Dabru Emet – Falai a Verdade
Para o futuro do diálogo cristão-judaico

Dabru Emet – Falai a Verdade
Para o futuro do diálogo cristão-judaico

 

K. Hannah Holtschneider

 

Em 10 de setembro de 2000, o mundo da conversação cristã-judaica na América foi comovido por uma "tomada de posição judaica referente a cristãos e Cristandade". Dabru Emet - "Falai a verdade", assim o título da tomada de posição que foi publicada como anúncio de uma só página no New York Times e no Baltimore Sun, apresenta, em oito teses e no parágrafo breve e esclarecedor que as segue, uma interpretação judaica de cristãos e Cristandade, indicando o caminho para uma crítica judaica-teológica da cooperação cristã-judaica. A pretensão não é somente inventariação provisória da compreensão judaica atual da Cristandade. A Dabru Emetobjetiva anunciar verdade judaica-teológica sobre a relação do Judaísmo à Cristandade.

 



Essa tomada de posição e a pretensão desta provocaram uma discussão tempestuosa entre eruditos judaicos. No lado cristão, porém, a Dabru Emet recebeu grande cumprimentação cordial e qualificação como contribuição positiva e indicadora para o futuro do colóquio cristão-judaico. Positiva e indicadora para o futuro, porque aqui participantes judaicos e judaicas saem do papel de conselheiros e do papel de ouvintes benévolos da luta cristã-teológica, jogando-se a si mesmos no meio duma luta judaica-teológica. Vozes críticas esporádicas do lado cristão não recusam a tomada de posição, mas apontam para a descrição dela da Cristandade ser antes esperançosa do que correspondente à "verdade".

 

(Cf. p. ex.: Heinz, Rendimento dum Estágio de Pesquisa nos EUA, Barnet, Reconciliação Provocativa, Tomadas de posição das Igrejas unidas)

 



A Dabru Emet é o resultado dum trabalho por muitos anos dum grupo de cientistas judaicos, do National Jewish Scholars Project, cuja primeira reunião se realizou faz cerca de oito anos. Esse grupo de trabalho discute a Cristandade do ponto de vista judaico.

 

(Cf. M. Signer, Algumas Reflexões sobre Dabru Emet)

 

Esse grupo foi fundado por cientistas judaicos que se ocupavam, na sua pesquisa, principalmente da Cristandade, seja na base religiosa, histórica, sociológica ou cultural. No decorrer dos anos, membros se retiraram e novos se juntaram, assim que os autores da tomada de posição (Tikva Frymer-Kensky, David Novak, Peter Ochs e Michael Signer) não refletem mais a composição original do grupo de trabalho. Entrementes, mais que 170 eruditos da maioria dos agrupamentos religiosos judaicos assinaram a declaração, e muitos participaram na discussão e tomada de posição.

 

[Signatários de Dabru Emet]

 

Os signatários ortodoxos estão na minoria de cerca de 5%, mas participam intensamente na discussão e tomada de posição.

 

Como suplementar, o grupo de trabalho publicou um livro, Cristianity in Jewish Terms, que alicerça a discussão da Cristandade entre eruditos judaicos na base acadêmica.

 

(Westview Press, Boulder/Colorado-Oxford. Quem quiser ver a tradução ao português, dirija-se a pwerden@terra com.br.)

Com a Dabru Emet, o grupo de trabalho começa uma réplica judaica a tomadas de posição cristãs como a declaração Nostra Aetate do Concílio Vaticano Segundo, réplica essa que nota a fé cristã atual do lado judaico, apreciando-a positivamente. Publicada em setembro de 2000, a Dabru Emet chegou a ser base para muitos sermões para Rôsh Hashanáh e Yôm Kipur, o Ano Novo judaico e Dia de Reconciliação. Mas a Dabru Emet também saúda leitores cristãos. A Cristandade atual, assim os leitores devem aprender, não é mais ameaça ao Judaísmo, como isso era o caso historicamente. A teologia cristã, a respeito a judeus e Judaísmo, transformou-se, desde 1945, de tal maneira que os cristãos possam ser entendidos como parceiros antes de como rivais.

