-judaicas,
(São Paulo, novembro de 1985)
I. Histórico
1. Realizou-se em São Paulo, de 3 a 5 de novembro de 1985, na sede da Associação
Brasileira "Hebraica", a 1ª Conferência Pan-americana de Relações
Católico-judaicas, promovida pelo American Jewish Committee (AJC) e pela Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com 96 participantes convidados, provenientes de
diversos países da América do Sul, Central e do Norte, inclusive observadores da Europa.
2. A abertura solene da Conferência teve lugar no teatro de "A Hebraica", com
o auditório lotado. A solenidade foi coordenada pelo Rabino Henry I. Sobel e Frei Leonardo
Martin. Após o Hino Nacional Brasileiro, foram convocadas à mesa diversas autoridades
religiosas, políticas e civis, entre as quais
Dom Carlo Furno, Núncio Apostólico no Brasil;
Mons. Jorge Mejia, do Vaticano, Secretário da Comissão da Santa Sé para as Relações com
os Judeus;
Mons. Antonio Quarracino, da Argentina, Presidente do Conselho Episcopal Latino-americano
(CELAM);
Padre Bernard Dupuy, Assessor da Arquidiocese de Paris para as Relações com os Judeus;
Dom Eugênio de Araújo Sales, Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro;
Dom José Freire Falcão, Arcebispo de Brasília; Dom Cláudio Colling, Arcebispo de Porto
Alegre; Dom Benedito de Ulhôa Vieira, Vice-Presidente da CNBB;
Dom Aloísio Bohn, da Linha Ecumênica da CNBB;
Sr. Rachamim Timor, Embaixador de Israel no Brasil;
Sr. Bernard Dorin, Embaixador da França no Brasil; e
Sr. Hans Herzberg, Presidente da Congregação Israelita Paulista;
além dos oradores abaixo relacionados.
Leram-se a seguir os telegramas de Sua Santidade o Papa João Paulo II e do Presidente
José Sarney.
Tomaram a palavra durante a solenidade:
Dom Paulo Evaristo Arns, Cardeal Arcebispo de São Paulo;
o Governador do Estado de São Paulo, André Franco Montoro;
Dom José Ivo Lorscheiter, Presidente da CNBB;
Rabino Dr. Marc H. Tanenbaum, Diretor de Assuntos Internacionais do AJC; e
o Prof. Dr. Fritz Pinkuss, Rabino-Mor Emérito da Congregação Israelita Paulista.
O Cardeal Jean-Marie Lustiger, Arcebispo de Paris, proferiu uma palestra sobre o tema
"De Auschwitz a Jerusalém: do Desespero à Esperança".
O interlúdio musical esteve a cargo do Coral Baccarelli e do Coral da Congregação
Israelita Paulista. A solenidade encerrou-se com Hatikvá, o Hino da Esperança do
Povo Judeu.
3. Na primeira sessão de trabalho, foram apresentadas duas palestras:
- "Um Observador Judeu no Concílio Vaticano II" (Rabino Dr. Marc H. Tanenbaum, de New York);
- "O Impacto de Nostra Aetate na América Latina" (Padre Humberto Porto, da Comissão Nacional de Diálogo Religioso entre Judeus e Católicos e do Conselho de Fraternidade Cristão-judaica de São Paulo).
Mons. Antonio Quarracino, Bispo de Avellaneda (Argentina) e Presidente do CELAM, foi o
moderador desta sessão, cujo enfoque foi o 20° aniversário da Declaração Nostra
Aetate.
4. Em seguida, o Embaixador José Oswaldo de Meira Penna falou sobre "A importância
da Tradição Judaico-cristã na Formação da Cultura Brasileira".
5. Na segunda sessão de trabalho, relataram-se as experiências sobre o relacionamento
católico-judaico em diversos países:
- nos Estados Unidos (Dr. Eugene J. Fisher, de Washington D.C., Secretário Executivo do Departamento de Relações Católico-judaicas da NationaI Conference of Catholic Bishops);
- nos meios hispânicos nos Estados Unidos (Padre Carlos Mullins, Diretor de Comunicações do Departamento Pastoral Hispânico da Arquidiocese de New York);
- na França (Padre Bernard Dupuy, de Paris);
- d) no Brasil (Dr. Hugo Schlesinger, da Comissão Nacional de Diálogo Religioso entre Judeus e Católicos e do Conselho de Fraternidade Cristão-judaica de São Paulo;
- no Uruguai (Rabino Daniel Kripper, da Nueva Congregación Israelita e da Confraternidade Judio-Cristiana de Montevidéu);
- bem como uma síntese do trabalho católico-judaico na America Latina, apresentada pelo Padre Luis Eduardo Castaño, de Bogotá, Secretário Executivo do CELAM.
Os moderadores da sessão foram Dom Aloísio Sinésio Bohn, da CNBB, e Sr. Jacobo
Kovadloff de New York, Diretor de Assuntos Sul-americanos do AJC.
6. Na terceira e última sessão de trabalho, foram debatidas várias propostas, visando
uma Declaração da I Conferência Pan-americana de Relações Católico-judaicas:
- "Cinco Séculos da Presença Judaica nas Américas" (Dra. Anita Novinsky, Professora de História do Brasil na Universidade de São Paulo);
- "Preconceitos" (Frei Félix Neefjes OFM, Assessor de Ecumenismo e Diálogo Religioso da CNBB);
- "Direitos Humanos" (Rabino Roberto D. Graetz, da Associação Religiosa Israelita e do Conselho de Fraternidade Cristão-judaica do Rio de Janeiro);
- "Liberdade na Bíblia e Libertação" (Padre Wolfgang Grueri SDB, do Conselho de Fraternidade Cristão-judaica de Belo Horizonte);
- "Católicos e Judeus: Encarando o Holocausto Juntos" (Sra. Judith Hershcopf Banki, de New York, Diretora-assistente de Assuntos Inter-religiosos do AJC);
- "Liberdade Religiosa e Identidade Cultural" (Dom Estêvão Bettencourt OSB, do Conselho de Fraternidade Cristão-judaica do Rio de Janeiro);
- "Sionismo não é Racismo" (Dr. Oswaldo Aranha Filho, Brasil).
Os moderadores da sessão foram o Prof. Arnaldo Niskier, membro da Academia Brasileira de
Letras, e Dom José Freire Falcão, Arcebispo de Brasília e Presidente da Seção de
Ecumenismo do CELAM.
7. As comunicações apresentadas no ato de encerramento foram:
- "A Patologia do Ódio e a Civilização do Amor" (Dom Avelar Brandão Vilela, Cardeal Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil);
- "A CNBB e os Judeus" (Dom Luciano Mendes de Almeida, Secretário Geral da CNBB);
- "O Vaticano e os Judeus" (Mons. Jorge Mejia, do Vaticano);
- "Os Judeus, a CNBB e o Vaticano" (Rabino Henry I. Sobel, da Congregação Israelita Paulista e Coordenador da I Conferência Pan-americana de Relações Católico-judaicas);
- "Católicos e Judeus na Nova República" (Dr. Marco Maciel, Ministro da Educação, Brasil).
II. Resoluções
Ao final dos trabalhos, a I Conferência Pan-americana de Relações Católico-judaicas
adotou as seguintes resoluções:
1. Rever e consequentemente divulgar a história da presença, atuação e destino dos
judeus na América e no mundo todo, em termos científicos, sem a carga preconceituosa que
caracterizou a historiografia até os dias de hoje.