As teses do documento, que foram, com introdução e explicações, publicadas são as seguintes:

 

Primeira tese: Judeus e cristãos adoram o mesmo Deus.

 

Segunda tese: Judeus e Cristãos se apóiam no mesmo livro – a Bíblia (que os judeus chamam de “Tenak” e os cristãos o “Antigo Testamento”).

 

Terceira tese: Os cristãos podem respeitar a reivindicação do país de Israel pelo povo judaico.

 

Quarta tese: Judeus e Cristãos reconhecem os princípios morais da Toráh.

 

Quinta tese: O Nazismo não era um fenômeno cristão.

 

Sexta tese: A diferença irreconciliável, segundo critério humano, entre judeus e cristãos não será tirada antes que Deus tenha salvado o mundo inteiro, conforme o profetizam as Escrituras.

 

Sétima tese: Um relacionamento renovado entre judeus e cristãos não vai enfraquecer a praxe judaica.

 

Oitava tese: Judeus e cristãos se devem empenhar juntos pela justiça e pela paz.

 

A Dabru Emet na discussão judaica interna


 

Com a publicação da Dabru Emet, uma disputa tormentosa começou entre eruditos judaicos, a qual se estende até o presente, não mostrando sinal qualquer de acordo. E, talvez, um acordo não é desejável. Os participantes da disputa são de todos os agrupamentos religiosos judaicos, têm ou assinado a declaração ou se decidiram contra uma assinatura, vendo-se impelidos a justificar no público a sua respectiva decisão. Nem por último, os autores da declaração explicaram a sua obra em declarações breves ou artigos mais extensos. Com a publicação inicial da tomada de posição, assim a maior parte da discussão se passa na América.

 

(Para um resumo de algumas posições cf. A controversa ao redor da Dabru Emet)

 

Contribuições esporádicas encontram-se ainda na Europa, com p. ex. reuniões sobre Dabru Emet na Inglaterra, Polônia e França, as conferências de Edna Brocke e do rabino David Rosen sobre Dabru Emet na Antiga Sinagoga de Essen (Alemanha) e em Tilburg nos Países Baixos, bem como a discussão do rabino Signer da tomada de posição no Instituto para Igreja e Judaísmo em Berlim no verão de 2001, como a reunião de discussão no primeiro Dia Eclesial Ecumênico em Berlim de 2003 entre os rabinos M. Signer, A Nachama e D. Rosen com os professores de teologia H. Heinz e P. von der Osten-Sacken.

 

(Stanislaw Krajewski, A Dabru Emet na Polônia, D. Rosen, "Dabru Emet" - Sua Significância para o Diálogo Judaico-Cristão)

Embora a "centralização americana" (D. Rosen) da Dabru Emet esteja clara, a discussão intrajudaica da Dabru Emet também fora da América é muito importante, nem por último, para o desenvolvimento ulterior do diálogo cristão-judaico.

Os autores e a maioria dos signatários são para serem agregados ao Judaísmo não-ortodoxo, o qual, por sua vez, divide, segundo o lugar geográfico, em reforma/liberal/progressivo, "reconstrucionista" e conservativo/maçorti. Mas também alguns ortodoxos assinaram a Dabru Emet. Cada consentimento com a Dabru Emet ou, pelo menos, reconhecimento da necessidade de uma tomada tal de posição pelo lado ortodoxo contribui determinantemente à veemência da discussão sobre a Dabru Emet. Como os signatários ortodoxos estão sendo muitas vezes considerados como "traidores" da ortodoxia, a oposição ortodoxa não só critica os representantes do Judaísmo não-ortodoxo, mas visa muito especialmente aqueles rabinos ortodoxos que, com a sua assinatura da Dabru Emet, se puseram no mesmo barco com o Judaísmo não-ortodoxo. Mas, nessa "guerra", só peças relativamente leves participam. Agentes representativos da ortodoxia, talvez conscientemente, não se intercalaram no debate.

Os autores têm consciência de que a tomada de posição ser concebida controvertivelmente e não têm medo de entrar em discussões que levem a um entendimento melhor do assunto e do desejo dos participantes do colóquio. O rabino ortodoxo, D. Rosen, ex-presidente do Conselho Internacional para Cristãos e Judeus, pode concordar com isso e recebe bem a avaliação teológica positiva do diálogo cristão-judaico na Dabru Emet: "Com a Dabru Emet, é que o consenso mais amplo da elite judaica religiosa e acadêmica judaica recusa univocamente atitudes negativas a respeito do diálogo judaico-cristão."

De modo completamente contrário argumenta Hillel Goldberg, docente para Pensamento Judaico Moderno na Universidade Hebraica e docente para Muçar (ética) no Jerusalém Toráh College, que não simpatiza com uma comutação tal da orientação teológica, porque entende uma participação judaica no diálogo cristão-judaico meramente como proteção da vida judaica: "A motivação da participação judaica no diálogo - para impedir perseguição de judeus por cristãos - nem precisa uma complicação para dentro da Cristandade nem uma tal é legítima."

Também negativamente, Jacob Neusner, conservativo, Research Professor of Religion and Theology no Bard College, Nova York, intervém no debate, atribuindo aos autores e signatários da Dabru Emet falta de conhecimento da história e teologia judaicas: "A interpretação completamente falsa da visão judaica da Cristandade ... é uma ação necessária de proteção que quer encobrir a vergonha do Judaísmo de reforma e conservativo e sua política cobarde [casamento legítimo de judeus e não-judeus]. O que pode motivar os poucos signatários ortodoxos não posso imaginar."

Jon Levenson, ortodoxo, Associate Professor of Hebrew Bible na faculdade teológica de Chicago, reconhece em princípio a possibilidade e até a necessidade duma tomada tal de posição; não está, no entanto, de acordo, entre outras coisas, com a ética pretensa do diálogo inter-religioso, a qual vê refletida também na Dabru Emet: "A Dabru Emet pisou numa das maiores armadilhas do diálogo inter-religioso. ... É inevitavelmente tentador, em tais situações, evitar qualquer discussão aberta de conteúdos fundamentais de fé e seguir, em vez disso, o modelo da dissolução das contradições ou das negociações diplomáticas. ... O que se tem em comum está sendo enfatizado e diferenças ... estão sendo apoucadas, negligenciadas ou negadas completamente. Logo que esse modelo de diálogo estiver sendo adotado, o fim não é só concordância, mas sim afirmação recíproca; os juízos críticos, os quais as tradições religiosas dispararam no passado sobre os outros, respectivamente, estão descritas, em extensão crescente, como não mais que o produto trágico de preconceito e mal-entendido."

 

Discussão das teses 1 e 5


 

A crítica mais veemente se dirige contra as teses 1 e 5. Que judeus e cristãos adoram o mesmo Deus está sendo contestado em consideração da divindade de Jesus e da Trindade, porque estas parecem por em questão a unicidade de Deus. A tese de que o Nazismo não seria um fenômeno cristão provoca a reação de vozes opostas, as quais vêem aqui uma desculpa de co-autoria cristã no Holocausto. Exceto da tese 8, que convida a cooperação judaico-cristão na prática, como isso não parece problemática, todas as teses encontram oposição forte.

Para M. Signer, Abrams Professor of Jewish Thought and Culture na University of Notre Dame, a controversa ao redor dessa tese é sintomática para a falta da criatividade no tratamento da tomada de posição. Com referência a tradições judaicas de discussão, propõe que cada tese da Dabru Emet possa ser lida tanto como afirmação quanto como pergunta: "Por exemplo, "Judeus e cristãos adoram o mesmo Deus?" ou: "Os cristãos podem respeitar a reivindicação do povo judaico à Terra de Israel?" ... Entendo cada tese como uma Questio Disputata [tese a ser discutida]" (destaque no original). Mas a concepção da tese como pergunta não é apropriada, face à falta de disposição para o colóquio dos comentadores, a elevar a discussão ao nível duma troca de idéias construtiva.