2. Opor-se a tudo o que possa dificultar o relacionamento positivo entre judeus e
católicos, utilizando todos os meios para um conhecimento mútuo sempre mais profundo e
favorecendo experiências participativas na vida de nossas comunidades.
3. Continuar colocando a Igreja e a Sinagoga – as comunidades católica e judaica –
como centros irradiadores da preservação e consagração definitiva dos Direitos Humanos
Universais, louvando sua prática e denunciando a violação dos mesmos.
4. Cuidar, na linha da Bíblia, que o nosso diálogo, mais que em meras especulações,
se firme na tomada de posição inspirada na fé, junto aos oprimidos, seja qual for sua
pertença étnica ou religiosa.
5. Estudar juntos, no diálogo de reconciliação, os acontecimentos históricos da Shoá
– o Holocausto –, tentativa nazista de destruir o povo judeu na Europa, e suas
implicações teológicas. Com este intuito, revisar, desenvolver e implementar currículos
educacionais sólidos e equilibrados sobre o Holocausto e suas implicações para os dias de
hoje.
6. Reafirmar o sagrado princípio da liberdade religiosa, que assegura a todos o direito
de fazer , em consciência sincera, sua opção religiosa, princípio de sua identidade
cultural, sem coação da parte de qualquer instância, seja estatal, seja particular.
7. Reconhecer que o sionismo – como expressão do eterno anseio de libertação do povo
judeu e de seu retorno a Sion, terra de suas origens – não está eivado de despotismo ou
racismo, mas é sim força motivadora da sobrevivência do povo judeu.
A. História do Povo Judeu
B. Judaísmo
C. Anti-semitismo e Holocausto
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ABLUÇÃO – Lavagem ritual. Existem três tipos de lavagem ritual que têm como
objetivo a remoção das impurezas, antes das práticas religiosas : a) imersão completa na
mikváh; b) lavagem dos pés e das mãos (sacerdotes nos serviços do templo); c)
lavagem das mãos, ao levantar-se e antes das orações.
ACADEMIAS TALMÚDICAS – Instituições de ensino superior judaico. Podem ser comparadas
com as atuais universidades modernas. Além do ensino, eram fontes da legislatura e
dogmática.
ADIR HU – (Hebr) "O Todo-poderoso": Hino popular cantado durante o Sêder
(Ceia de Páscoa) após a leitura da Hagadáh.
ADONÁÏ – Um dos nomes de Deus, na Bíblia. Significa "meu Senhor". É
plural majestático.
ADÔN OLÁM (Hebr) – "Senhor do Universo". Um dos mais conhecidos hinos da
liturgia judaica. É cantado em todos os ritos: sefaròdí a ashkenazi.
ADOSHÊM – Palavra composta de Adonáï e Ha-shêm, usada na liturgia
para evitar a pronúncia do nome divino.
AFIQOMAN – Na noite de Pessah ao se dividir a "matsóh"
de meio (das três que estão no prato do Sêder) guarda-se o pedaço maior o qual
recebe o nome de Afikoman. Este será dividido no fim da refeição como o último
pedaço a ser comido na noite.
AGADÁH – Hagadáh - Narração. Termo genérico, definindo as partes do Talmud
(ciência dos rabinos), que não são do tipo de leis. A Hagadáh consiste em
folclore, narrativas, lendas, parábolas, interpretações alegóricas e também abrange
todas as ciências, como filosofia, medicina, matemática, astronomia, teologia.
ALEINU (Or) – Primeira palavra da oração: "`Aleinu leshabeah"
– "Devemos glorificar" ou "Glorificado seja", que encerra o ofício
diário, litúrgico. A oração proclama a necessidade de louvar a Deus.
ALELUIA (Hebr) – HaLeLUYóH "Glorificai a Deus". Expressão usada no início
e no final de certos salmos, na liturgia judaica. A mesma palavra é usada na liturgia
cristã.
ALFABETO HEBRAICO – O alfabeto hebraico moderno consiste de vinte e duas letras, todas
consoantes, tendo algumas também uma função vocálica. Os caracteres são escritos e
lidos da direita para esquerda. de modo que as páginas e linhas de livro hebraico começam
à direita. Não existe distinção entre as maiúsculas e minúsculas. Todos os caracteres
são escritos separadamente.
`AL HET (Or) – "sobre pecado". Confissão dos pecados. Reza repetida
10 vezes durante o dia de Yôm Kipúr. Ela contém uma lista de erros que se comete
na vida diária, seja por orgulho, seja por inveja, por mexericos, por falta de respeito e
muitíssimas outras razões.
`ALIYÁ H (Hebr) – Subida. Ato de ser chamado à leitura da Torá. Expressão usada nos
tempos modernos para a emigração para a Terra Santa.
AMÊN – Assim seja. Expressão religiosa usada hoje por quase todas as religiões e por
todas as nações. Na Bíblia aparece a palavra 25 vezes. As letras que compõem a palavra
Amên em hebraico significam El Mélek Neemán – Deus, Rei Fiel.
`AM HA-ÁRETS (Hebr) – "Povo da terra". Expressão bíblica para o povo em
geral.
`AMIDÁH (Or) – De pé. Principal oração suplicatória da liturgia judaica.
Oração composta de 19 bênçãos que se recita em voz baixa e de pé.
AMORAÍM – Rabinos que explicaram e comentaram a Mishnáh desde a compilação
desta, aproximadamente 200 anos após a Era Comum até a conclusão do Talmud babilônico,
no ano 500.
`AMUD – Púlpito, onde se reza, durante o ofício religioso. Para os sefaradím,
o mesmo que Bimáh.
ANJOS – A crença em anjos jamais foi considerada básica ou indispensável ao
judaísmo. Hoje, os judeus renunciaram, definitivamente, à crença em anjos, e voltaram ao
ponto de vista racionalista de alguns dos filósofos judeus medievais. Os anjos figuram em
nossa poesia religiosa e aparecem em algumas das orações, mas eles não constituem assunto
de preocupação intelectual ou espiritual.
ARAMAICO – Idioma semítico aparentado com o babilônico, assírio e hebraico, usado
pelos judeus na Palestina, depois do retorno do exílio da Babilônia (536 a.C.).
ARAVÁ (Hebr) – `Aròbóh - Salgueiro. A quarta espécie de vegetação ordenada
pela Toráh para ser usada na festa dos Tabernáculos (Lv 23,40). É batida contra o
solo como parte do Hoshaná Rabáh.
ÁRB`A KANFÔT (Hebr) – Literalmente: Quatro asas. Também chamado Talit
Qatan. Veste quadrangular que é usada sob a camisa com franjas (tsitsít)
em cada um dos quatro cantos. Deve lembrar ao judeu a obediência aos mandamentos e que Deus
está nos quatro cantos do Universo, ou seja, a onipresença divina.
AREIVUT (Hebr) – Termo hebraico que determina uma responsabilidade coletiva.
ARÔN HAKÔDESH (Bibl) – Tabernáculo em que se guardavam as tábuas da lei mosaica.
ASHKENAZÍM – Nome dado aos israelitas procedentes da Alemanha, Norte da França,
Europa Central e Oriental.