Edna Brocke, diretora do lugar comemorativo da Alte Synagoge Essen [Antiga Sinagoga (da cidade de) Essen (Alemanha)], entende essa tese como uma universalização de um relacionamento especial, a qual não é admissível, porque desliga a relação judaica com Deus da sua "ligação étnica", abstraindo: "A designação de Deus como Deus de Abraão, Isaac e Jacó é uma ligação étnica. Essa ligação está fundamentada na Bíblia judaica e não se deixa, por meu ver, nem trans-interpretar para uma ligação abstrata nem universalizar." E. Brocke não entra na concretização da tese no parágrafo breve que a segue, concretização essa que identifica em ligações concretas a profetas e patriarcas e, no seu teor, não convida para uma universalização, mas fala da entrada de cristãos na já existente relação de Israel com Deus.

O rabino ortodoxo, David Berger, professor de história no Brooklyn College, Nova York, embora consinta com o teor da tese, não deixa de a querer ver qualificada, para evitar mal-entendidos. "Embora esteja certo enfatizar que os cristãos adoram o Deus de Abraão, Isaac e Jacó, o criador do céu e da terra, será preciso acrescentar que a veneração de Jesus de Nazaré como uma encarnação ou como uma parte de Deus é ÀBODáH ZoRóH ou idolatria - pelo menos quando exercida por um judeu."

 

(D. Berger: 14.9.2000 A declarção de David Berger à Dabru Emet )

Essa omissão é razão porque D. Berger não assinou a tomada de posição. Mas a sua qualificação da ÀBODáH ZoRóH (idolatria) como válida somente para judeus, está dizendo muito. A tese não convida os judeus à veneração de Jesus de Nazaré, nem intervém em formas de culto judaico. Desde a Idade Média, os cristãos, conforme a concepção asquenazita, por várias razões, não foram mais desqualificados como idólatras. Conforme a discussão talmúdica, os cristãos não são idólatras; embora se associem numa outra manifestação (ShITUF) com Deus, esta não acarreta uma divisão de Deus em vários deuses. ShITUF é permitido para não-judaicos, quer dizer para cristãos. Para judeus, porém, o ShITUF é proibido, caindo na categoria de idolatria, ÀBODáH ZoRóH. Daí, embora ÀBODáH ZoRóH para um judeu que participar de um culto cristão vale como dantes, a tese de que os cristãos e os judeus, pela associação com Jesus, adoram o mesmo Deus não é, desde há muito, muito surpreendente. Como E. Brocke, D. Berger ou não leu a tese inteira exatamente ou tem outras razões para a sua recusa da afirmação, razões que são para serem lidas entre as linhas, mantendo-se, porém escondidas no próprio texto.

 

Diferenças no entendimento de Deus


 

Comentários ulteriores argumentam com essencialmente mais veemência. O rabino H. Goldberg recusa a primeira tese categoricamente. "Esse pronunciamento não tem fundo. Seria uma surpresa dramática para a filosofia judaica, desde os seus primórdios sobre os seus comentários determinantes, inclusive Maimônides. ... Um judeu não pode entender Deus através de Jesus. Um cristão não pode entender Deus sem Jesus. Não é o mesmo Deus."

Outra vez se põe a pergunta de quem ou o quê está sendo defendido aqui. Que há caminhos diferentes de acessão a Deus não força a conseqüência de que, por isso, não pode ser o mesmo Deus. Aqui D. Rosen se intercala expondo que já a Bíblia chama atenção para entendimentos diferentes de Deus: "A autodeterminação divina sem par no livro Êxodo, "Eu sou o que sou", ou mais literalmente, "serei aquilo que serei", fora mesmo exatamente entendido como expressão de que duas pessoas não compartilham o mesmo entendimento de Deus."

Para J. D. Levenson, a tese sem referência às dificuldades que os judeus superaram para não mais considerar os cristãos como idólatras, é incompleta. Toda a sua crítica da Dabru Emet tem como base o esquecimento de história dos autores no seu entusiasmo sobre os progressos do colóquio cristão-judaico desde 1945. "Os judeus não eram sempre convencidos que os cristãos adorassem o mesmo Deus. ... Mesmo no mundo asquenazita medieval, no qual reinava uma visão completamente outra da Cristandade, algumas autoridades interpretaram a fórmula monoteísta do SheMA` ... como uma negação explícita do dogma da trindade. ... É questão da própria identidade de Deus. ... Participantes no diálogo judaico-cristão muitas vezes falam assim como se os judeus e os cristãos estariam de acordo sobre Deus, mas se desaviriam sobre Jesus. Esqueceram que cristãos ortodoxos realmente crêem que Jesus é Deus."

Interessantemente, não se observa aqui uma divisão clara entre comentários recusadores ortodoxos e comentários concordantes não-ortodoxos. Diferenças interortodoxas aparecem, em parte somente implícitas nos seus comentários recusadores, mas insuficientemente fundados.

Os comentadores têm considerações sérias teológicas para aceitar a primeira tese, ou há outras razões para a recusa categórica de E. Brockes, D. Berger e H. Goldberg da tomada de posição? Será que, talvez, reações emocionais na leitura, feita às pressas da tomada de posição, não permitam ler rigorosamente e analisar, e só então responder com um comentário pensado e bem fundado? Considerações políticas comparecem. Quem, o quê e como e onde diz e como isso é percebido pode ser mais importante que uma discussão dos conteúdos da Dabru Emet Ao passo que os comentadores e comentadoras de agrupamentos religiosos diferentes, na primeira tese, têm dificuldades ou facilidades iguais, a discussão interortodoxa se parece também passar no nível de lealdades. Como a tomada de posição foi composta por não-ortodoxos, será uma atitude política arriscada concordar com ela mesmo somente em princípio. Os poucos signatários ortodoxos, que se intercalam no debate com comentários de louvor, são todos domiciliáveis na margem da ortodoxia e têm experiência de muitos anos no colóquio com cristãos. O comentário de J. D. Levenson é uma das poucas avaliações críticas da Dabru Emet pelo lado ortodoxo que discute o conteúdo da tomada de posição, apontando a pontos de discussão importantes.

A discussão ulterior de pronunciamentos de fé controversos se desenvolve da recusa da primeira tese. Se os judeus e os cristãos não adoram o mesmo Deus (tese 1), então parece, para os opositores da tomada de posição, seguir logicamente que os judeus e os cristãos nem se refiram aos mesmos documentos escritos (tese 2) nem possam seguir os mesmos princípios morais (tese 4), nem possam ter esperanças escatológicas parentes umas das outra (tese 6). Unicamente J. D. Levenson designa com a sua crítica, por vezes áspera, a necessidade para discussão de cada tese e as dificuldades que possam resultar do consentimento àquela tomada de posição para os judeus e para os cristãos.

 

Interpretações diferentes da Shoáh


 

O consentimento ou a recusa da tese 5 seguem as interpretações diversas das causas e da história do Holocausto, bem como as conseqüências que dele resultam para a compreensão da relação da Igreja ao Nacional-socialismo. Nas palavras do autor, na Dabru Emet, trata-se, na tese 5, primeiramente duma avaliação teológica do Cristianismo, e não tanto duma interpretação do desenvolvimento histórico do Holocausto. Assim, David Novak salienta as conseqüências dum enlace demasiadamente estreito da Cristandade com o Nacional-socialismo: "Se a Cristandade fosse a causa do Nazismo, os cristãos teriam a escolha terrível de tornar-se ou inimigos dos judeus ou abandonar a Cristandade. ... No que nos parece, isso não corresponde à verdade."

 

(D. Novak, New Cristians? New Jews? Em: National Post (Toronto, Canadá), 22.11.2000.)