AVEILÍM – Abelím - Enlutados. Consideram-se "enlutados" os membros
mais próximos da família da pessoa que acaba de falecer.
AVERÁH (Hebr) – `Aberáh - Pecado. Significa desobediência a um mandamento ou
violação de uma lei. No Talmud esta palavra é empregada para designar o pecado
contra os homens e contra Deus.
AVINU MALKEINU (Or) – Abinu Malkênu - "Nosso Pai, Nosso Rei".
Oração que começa com estas palavras, proferida em Rôsh Hashanáh, Yôm Kipúr,
nos dez dias de penitência e dias de jejum. Invoca a bênção de Deus e pede livrar-nos
das guerras, da fome, das doenças, e pede perdão pelos pecados.
AVODÁH (Hebr) – `Abodáh - Serviço, oração. Liturgia do "muçaf"
de Yôm Kipúr.
AZHARÔT – Canções litúrgicas dos 613 mandamentos divinos da Toráh.
BA’AL QORÊ – Pessoa encarregada da leitura pública da Toráh, nos ofícios
religiosos.
BA’AL TESHUBÁH – Termo hebraico que significa "penitente". Segundo
o ensino rabínico, o homem que passou pelo ato de sincero e profundo
"arrependimento", deve resistir à tentação de voltar ao caminho do mal.
BAMIDBAR (Bibl) – O quarto livro da "Lei de Moisés", foi denominado,
em hebraico "Bamidbar" (no deserto), pois nele é narrada a
história dos israelitas em sua longa permanência no deserto.
BAR MITZVÁH – O jovem judeu ao atingir a idade de 13 anos, contados pelo calendário
hebraico, converte-se em Bar Mitzváh, ou seja, pela tradução literal,
"Sujeito ao Mandamento". Isto significa que a partir desta data está
"sujeito", isto é, deve participar e praticar todos os 613 mandamentos divinos,
sendo ele mesmo responsável por todos os seus atos.
BARUH HA-BA (Hebr) – Textualmente: "Abençoado seja aquele que chega".
Saudação de boas vindas. Termo usado para cumprimentar um amigo ou visitante.
BEIT DIN – Antigo Tribunal para assuntos religiosos, civis e criminais. Hoje funciona
somente como tribunal para decisões rituais e para arbitragem.
BEIT HAMIDRASH – Casa de estudo, antigamente anexa às sinagogas, como local de estudos
cotidianos dos adultos.
BEIT HAMIQDASH – Templo dos israelitas para onde peregrinavam três vezes ao ano, em
Jerusalém.
BEN (Hebr) – Filho. Figurativamente, pertencente a... Palavra usada em hebraico em
combinação com um substantivo para indicar um objetivo, de modo parecido com "ba`al"
(senhor) e "ish" (homem).
BERAKÁH (Hebr) – pl. "Berakôt" – Bênção de ação
de graça. Curta reza, de agradecimento, dirigida a Deus. Todas as "berakot"
começam com a frase: "Baruk atá Adonáï..." - "Louvado seja
Deus". Estas palavras exprimem a eterna gratidão ao Senhor, e suas infinitas
atribuições.
BERESHÍT (Bibl) – O primeiro livro do Pentateuco chama-se Gênesis, isto
é, "origem" e em hebraico Bereshít, que significa "no
princípio". Esses títulos são adequados a um livro que trata da criação do mundo,
das origens do gênero humano e da iniciação da história do povo hebreu.
BEÇAMIM – Perfume especial (cheiro aromático, em geral de cravos) usado no rito final
do sábado (Habdaláh), guardado num estojo (artisticamente feito). Ao sentir
o aroma o judeu que se sente triste e abatido ao ver partir o Shabat, deve se sentir
revigorado.
BIMÁH – Púlpito para a leitura da Toráh, na sinagoga. Os ashkenazím o
denominam Amud.
BIRKAT HAGOMEL (Or) – "Bênção do benfeitor". Oração que pronuncia a
pessoa após a cura de uma enfermidade grave ou após escapar de outro grave perigo. Segundo
a tradição rabínica, a pessoa deve expressar o seu agradecimento a Deus, seu benfeitor.
BIRKAT HAMAZON (Or) – "Oração que se pronuncia à mesa" depois de cada
refeição e principalmente ao fim das Se`udôt, ceias religiosas.
BIRKAT KOHANÍM (Or) – "Bênção sacerdotal". Este rito iniciou-se
nos serviços de Templo em Jerusalém. Continua nos dias de hoje. A bênção é pronunciada
pelos "kohaním" e tornou-se elemento importante na liturgia da sinagoga.
B’NAI B’RITH (Hebr) – "Filhos da Aliança". Denominação da
instituição de fins fraternais, filantrópicos, éticos e educacionais, fundada em Nova
York (1843) e com numerosas "lojas" no mundo inteiro.
B"NEI YISRAEL – Denominação do povo hebreu. Tradução literal: "Filhos de
Israel". Termo encontrado freqüentemente na Bíblia. Esta denominação é também
dada ao grupo de judeus da Índia.
B’RIT (Hebr) – Aliança. Entendimento entre Deus e pessoas ou nações. A
Bíblia cita diversas alianças.
B’RIT MILA (Ri) – Ato de circuncisão onde o menino varão é circuncidado e se
incorpora à comunidade. Além de ser uma necessidade higiênica, a prática da circuncisão
tem para o israelita sentido religioso muito elevado.
CÂNTICO DOS CÂNTICOS – Em hebraico "Shir HaShirím", atribuído ao
rei Salomão. Lê-se no Sábado de Pessah.
CAVANÁH (Hebr) – Concentração do pensamento durante a reza.
CAVOD (Hebr) – Kabôd - Peso. Honra, glória, veneração,
consideração.
CRIPTO-JUDEUS – Judeus convertidos à força; exercendo ocultamente a sua religião.
DARUSH (Hebr) – Prédica, sermão.
DAYAN (Hebr) – Juiz. Assessor num tribunal rabínico. Pessoa encarregada de pronunciar
a sentença num julgamento.
DEUS – É o ente criador, ordenador, mantenedor e Senhor absoluto de todas as coisas.
DEVARIM (Bibl) – Debarím - O quinto livro da "Lei de Moisés"
denomina-se em hebraico Debarim, o que significa "palavras", pela
razão de começar este livro com "Êllèh Hadebarím" (estas são
as palavras). Contém a maior parte da religião israelita e sua filosofia.
DIÁSPORA (Gr) – A palavra é de origem grega e significa "dispersão".
Afirma-se que os judeus do período helenístico empregavam este termo para designar aqueles
dos seus correligionários que, tendo se espalhado por nações estrangeiras desde a queda
da primeira comunidade, viviam fora do território de Israel. A Setenta traduz expressões
que na Bíblia são reportadas comumente com o sentido de terror ou opressão pela palavra
"Diáspora" (za`aváh).
DIN (Hebr) – Julgamento. Prescrição religiosa. Lei rabínica.
DIN TORÁH – Arbitramento, litígio solucionado perante um tribunal rabínico, com
arbitragem, de acordo com a legislação judaica.
DRUSH (Hebr) – Interpretação dos textos bíblicos e talmúdicos. A palavra Drasháh
(sermão) é derivada da mesma raiz.
`EDUT (Hebr) – Testemunho; lei; preceito ou ordem.