Do mesmo modo, M. Signer dirige a atenção a possibilidades cristãs-teológicas, sem, porém, negar o passado carregado de culpa: "A experiência dos quatro teólogos, que compuseram esse parágrafo, os convenceu de que a Cristandade possuía e possui valores centrais, que teriam possibilitado outra orientação ao Nazismo."

Essas declarações seguem uma tormenta de indignação dos comentadores. Assim, o rabino James Rudin, reforma, ex-presidente do American Jewish Committee, argumenta "que o Holocausto está de importância central em todos os casos de contenda religiosa".

 

Assevera que a Dabru Emet quer pôr esse fato de parte, declarando judeus e cristãos igualmente como vítimas dos Nazistas. J. Rudin quer um tratamento concreto da contribuição cristã para o nascimento do Holocausto: "Muitas doutrinas e ações cristãs prepararam pelos séculos o lugar para chocar - o clima moral, espiritual e intelectual - para a ascensão do genocídio nacional-socialista. Porquê os autores judaicos não se dirigiram a esse ponto como muitos cristãos o fizeram?"

 

Ao valor de posição dos esforços para o diálogo até agora


 

Que a Dabru Emet não corresponderia às tomadas de posição cristãs sobre o Holocausto e ao relacionamento cristão-judaico, também H. Goldberg vê como defeito decisivo: "Exatamente esse desenvolvimento histórico é o cerne da mais profunda dor e da confissão atormentadora de muitos teólogos pós-Holocausto cristãos. Muitos cristãos fiéis benévolos lutaram com essa confrontação, mas os signatários judaicos dum anúncio no Times recusam isso agora como sendo desnecessário." O seu colega, D. Rosen, se manifesta, nesse contexto, contrariamente, atribuindo ao circulo judaico dos destinatários da tomada de posição grande importância para a interpretação de cada frase: "Não creio que uma pessoa justa possa negar a tese de que o Nazismo não era um fenômeno cristão. Fosse isso uma tomada cristã de posição, esperaríamos evidentemente um exame de consciência mais intensivo e um reconhecimento completo do pecado do anti-semitismo cristão. Mas a Dabru Emet é uma tomada judaica de posição, tomada essa que se dirige expressamente a judeus. A comunidade judaica não precisa ser convencida da culpa e responsabilidade históricas pelo anti-semitismo - ao contrário! Um participante líder no colóquio com cristãos o expressou da seguinte maneira: A comunidade judaica se cala num "triunfalismo de dor". Impõe-se francamente a conclusão de que a crítica judaica desta tese da tomada de posição se motiva pela indignação ... com deixar escapar a Cristandade atual do laço histórico."

A leitura por D. Rosen da quinta tese aclama a Dabru Emet como um corretivo duma interpretação presa em estereótipos da ligação de Nacional-socialismo e Cristandade dentro das comunidades judaicas. Embora a Dabru Emet se dirija primariamente a leitores judaicos, será preciso contar também com uma atenção especial cristã. Eis porque J. A. Rudin e H. Goldberg não sem razão se preocupam da impressão possivelmente desculpadora ou até equiparação histórica de judeus e cristãos durante a época nazista, equiparação essa que a quinta tese possa provocar. J. D. Levenson chama atenção especial para os problemas levantados pelo caráter especulativo da quinta tese: "O problema resulta da especulação de que "Tivessem os nazistas conseguido o extermínio dos judeus completamente, a sua fúria homicida se teria muito mais diretamente voltado contra os cristãos." Isso assimila judeus e cristãos rápido demais uns aos outros. ... Com a afirmação de que os cristãos também teriam sido destinados a chegarem a ser vítimas do Holocausto, os autores da Dabru Emet põem esses falsamente no mesmo barco com judeus - ou, para o formular mais precisamente, no mesmo trem a Auschwitz. Isso, dito com indulgência, leva a solidariedade entre as religiões longe demais."

Com essa advertência, Levenson resume também a sua crítica à tomada de posição concisamente. Por seu ver, a Dabru Emet convoca para solidariedade e cooperação mais extensas de judeus e cristão do que até agora foi oferecido pela parte judaica, indo com isso, para Levenson, longe demais.

Os comentadores que interpretam a Dabru Emet como um documento de uniformização do Judaísmo e da Cristandade e como uma interpretação inocentizadora da história judaica-cristã, recusam-na como perigosa demais para o futuro da comunidade judaica. Perigosa demais, porque parece reduzir as diferenças entre Judaísmo e Cristandade até parecer que não estorve nada teologicamente o casamento entre judeus e cristãos, nem a conversão de judeus à Cristandade. Isso, face à diminuição do número diminuindo de comunidades judaicas nos Estados Unidos e na Europa, está sendo considerado como especialmente ameaçador. Comentários recusadores parecem temer uma "liquidação" do Judaísmo à Cristandade. Assim que as barreiras, que cresceram historicamente entre o Judaísmo e a Cristandade e foram cultivadas por ambos os lados, forem criticamente analisadas e discutidas, tocam os sinos de alarme. Palpita-se a algum perigo para a continuação do Judaísmo. Nisso, a acusação se dirige muitas vezes contra o Judaísmo não-ortodoxo. Ortodoxos atribuem aos seus colegas não-ortodoxos aquilo, que estes qualificam como "fronteiras abertas" entre Judaísmo e Cristandade, como ganho político para o Judaísmo não-ortodoxo. A discussão sobre a Dabru Emet que adelgaça a confrontação entre ortodoxos e não-ortodoxos ao assunto do colóquio com cristãos, se refere também à compreensão de identidade judaica. Sendo até agora o colóquio cristão-judaico entendido um como seguro de vida judaico, a Dabru Emet, nos olhos de alguns oponentes, pôs radicalmente em questão essa motivação para colóquio.

Os comentários categoricamente recusantes podem, portanto, também ser lidos como profunda insegurança dos participantes do colóquio. Os argumentos e a leitura instintivamente seletiva da tomada de posição, que conexos descritos ou não vêem ou mal entendem, indicam isso. Embora a separação aproximativa entre consentimento não-ortodoxo e recusa ortodoxa esteja certa, a situação, ao olhar mais exatamente, está mais complicada. Enquanto o rabino da Reforma, Nicholas de Lange assinou "porque quis asseverar a judeus normais que velhas histórias de horror pertencem aos livros de história e a Cristandade não é perigo para o Judaísmo", mostra a disputa claramente quanto a Dabru Emet põe no primeiro plano exatamente esse receio.

 

Quanto esse receio está ligado com o auto-entendimento judaico, também chega a ser claro na discussão da tomada de posição. J. D. Levenson reconhece na sua contribuição que, assim que a imagem de inimigo, perante do qual a própria identidade se destacou, desaparecer, essa mesma identidade estará posta em questão.

 

[Cf.: "Comunidades que largamente superaram a sua animosidade e se moveram a respeito mútuo, como judeus e cristãos o fizeram em extensão significativa nos estados Unidos, devem procurar alhures tais reforços para a identidade de grupo como ela existia em arranjos antigos e mais contenciosos. Em quaisquer situações, os riscos são mais altos para a comunidade menor - isso é: os judeus. São especialmente altos, se for que judeus e cristãos realmente estiverem no relacionamento descrito na Dabru Emet. Pois o impulso dessa declaração é fazer as duas comunidades aparecer tão semelhantes como duas ervilhas na mesma vagem. ... Embora  a declaração mencione desacordos e peça que sejam respeitados, é difícil sair dela sem o sentimento de que aproximadamente dois mil anos de disputa judaica-cristã se baseavam em pouco mais que no narcisismo de pequenas diferenças."]

 

Está, portanto, em todas as contribuições, positivas e negativas, também sempre no espaço a pergunta pela identidade judaica.