`EITS HAYÍM (Hebr) – Textualmente: árvore de vida; a Toráh é
considerada "árvore de vida" para os que nela se asseguram. Especificamente: dois
paus de madeira, arredondados nos quais é enrolada a Toráh.
ELIYÁHU HANABI (Hebr) – Literalmente: Eliyáhu, o profeta, esperado como o
Proclamador da vinda da Era Messiânica. Canção da despedida do Shabat.
ELOHIM (Hebr) – Nome genérico de Deus entre os patriarcas. A forma simples é Eloáh.
É freqüente na Bíblia o emprego do plural pelo singular.
EMET (Hebr) – Verdade
EMUNÁH(Hebr) – Fé. No sentido religioso o termo designa a crença na existência de
Deus, sem necessidade da sua comprovação científica ou lógica.
`EREB (Hebr) – Véspera ou tarde. Período entre o crepúsculo e o aparecimento
de três estrelas, no céu, visíveis a olho nu. A palavra é usada em combinação com os
nomes dos dias festivos ou do sábado. "`Ereb-Shabbát"– véspera
de sábado ou a noite da sexta-feira. "`Ereb-Peçah"–
véspera da Páscoa etc.
ESCRIBAS – Eram os amanuenses, os notários, os secretários e os intelectuais entre os
antigos. Encarregavam-se das edições e das transcrições dos livros, particularmente os
sagrados, entre os hebreus.
EXILARCA – "Principe do exílio", representante dos judeus que viviam em
Babilônia, no século III, reconhecido pelo Estado, com autonomia administrativa e
cultural, descendente da casa de Davi.
ÊXODO (Bibl) – Segundo livro do Pentateuco.
FESTAS DE PEREGRINAÇÃO (Tr) – Peçah, Shabu`ôt e Çukôt
chamam-se em hebraico "Shalôsh Regalím" as três dos pés (festas
de peregrinação).
FILO-SEMITAS – Nome dado aos amigos e defensores do povo judaico. Antônimo do
anti-semita.
GABAÏ (Hebr) – Funcionário da comunidade (tesoureiro e administrador). Recebia
donativos e, durante a Idade Média, os impostos dos membros da comunidade. É uma função
de honra desempenhada por membro de destaque da comunidade.
GALÚT (Hebr) – Diáspora; dispersão. Nas épocas bíblicas a palavra
significava refúgio e ao mesmo tempo proteção dada ao refugiado. Após a destruição do
segundo Templo a palavra significa dispersão, ou seja, a situação dos judeus espalhados
pelo mundo.
GEMATRIA – Procura de explicação na significação do valor numérico das letras do
alfabeto hebraico como também a respectiva composição das palavras.
GOÊL (Hebr) – Salvador; Redentor, Messias.
GUEMARA – Do aramaico "guemar" – aprender, completar. Ampliação
talmúdica das Decisões legais da Mishnáh. A Guemara faz parte do Talmud
e constitui antiquíssima obra clássica da lei judaica.
GUETO – A palavra designa o lugar, rua, bairro, onde os judeus moravam, durante a Idade
Média. Durante a ocupação nazista voltou o sistema do "gueto" para os judeus em
diversos países europeus.
GUIA DOS PERPLEXOS (Fil) – Título da importante obra de Maimônides.
HAFTARÁH – Trecho dos Nebiím (Profetas) que se lê em voz alta, na
sinagoga, após a leitura da Toráh. O texto da Haftaráh trata geralmente de
assunto similar ao texto da Toráh e ao qual corresponde.
HAGADÁH (Hebr) – Narração. Livro modesto, mas o mais popular da literatura hebraica,
apresenta em forma de antologia um esquema simples e impressionante da origem do judaísmo.
Na noite de Seder (véspera de Pessah), cada pai relata a seu filho a
história do êxodo.
HALÁH – pl. halôt – Os dois pães de sábado, em lembrança da
porção de maná que os israelitas recolhiam no deserto, na véspera do sábado. Oferenda
da massa que o israelita separa para o "Kôhên". Antes de se preparar a hallóh
faz-se uma bênção e este mandamento toca principalmente às mulheres.
HALAKÁH – pl. halakôt – "Curso". Lei Judaica.
Este termo é empregado de duas maneiras, significando ou uma decisão legal específica, ou
a totalidade da lei.
HALÊL (Or) – "Louvor". Salmos 113-118, incluídos na liturgia judaica, são
de louvor.
HAMAQÔM (Hebr) – Lugar. Nome de Deus, do Céu e da onipresença divina. Usa-se na
liturgia esta expressão para o "lugar sagrado".
HAMÊTS – Alimentos na base de cereais fermentados que devem ser retirados da casa
durante os oito dias da festa do Peçah.
HAMMOTSI – Bênção do pão que se faz antes de começar uma refeição.
HANUKÁH – Festa das Luzes. Significa em hebraico "inauguração".
Refere-se neste caso, à inauguração do Templo de Jerusalém, no ano 168 a.C. Durante oito
dias acende-se, diariamente uma vela, num candelabro especial (hanukiyáh) e
celebra-se alegremente esta festa nos lares.
HARÔÇET – Um dos símbolos de Peçah. A harôçet é
uma mistura de maçãs, nozes, amêndoas, tâmaras ou passas trituradas, cuja cor lembra a
do barro que os israelitas eram obrigados a fazer no tempo da escravidão do Egito.
HASHÊM (Hebr) – O nome. Designação de Deus, que aparece pela primeira vez na Mishnáh.
HASKALÁH – Termo hebraico. Literalmente: inteligência, ilustração, sabedoria.
Designa o movimento de renovação do judaísmo iniciado na Alemanha, em meados do século
XVIII sob a direção do Mendelson.
HASSID – Chaçíd - Literalmente "piedoso". Membro ou adepto do movimento
"haçídico", de orientação mística, pietista – movimento renovador
religioso dos judeus do Leste-Europeu, do século XVIII.
HATIQVÁH – Hino nacional do Estado de Israel.
HAVDALÁ – Habdaláh – Cerimonia de despedida no dia de Sabbat. A palavra
hebraica significa "distinção" entre o sacro e o profano.
HAZÁN (Ri) – (Hebraico), Cantor. Pessoa que conduz as orações durante o serviço
religioso, nas sinagogas.
HEBREU – Da raiz da palavra "`ivri" que significa alguém do
além-rio (Eufrates). Propriamente a palavra deve ser aplicada somente para os israelitas
(judeus) antes do exílio babilônico, no ano 586 a.C. Depois desta data, tornou-se aceito o
termo "judeu" (de Judá).
HÉDÈR (Hebr) – Escola primária. Introdução da criança judia ao estudo do
hebraico e da Bíblia.
HÊRÈM (Hebr) – Excomungar; banir; excluir da congregação judaica.
HÉSED – Héçèd - Amor. Amor de Deus. Da parte do homem: a
obrigação – mitsváh.
HÔL-HAMMÔÊD (Medianos) – Dias intermediários das festas Péçah e
Çukôt, ou seja, semifesta. Nestes dias os trabalhos indispensáveis são
permitidos.
HOSHA`NÁ (Hebr) – pl. hosha`nôt – Poesia litúrgica que termina com o
estribilho: – "hosha`ná" – "Ajuda-nos, ó Deus".
"Salva-nos, ó Deus". Reza-se na festa de Sukôt.
HOSHA`NA RABÁH (Hebr) – Grande Hoshaná. Sétimo dia do Sukôt.