A discussão acerca da Dabru Emet mostra que a renovação teológica do entendimento judaico da Cristandade inseguriza auto-entendimento judaico. Uma orientação nova de identidade judaica, a qual aceite os desafios do colóquio com cristãos, é o desejo dos autores e signatários. Os judeus precisam pensar no seu papel no colóquio cristão-judaico e modificar, eventualmente, esse papel.

 

Aonde vai o caminho?


 

A inseguridade profunda da identidade judaica em face da Dabru Emet estimula para discussão mais extensa. Necessidade de discussão reina, antes de tudo, em três áreas.

 

Uma vez, se trata de reagir contra o receio judaico duma "aguação" [diluição, trad.] do Judaísmo pelo colóquio cristão-judaico. Aqui, parceiros de colóquio cristãos podem ajudar especialmente. O receio de discutir com alheios e o receio de ser intimado para abandonar conteúdos centrais de fé são bem conhecidos a cristãos através do colóquio cristão-judaico. Judeus e cristãos podem também aprender como uma identidade religiosa pode provir fortalecida duma confrontação com tais desafios.

Em segundo lugar, trata-se do método da autodefinição na Dabru Emet. Vários comentários ortodoxos dão inequivocamente pela falta de terminologia judaica. O título hebraico e a designação da Bíblia como TaNaK são as únicas indicações do uso judaico. Dão pela falta principalmente de conceitos judaicos como TORáH, HaLaKáH e MiTsVOT, os quais, assim comentários ortodoxos, teriam posto um contexto univocamente judaico para a Dabru Emet.

 

(Cf.: "Ainda mais surpreendente, numa declaração escrita por teólogos judaicos, é a ausência das próprias palavras lei e mandamentos.")

 

Explicar auto-entendimento judaico sem conceitos judaicos é paradoxo e reforça o receio de "aguação" do Judaísmo e da tentativa de insinuar-se na intimidade de cristãos.

Em terceiro lugar, a relação do Judaísmo à Cristandade deve também incluir na consideração as relações do Judaísmo a outras religiões. Conforme a opinião de Steven Fines, a Dabru Emet favorece a Cristandade teologicamente tanto, que um diálogo com outras religiões ou vai completamente ao segundo plano ou fica na sombra do consentimento com a missão cristã para não-cristãos não-judaicos. "A Dabru Emet prefere a Cristandade de outras religiões não-judaicas. ... O proselitismo cristão entre Hindus, Sikhs e outros não-cristãos está sendo tacitamente apoiado com isso. Com, a tomada de posição aparentemente não só concorda oficialmente com a missão cristã da atualidade, mas estende esse consentimento também a práticas missionárias cristãs no passado. Na opinião da tomada de posição, os judeus são os únicos que se encontram fora do alcance dos missionários cristãos.

A discussão por causa da Dabru Emet se pegou nas definições da identidade e integridade judaicas. Discussão ulterior dará nomes mais diferenciados aos pontos da disputa. Na área intrajudaica, seria um passo novo manter acordada a questão duma teologia judaica da Cristandade pelo menos numa discussão que também inclui também os e as participantes ortodoxos/as nesses colóquios, bem como nos encontros com cristãos. A Dabru Emet avançou aqui publicamente, sem esperar pela réplica de todos os círculos da comunidade judaica e então discutir de novo. De um lado, uma tal arriscada tomada de posição pública ajuda para esquentar a discussão intrajudaica para mover o assunto de certo modo ao centro do pensar judaico na atualidade. De outro lado, um documento tão controverso assim pode efetuar exatamente o contrário e passar em silencio pela recusa à discussão. Que alguns representantes do Judaísmo ortodoxo assinaram a tomada de posição não estimulou somente o debate, mas é também garantia para o futuro da discussão intrajudaica com a Dabru Emet e, com isso, com a relação da Cristandade ao Judaísmo. Pois D. Rosen observa bem: "Uma Teologia judaica séria da Cristandade precisa evidentemente exceder o simples respeito da "fidelidade dos cristãos perante a sua revelação, uma teologia tal precisa mostrar uma compreensão da importância dessa revelação para o plano de Deus para a humanidade."

 


 

 

 

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