HUP`ÁH (Hebr) – Pálio nupcial, sob o qual ficam os noivos durante a cerimônia de
casamento.
ISRAELI – Yisreêlí - Israelense. Cidadão do Estado de Israel. israelita é uma
expressão bíblica; yisreêlí uma expressão cívica.
IVRIT – `Ibrít - Língua hebraica.
JEJUM – O jejum tem três propósitos distintos, na fé judaica: auto-renúncia, luto e
súplica. Além do Yôm Kipúr, diversos jejuns menores são observados pelos
ortodoxos, o mais importante dos quais, o Dia das Lamentações, Tish`áh Be‘áb,
o nono (dia) no (mês) Ab.
KABALÁ – Qabbaláh - Denominação de misticismo judaico. Sistema de magia e
pensamento místico, popular entre os judeus, na baixa Idade Média.
KADISH (Or) – Qaddísh - Oração na qual são louvadas a santidade de Deus e seu
Reino. É rezada em idioma aramaico, exceto o último verso, em diversas partes dos
serviços religiosos. Os filhos a rezam por ocasião do enterro, no ano primeiro de luto e
nos aniversários do falecimento dos pais. Também parentes próximos rezam-na. Não contém
menção da morte.
KAFTAN – Qaftán – Capota comprida, preta, usada nos tempos medievais pelos judeus
tradicionais, na Europa Oriental. Esta vestimenta conservou-se em certos círculos dos
judeus ortodoxos, até os tempos modernos.
KALLÁH (Hebr) – Noiva.
KASHÊR – Alimentos permitidos pelas leis judaicas, "apropriado para comer,
limpo". Excluiu-se da alimentação judaica a carne de determinados animais, cujos
parasitas são portadores de enfermidades. Segundo a lei judaica, nenhum animal que haja
estado enfermo ou que haja morrido acidentalmente, é "kashêr".
KEDUSHÁ – Qedusháh - Consagração. Trecho daquela oração cujo nome deriva
da citação do tríplice Qadôsh (Santo), atribuído a Deus.
KEHILÁ (Hebr) – Qehilláh – Comunidade coletiva. Congregação.
KETUBÁH – Contrato matrimonial judaico, que estabelece as obrigações entre as
partes, como também prevê uma penalidade monetária, no caso de divórcio, sendo uma
antiga medida para prestigiar os direitos da mulher.
KETUBIM (Hebr) – Ketubím - Terceira parte da Bíblia, em
termo grego: Hagiógrafos. Abrange os Salmos, Provérbios, Jó, Cântico dos
Cânticos, Rute, Livro das Lamentações, Qoélet, Ester, Daniel, Esdras, Neemias e
Crônicas.
KIDDÚSH – Cerimônia da benção o vinho, pronunciada na véspera do Shabat
(sexta-feira à noite).
KINÁ – Qináh - Lamentação. Versos poéticos lidos nos dias de luto. Poesias
compostas por diversos poetas sobre o tema da destruição do Templo e outros episódios
tristes da história judaica.
KIPPÁH (Hebr) – Solidéu. Cobertura da cabeça. Um costume tradicional exige que os
judeus cubram a cabeça em todas as ocasiões, especialmente durante a reza, nas reuniões e
durante as refeições. Os judeus liberais dispensam esta atitude, conservando somente este
costume nas sinagogas e durante as cerimônias religiosas.
KOHÊN (Hebr) – pl. Kohaním – Descendentes da família sacerdotal de Aarão.
Conforme o espírito da Toráh e do Talmud, os "kohaním"
não são seres superiores que dão a sua bênção, porém, o veículo por intermédio do
qual, a bênção de Deus desce para o povo.
KÓL NIDRÊ (Or) – Todas as promessas. Oração dita na noite de Yôm Kipúr e
que dá o nome à véspera deste dia, segundo a qual declara-se que todas as promessas,
votos, juramentos etc. que se têm feito forçadamente ou sob coação durante o ano
anterior e vindouro em relação a si mesmo, fiquem nulos. Esta oração, teve excepcional
importância na época nas perseguições dos marranos do século XV.
KOTEL HAMAARAVI – Qôtél Hamma`arabí – O Muro ocidental de Templo de
Jerusalém, o único que não foi destruído, e tomou-se o muro das lamentações.
LADINO (Ling) – Dialeto-espanhol arcaico falado pelos sefaradim da Grécia, Turquia,
Norte da África, Portugal e Espanha, descendentes das comunidades expulsas da Península
Ibérica, no século XV.
LAG-BA`OMER (Tr) – 33° dia no `Omer. Dia semifestivo que se celebra no
trigésimo terceiro dia do mês de `Omer.
LAMENTAÇÕES – Parte dos Cinco Rolos (Hamêsh Meguillôt) que fala sobre
a queda de Jerusalém e a destruição do Templo (586 a.C.). Esta pequena obra abrange cinco
capítulos e a autoria é atribuída a Jeremias.
LASHÔN HAR`Á – Falsche Anklage gegen den Ruf, als eine der widerlichsten
Sünden angesehen, sowohl in der Bibel als auch in der gesamten rabbinischen Literatur.
LEI ORAL (Hebr) – Toráh Shebe`al-pé. Leis não escritas, transmitidas
oralmente de geração em geração, que determinam a aplicação das leis bíblicas na vida
cotidiana.
LEVAYÁH – Ato de acompanhar um morto à sua última morada; ritual para acompanhar a
pessoa que vai viajar.
LITURGIA – Existem diversos ritos os quais surgiram em diversas épocas e em diversos
países. As três principais formas litúrgicas são: Ashkenazí (dos judeus da
Europa Central), Çefaradí (dos judeus espanhóis, portugueses, turcos etc.) e Yemenita
(parecido com o sefaradí, usado no Oriente). A liturgia básica é dividida em
serviços da manhã (Shaharít), da tarde (Minhá) e da
noite (Ma`aríb). São usados livros de orações, para dias normais e
Sábado: Çidur, e para grandes festas: Mahazôr. As rezas (orações)
têm a sua cronologia, mas em diversos ritos têm diferentes e variadas execuções.
LUA NOVA – Neumond - O novo mês, do calendário judaico, é determinado pela mudança
da lua. O primeiro dia do mês (Rôsh¯hôdesh) é celebrado
liturgicamente, e a lua nova anunciada na sinagoga, durante o Shabat que a precede,
com uma oração, que contém um pedido de um mês próspero e abençoado.
LUAH (Hebr) – Calendário judaico.
MA`ARIB (Or) – Prece vespertina. Oração noturna que se reza desde que o céu
começa a estrelar-se.
MAFTÍR – A última pessoa chamada à Toráh, no Sábado.
MAGUÊN DAVÍD (Hebr) – Escudo de Davi. Emblema, distintivo do povo judeu,
formado por dois triângulos entrelaçados.
MAHAZÔR (Or) – Ciclo ou período. Livro de orações existentes para cada
festa, comumente usado para designar o livro de reza de Rosh Hashanáh e Yôm
Kipúr.
MA`ÔS TSUR (Or) – Hino de Hanukáh.
MAROR (Hebr) – Amargo. Nome das ervas amargas, que pertencem à ritual e tradicional
mesa do Çêder no primeiro e segundo jantar das festas do Péçah e
que lembra a vida amarga dos judeus perseguidos no Egito.
MARRANO – Cripto-judeu; aquele que foi forçado, diante da perseguição anti-semita, a
encobrir o fato de ser judeu. O termo é etimologicamente difícil de explicar; no
português é substituído por "cristão-novo".
MA¯TÔBU – Primeiras palavras do versículo de Nm 24,5 que se usam nas
primeiras orações de manhã ao entrar na sinagoga.
MATSÁH (Tr) – pl. matsôt – Pão ázimo, sem levedura, que se come durante o
7 (em Israel) ou os 8 (na Diáspora) dias da Festa de Péçah.
MATSÊBÁH (Hebr) – Túmulo. Termo usado em geral; para a cerimônia de
inauguração da pedra tumular.
MAZZÁL-TÔB (Hebr) – Boa sorte. Forma de felicitação. Expressão com que se
felicita alguém por ocasião de algum acontecimento alegre.
MEGUILAT ÈSTÊR (Hebr) – Rolo de Èstêr. Relato da Bíblia, que conta a história
referente à festa de Purím; com a salvação do povo de Israel por Mòrdòkái
e a rainha Èstêr.
MÊS – O mês do calendário judaico é composto de 4 semanas. O ano judaico tem 12 e
13 meses. O início do mês está ligado à mudança da lua, sendo o calendário judaico
baseado no ciclo lunar.
MEZUZÁH – Símbolo religioso colocado no lado direito dos umbrais das portas, à
entrada. É um pergaminho que contém os dois primeiros parágrafos do Shemá`,
enrolado e colocado num estojo, que tem uma abertura ou uma saliência na qual se distingue
a palavra "Shadáï", "Todo-poderoso".
MIDRÁSH – Interpretação da Bíblia. As compilações midráshicas contêm a
literatura rabínica do período talmúdico.
MIKVÁ – Miqváh - Banho ritual. A água deve ser de fonte natural ou rio. Há também
prescrições referentes à quantidade de água do mikváh. O banho ritual é
considerado pelos praticantes como indispensável.
MINHÁH(Or) – Prece da tarde, antes do pôr-do-sol.
MINHÁG (Hebr) – Costume. O costume ocupa um lugar importante na tradição
judaica. Além das leis escritas e orais, certos costumes tornaram-se obrigatórios e fazem
parte da vida judaica.
MINYÁN – Grupo de 10 homens no mínimo, maiores de 13 anos, que a tradição judaica
requer para a realização de qualquer ato religioso de caráter público.
MISHLÊI (Hebr) – Livro dos Provérbios.
MISHNÁH (Hebr) – Repetição. Código de leis civis e religiosas compiladas mais ou
menos em 200 a.C. A Mishnáh constitui a base do Talmud. É um informe das
sentenças proferidas por uma linha de analistas e juizes. Abrange um período de quase 400
anos. Rabi Judá, o Príncipe, abastado sábio da Palestina, compilou a Mishnáh.
MITSVÁH (Hebr) – pl. mitsvôt – Mandamento; preceito religioso.
Segundo o Talmud existem 613 preceitos, além dos mandamentos decretados pelos
rabinos.
MIZRAH (Hebr) – Oriente. Rezando, os judeus se dirigem na direção do oriente,
isto é, com rosto e olhos dirigidos para Jerusalém. Também neste sentido estão
construídas as sinagogas.
MODÊH ANI (Or) – Primeira reza, pronunciada de manhã. "Dou graças perante ti,
ó Rei vivo e existente, que devolveste a minha alma com piedade, grande é nossa fé em
ti".
MOHÊL – Judeu que executa o rito da circuncisão.
MUSÁF (Or) – Oração que se acrescenta às preces da manhã dos sábados e festas,
correspondente aos sacrifícios suplementares que se faziam nesses dias.
NASSI (Hebr) – Príncipe. Título conferido ao presidente do Çanhedrín, que
era ao mesmo tempo chefe leigo da comunidade judaica da Palestina.
NEDABÁH (Hebr) – Dádiva voluntária.
NÊDER (Hebr) – Voto, promessa.
NÉFESH (Hebr) – Termo traduzido algumas vezes por vitalidade. Algumas vezes como
personalidade. Em Dt 12,23 ela se refere ao sangue que é o que leva a vida através do
corpo. Néfesh é uma das cinco palavras que se referem a alma.
NE`ILÁH (Hebr) – Fechamento. A última parte do cerimonial de Yôm Kipúr, dia
mais importante do ano. Depois de todo um dia de meditação e reza com o entardecer a
imagem criada é que as portas dos céus se fecham, daí o nome Ne`ilá, fechamento.
NÊR TAMID (Hebr) – Luz eterna. Encontra-se em todas as sinagogas uma luz que é
conservada constantemente acesa, simbolizando o fato de que a luz da Toráh brilhará
eternamente.
NESHAMÁH (Hebr) – Termo traduzido geralmente como respiração ou psique. Esse termo
refere-se usualmente à qualidade espiritual do homem, depois que o espirito, a Ru`ah,
torna o homem uma Neshamá; um ser psíquico.
NESSUÍN (Hebr) – Casamento religioso.
NEVIIM – Nebiím - Profetas.
PARASHÁ (Hebr) – ou Perashá, pl. parashiyôt – Parágrafo
massorético em que se dividem os textos da Toráh; para os sefaradim é a seção
semanal que se lê publicamente nas sinagogas nos sábados; o mesmo que "sidráh"
para os askenazim.
PARÔKET – Cortina que se coloca diante da arca santa, na sinagoga. Véu que
separa o lugar da Santidade (Qôdesh) do lugar da Santidade de Santidades (Qôdesh
Haqqodashím) no Templo.
PASSUL (Hebr) – paçul - Desqualificado, defeituoso. Termo usado para objetos rituais
inaceitáveis, por algum motivo.
PATRIARCAS – Abraão, Isaac e Jacó – são os três primeiros homens que adoravam a
Deus. São os patriarcas do povo judeu.
PÉÇAH – Nome hebraico da Páscoa. Celebra-se a lembrança da libertação dos
israelitas da escravidão do Egito, que ocorreu no dia 14 do mês hebraico Niçán,
aproximadamente 1280 anos a.C.
PÉÇEL (Hebr) – Imagem. Não somente a adoração de imagens é proibida pelas leis
bíblicas (Ex 20,4; Dt 7,5), mas também a sua confecção.
PILPÚL (Hebr) – Debate. Sistema de interpretação. Esclarecimento. Matéria
introduzida no séc. XVI nos estudos talmúdicos.
PIRQEI ABÔT – "Ética dos pais". Trata-se de pronunciamentos e
ditames dos Sábios do Talmud, que nos legaram, sob o nome de "Capítulo dos
Pais" um tesouro de valores éticos, do qual o mundo tem-se servido durante dois
milênios.
PIYUT – Poesia litúrgica, adicionada ao ritual a partir do século VII d.C. Seus
compositores são chamados Payyetaním.
PURÍM – Festa celebrada no dia 14 de Adar ou Ve-Adar. Comemora um
episódio da vida judaica na Pérsia, e sua heroina é Ester, a esposa do rei Ahasvêrus
.
RABI – Meu mestre. Originariamente o título era aplicado a um doutor da "Mishnáh"
ou aos amoraítas da Palestina. Mais tarde passou a significar o chefe espiritual de uma
comunidade judaica, ou pessoa erudita nas leis judaicas.
RIMONÍM – Jóias de prata que se põem sobre as varas superiores dos rolos da Torá.
RÔSH HASHANÁH (Hebr) – Cabeça do ano. Festa do ano judaico, celebrada nos dias l° e
2° de Tishri: dias em que segundo a tradição o mundo foi criado. Os outros nomes
de Rôsh Hashanáh são: Yôm Hazzikkarôn (dia da lembrança), Yôm
Terú`a (dia do toque do shôfár), Yôm Haddín (dia do julgamento).
Festa essencialmente religiosa. Celebra-se exclusivamente na sinagoga.
RÔSH HÔDESH (Hebr) – Cabeça do mês. Princípio do mês hebraico que se
inicia com a lua nova.
RÚ`ACH (Hebr) – Termo traduzido geralmente por espirito ou vento. Refere-se ao
elemento que possibilita ao homem estar consciente de Deus e comungar com ele.
SABRA – Denominação metafórica da nova geração israelense.
SACERDOTES – Eram, entre os antigos israelitas, os guardiões do santuário, exercendo
aí as funções legais e rituais.
SANHEDRÍN – Era o supremo conselho dos judeus. Os judeus da Diáspora diziam Guerusia
ou ainda Sinédrio. Eqüivalia ao Senado dos gregos e romanos. Decidia acerca de matéria
legal e ritual. Era presidido pelo sumo sacerdote em função.
SÊDER (Tr) – Ordem. Programa da cerimônia da Festa de Peçah, no lar,
durante as duas primeiras noites.
SEFARADÍM – Do hebraico "sefarád" (Espanha). Israelitas procedentes
da Espanha, Balcãs, Norte da África etc. e seus descendentes.
SÊFER TORÁH – Rolo da Lei; o qual se lê nos sábados, segundas e quintas-feiras e
nas festas.
SELÁH – "Para sempre". Termo tradicionalmente usado, como bênção e como
confirmação do citado.
SELIHÔT (Or) – Conjunto de orações de penitência, recitadas em geral
de madrugada, na semana anterior ao Ano Novo e aos dias de jejum.
SHABBAT (Hebr) – Cessação. Sétimo dia da semana, na cronologia semanal,
judaica. Dia santificado. Dia de descanso. Dia dedicado à meditação. O dia da Shabbat
é entre as instituições religiosas e sociais a maior conquista do judaísmo. A Shabbat
instituiu o princípio segundo o qual o homem tem o direito a seu descanso e à meditação.
SHALÔM (Hebr) – Paz. Saudação bíblica empregada entre os israelitas até hoje.
SHAMÁSH – Assistente na sinagoga.
SHAVUOT – Shabu`ôt - A festa de "Shabu`ôt"
é chamada Yôm habbikkurím (dia das primícias) pois neste dia, oferecia-se no
Santuário um dos pães feitos do trigo da nova colheita, denominados "shetê
haléhem". Os outros nomes desta festa são: Hag haqqatsír (Festa da
ceifa), Jôm-matán-Toráh (Dia da entrega da Lei) e Festa das Semanas. Entretanto no
Talmud, esta festa é chamada "Atseret" (dia da abstinência de
trabalho).
SHLOSHÍM – Os primeiros 30 dias de luto que guardam os "abelím"
após o falecimento de um parente próximo.
SHEM`Á – ou Qeriat-shem`á – Principal oração judaica, considerada
como a expressão clássica do monoteísmo e a proclamação de fé dos israelitas.
SHEMINI `ATSÉRET (Tr) – Oitavo dia de festa de Çukôt.
SHEMITTÁH (Hebr) – Ano sabático. Todo sétimo ano desde o ano da criação do mundo,
é um ano sabático, durante o qual a terra devia estar em repouso. Os produtos que cresciam
espontaneamente no campo, eram socializados e pertenciam a todos: ao servo, empregado,
estrangeiro e mesmo ao gado e aos animais selvagens da terra.
SHEMONÉH-`ESRÊ (Or) – Oração das dezoito bênçãos. Chamada também "Grande
oração", parte integrante de todos os períodos de oração, com textos iniciais e
finais fixos.
SHEMÔT (Bibl) – O segundo livro do Pentateuco chama-se em hebraico "Shemôt"
(Nomes) e em grego "Êxodo" (Saída), pois um dos principais acontecimentos nele
narrado, é a saída do povo de Israel do Egito.
SHEVÁ BERAKOT – Sheba` Berakôt - Sete bênçãos
que se recitam com o segundo copo, durante a cerimônia nupcial israelita.
SHIVÁ (Ri) – Shib`áh - Durante 7 dias os enlutados usam cadeiras baixas para
sentar-se, como demonstração do seu pesar. O Sábado e as Festas interrompem o luto.
Durante estes sete dias os enlutados s-uspendem suas ocupações habituais e dedicam todos
os seus pensamentos ao desaparecido membro da família.
SHOHÊT – Pessoa entendida no ritual de matança de animais (shehitáh
– abate) conforme a lei judaica.
SHOFAR – Trombeta feita com chifre de carneiro que se toca sobretudo no Ano Novo
judaico (Rosh Hashanáh) e no Dia da Expiação (Yôm Kipúr).
SHULEHÁN `ARUK (Hebr) – "Mesa posta". Título mais popular da
compilação das leis rabínicas em forma de código. Foi escrito por Yosef Karo (m. 1575).
A primeira edição apareceu em Veneza em 1565.
SIDRÁ – Çidráh - Seção semanal na Toráh que se lê publicamente aos
sábados, na sinagoga. O mesmo que "parashá" para os sefaradim.
SIMHÁH (Hebr) – Alegria. Também considerada "alegria santa". Festa.
Satisfação pelo cumprimento de um dever humano ou religioso.
SIMHAT-TÔRÁH (Tr) – Último dia da festa de Sukkôt. Significa
alegria da Torá, pela solenidade festiva de terminar a leitura da última sidrá
da Torá e do começo de um ciclo novo com a leitura de uma parte da sidrá de
"Berêshít".
SINAGOGA (Gr) – Textualmente: convocação ou assembléia. Palavra de origem grega.
Lugar onde se celebra o culto religioso israelita. Templo. Casa de Deus.
SIONISMO – Tsiyyônút - Tsiyyôniyút - Aspiração milenar judaica,
desde o exílio babi1ônico, de retomar a Éretz Yisraêl. A espera messiânica,
traduzida na liturgia e nas prédicas religiosas, transformou-se num movimento prático e
espiritual, com a publicação do "Estado Judeu" por Theodor Hertzl (1896),
assumindo uma feição política no primeiro congresso sionista mundial, realizado em
Basiléia em 1897, que proclamou o direito do povo judeu de reconstruir sua vida nacional na
sua própria casa.
SÔFRÍM – Escribas. Sábios, tradutores da Lei Escrita, para o aramaico, língua
popular internacional do Oriente. Este tipo de tradução, feito na época do helenismo, é
conhecido como "targum" (versão).
SUKÔT – Festa das cabanas. Celebra-se, habitando durante 8 dias em cabanas em
que os israelitas viveram desde a saída do Egito até a conquista da Palestina. Chamou-se
também de Hag-Haasíf (Festa da colheita) ou simplesmente Hag.
Principalmente Sukkôt era uma festa agrícola, rural. Sukkôt marcava o final
da colheita da fruta. Era também a festa de peregrinação.
TA`ANYÔT (Hebr) – Dias de Jejum.
TAHANÚN (Or) – Súplica. Após a grande oração de Shaharít
e de Minháh rezam geralmente o Tahanún (súplicas pelo perdão
divino). Esta prece geralmente fica omitida nos dias da Shabbát, Festas e
dias Semi-festivos.
TAHARÁH – Ação de lavar o corpo do defunto antes de ser envolvido na mortalha.
TALLÍT – Manto ritual. Geralmente o judeu se cobre com este manto especial,
durante as orações matinais. A tallít é um pano retangular de lã ou seda,
com listas negras ou azuis perto das suas bordas menores. Das quatro pontas pendem franjas
de lã ou de seda, "tzitzít". A tallít expressa a
idéia de nos revestirmos de espírito de santidade para executar os preceitos divinos e
recordar que não devemos andar atrás dos impulsos maus do nosso coração nem de tudo o
que os nossos olhos vêem.
TALMUD – Significa literalmente: Estudo. Contém os trabalhos mentais, opiniões e
ensinamentos dos antigos sábios judeus, expondo e desenvolvendo as leis religiosas e civis
da Bíblia, durante um período de cerca de 8 séculos (desde o ano 300 a.C. até o ano 500
d.C.). O Talmud inclui dois diferentes elementos: a Halakáh (lei) e a Haggadáh
(narração).
TALMUD TORÁH – Textualmente : "Estudo da Toráh". Escolas primárias,
nos centros judaicos, que ensinavam aos jovens desde o alfabeto hebraico até os valores
filosóficos da religião e cultura judaica.
TANAK (Hebr) – Bíblia. Segundo a tradição judaica, a Bíblia se compõe da: Toráh
(cinco livros sagrados), Nebiím (Profetas) e Ketubím
(Hagiógrafos). Dai surge o nome Tanak, formado pelas letras iniciais das
três partes de que se compõe a Bíblia.
TEAMÍM – Sinais tradicionais que se encontram nas letras hebraicas da Bíblia e que
servem de acentos, pontuação e notas musicais.
TEFILÁH – As principais orações diárias dos israelitas são Tefillat-shaharít
(oração da manhã); Tefilat-minháh (oração da tarde); Tefillat-arbít
(oração da noite). Podemos também classificar as orações, do ponto de vista do seu
conteúdo. Tornou-se hábito no judaísmo ao rezar, de nos aproximarmos de Deus,
principalmente com palavras de louvor e de adoração.
TEFILÍM – Filactérios. Duas caixinhas de couro que contém quatro trechos do
Pentateuco, que durante as orações matinais, exceto aos sábados e dias festivos, os
judeus usam geralmente a partir dos 13 anos. Os dois tefilím simbolizam também os
dois princípios da vida humana, teórica e prática, isto é: pensamento e ação. O da
mão acrescenta também o sentimento.
TEHIAT HAMETIM – Tehiyyát Hammetím - Ressurreição dos mortos.
TEHILLÍM (Hebr) – Salmos. Existem 150 salmos, subdivididos em cinco livros, que
começam respectivamente pelos salmos 1, 42, 78, 90 e 107.
TEIVÁ – Têbáh - Púlpito para a leitura da Toráh na sinagoga. Para os
sefaradím o mesmo que Bimáh e `Ammúd dos ashkenazím.
TESHUBÁH (Hebr) – Arrependimento. Na terminologia judaica, significa a não
repetição do mal, e a vontade de expiar o pecado. O que é ordenado aos judeus fazer
sempre, e especialmente desde Rôsh Hashanáh até Yôm Kipúr.
TISH`ÁH BE AB – Dia 9 o mês de Ab. Dia da destruição do
primeiro e segundo Templo em épocas diferentes. Dia de jejum.
TORÁH (Hebr) – Ensinamento da Lei. Especialmente os "Cinco Livros de
Moisés". O termo serve freqüentemente para toda a lei judaica. Chama-se também em
hebraico: Humásh, Hamishá e Humashé Torá.
TSADÍQ (Hebr) – pl. tsadiqím – Justo, piedoso, virtuoso. Termo usado para o
rabino hassídico ao qual se atribui o poder de fazer milagres, conforme a crença de
um grupo de judeus, chamados haçidím.
TSEDAQÁH (Hebr) – Caridade. Na concepção filosófica de Maimônides, a
caridade judaica consiste em antecipar o auxilio ao seu semelhante, evitando que o mesmo
necessite estender a mão em busca do arrimo.
TSITSÍT – Franjas da tallít, que são fixadas em obediência às
prescrições bíblicas.
VAYYIQRÁ (Bibl) – O terceiro livro do Pentateuco chama-se "Vayyiqrá"
(e chamou), palavra com a qual começa este livro. Entretanto na linguagem talmúdica,
denomina-se "Sêfer Torat Kohaním" (livro da lei dos sacerdotes). A
"Versão dos Setenta" deu-lhe o título de Levítico.
VIDDÚY (Or) – Confissão dirigida diretamente a Deus. Reza do agonizante que termina
com o Shem`á.
YAD (Hebr) – Literalmente: Mão. Indicador, feito de metal, em forma de mão com
dedo indicador, que serve para guiar e apontar as palavras, durante a leitura da Toráh.
YAMIM NORAÍM (Hebr) – Dias Terríveis. Rôsh Hashanáh, dia do Ano Novo, e Yôm
Kipúr, dia do Perdão, são as duas festas austeras, do ano judaico.
YAMIM TOBÍM (Hebr) – Dias Bons. Festas. Datas nacionais de Israel, que exprimem
a sua união com Deus e sua obrigação de servi-lo. Estas comemorações são de duas
espécies: alegres e austeras. Nestes dias não é permitido fazer nenhum trabalho.
YESHIBÁH (Hebr) – Escola tradicional judaica, dedicada ao estudo da literatura
rabínica e talmúdica.
YIDISH – Do alemão "jüdisch", significando judaico. O idioma dos judeus do
este da Europa; é alemão com a mistura do eslavo e hebraico.
YISHÚB (Hebr) – Coletividade.
YIZKÔR (Or) – Oração em memória dos mortos, rezada pelos askhenazím em quatro
ocasiões: no Yôm Kipúr, em Shemini Atzeret, no último dia de Peçah
e no segundo dia de Shabuôt.
YÔM HA`ATZMAÚT (Hebr) – Dia da Independência. Dia 5 do Iyyar de 5708
(14 de maio de 1948) foi proclamado o novo Estado de Israel.
YÔM HAZIKKARÔN – Dia da Lembrança.
YÔM KIPÚR – Dia do Perdão. Festa máxima dos judeus. Vinte e quatro horas de jejum
completo, onde o judeu faz penitência, se purifica de seus pecados e reza a Deus.
YÔM TÔB (Hebr) – Bom dia. Termo hebraico para festa (religiosa).
YOBÊL (Hebr) – Ano de jubileu.
ZEMIRÔT (Tr) – Cânticos; para os sefaradím significam os primeiros salmos da
liturgia matutina. Para os ashkenazím são os cânticos de sábado.
ZOHÁR (Hebr) – Fulgor. Titulo do trabalho cabalístico atribuído a Rabi Shimon Ben
Yoray e introduzido na Espanha por Moisés de Leon, no décimo terceiro século.